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personalidade

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

Nos três capítulos seguintes, discuto não identidade, mas identidades. Ou seja, supondo que tenhamos uma única pessoa vivendo uma vida, essa pessoa pode ter uma identidade ou persona em vez de outra. No capítulo oito, discuto a ideia estoica de que a decisão sobre como é correto agir depende apenas parcialmente de como um ente racional agiria, o critério que Kant   destacou nos tempos modernos. Isso pode excluir uma conduta inaceitável, mas deixa muita latitude e é preciso considerar também, dentro das restrições impostas pela racionalidade, como ser fiel a si mesmo como indivíduo, à sua própria persona. Uma pessoa pode ser única, como Cato, de modo que, quando estava do lado perdedor na guerra civil e Júlio César se tornou ditador, era certo que ele cometesse suicídio, mas não era certo para os outros que estavam nas mesmas circunstâncias. Isso soa oposto à universalizabilidade que Kant defendia, segundo a qual o teste para determinar se algo está certo é se seria certo para todos nas mesmas circunstâncias. A visão de Kant pode ser verbalmente consistente com a estoica, mas acho que o espírito é totalmente diferente e que esse desenvolvimento tardio do estoicismo atribui uma nova importância ao indivíduo.

No capítulo nove, considero a visão de Plutarco   de que, para os diferentes propósitos de alcançar a tranquilidade, é preciso usar a memória para contar uma narrativa da própria vida, porque sem ela não haverá identidade. Esse é um tipo diferente de identidade da persona estoica, que se baseia em parte na natureza e no acaso e em parte nas próprias escolhas. Mas ambas as visões estão falando sobre uma identidade que ajudas a criar e que não está apenas aguardando inspeção da maneira pela qual Hume   supunha que um si deveria estar disponível para inspeção, se existisse. Ambas as visões enfatizam a importância de uma vida inteira. Embora uma persona possa ser construída inconscientemente, não é isso que os estoicos estão recomendando. Precisarás refletir até sobre coisas como escolher uma carreira, talvez contra os desejos de seus pais.

Realmente importaria se não seguíssemos o conselho de Plutarco e analisássemos nossa vida como um todo? Pode ser importante para algo que não seja a tranquilidade, a saber, o assunto discutido em conexão com as personas, a tomada de decisões. Praticamente todas as antigas teorias morais gregas e romanas assumem que, para tomar decisões, precisarás levar em consideração tua vida como um todo, ou grande parte dela. A principal variação diz respeito a se eles recomendam que consideres teu futuro ou passado a longo prazo ou ambos. Eu me pergunto, de fato, quantas teorias morais existem que não esperavam uma ou outra, ou ambas. Às vezes parece ser omitido das discussões morais modernas. Mas, se sim, isso não é um descuido?

No capítulo dez, considero Epíteto   reduzindo sua concepção de si e, portanto, em um modo de seu si mesmo, de modo a excluir seu corpo e qualquer coisa que um tirano pudesse controlar. Isso também envolve a criação de um si mesmo. Ele aspira a ser apenas sua vontade corretamente dirigida, que não pode ser acorrentada pelo tirano. A palavra que estou parafraseando grosseiramente como "vontade’’ é proairesis, um termo emprestado de Aristóteles, a quem vejo como Epíteto em identificar o si mesmo especialmente com razão prática, em contraste com Platão, que o identificou com razão de maneira geral. Para Aristóteles, os papéis da prática como contra a razão teórica na individualidade [selfhood] são uma questão séria, mas não creio que se possa supor que ele concorda no final com Platão. Apesar das semelhanças entre Epíteto e Aristóteles na proairesis, acho que eles acabam sendo muito diferentes um do outro ao final. Acho também que, embora Epíteto não rejeite as opiniões de seus antecessores estoicos, ele também parece muito diferente deles. A não rejeição não impede o caminho de uma enorme novidade. [SorabjiS  :7-8]


LÉXICO: personalidade; personalismo