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ceticismo

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

Extrema se tangunt! Os extremos se tocam! Esta sentença também vale no campo epistemológico. Muitas vezes, o dogmatismo transforma-se em seu contrário, o ceticismo (de sképtesthai, considerar, examinar). Enquanto o dogmático encara a possibilidade de contato entre sujeito e objeto como auto-evidente, o cético a contesta. Para o ceticismo, o sujeito não seria capaz de apreender o objeto. O conhecimento como apreensão efetiva do objeto seria, segundo ele, impossível. Por isso, não podemos fazer juízo algum; ao contrário, devemos nos abster de toda e qualquer formulação de juízos.

Enquanto o dogmatismo de um certo modo desconsidera o sujeito, o ceticismo não enxerga o objeto. Seu olhar está colado de modo tão unilateral ao sujeito, à função cognoscente, que desconhece por completo a referência ao objeto. Sua atenção está sempre completamente direcionada aos fatores subjetivos do conhecimento humano.

Ele observa que todo conhecimento é condicionado por peculiaridades do sujeito e de seus órgãos de conhecimento, bem como por circunstâncias externas (meio ambiente, cultura). Com isso, desaparece de sua vista o objeto, que é, no entanto, necessário para que aconteça o conhecimento, que significa exatamente uma relação entre um sujeito e um objeto.

Como o dogmatismo, o ceticismo também pode estar associado tanto à possibilidade do conhecimento em geral quanto de um conhecimento determinado. No primeiro caso, estamos diante de um ceticismo lógico, também chamado ceticismo absoluto ou radical. Se referir-se apenas ao conhecimento metafísico, falaremos de ceticismo metafísico.

Com respeito ao campo dos valores, distinguimos o ceticismo ético do ceticismo religioso. Para o primeiro, o conhecimento ético é impossível; para o segundo, o religioso.

Finalmente, cabe distinguir ainda o ceticismo metódico do sistemático. Aquele está relacionado a um método; este, a uma posição de princípio. Esses tipos de ceticismo não passam de diferentes formas dessa posição de princípio. Mas o ceticismo metódico consiste em pôr em dúvida tudo que aparece como certo e verdadeiro à consciência natural, eliminando toda a inverdade e atingindo um conhecimento absolutamente seguro. (Johannes Hessen, Teoria do Conhecimento)


Temas do ceticismo:

a) Em relação às três perguntas: 1) qual é a natureza das coisas?; 2) que atitude devemos assumir quanto a elas?; 3) que resultará dessa atitude? Respondem os céticos: quanto à primeira, aproveitando-se do relativismo de Heráclito   e Protágoras   afirmam que só conhecemos o que sentimos e os fenômenos como nos aparecem; quanto à segunda: por esses fundamentos devemos reconhecer e seguir os fenômenos, mas suspender o juízo quanto ao que está oculto (a coisa em si). Temos assim, no fenômeno, o critério necessário para a conduta prática sem no entanto possuir o critério da verdade objetiva; quanto à terceira: a renúncia ao juízo (afasia) implica, por si mesma, a resposta àqueles que o cético deve renunciar a pronunciar-se acerca da natureza das coisas, eliminando as perturbações que a opinião traz às inevitáveis impressões dos fenômenos, alcançando assim nos limites do possível, a desejada imperturbabilidade (ataraxia).

b) Mas os fenômenos, na prática, têm aparências contraditórias, e os céticos negam-lhes qualquer critério de verdade. Não existe representação que, por si só, dê uma evidência objetiva. Contradizem-se os sentidos, a vista contradiz a si mesma, os sonhos mesclam-se com a realidade e a razão sofre as influências das representações.

c) Os céticos acusam os estoicos que afirmam atributos positivos em Deus e tentam explicar o mal com o conceito da providência, e a contingência com o conceito do destino, e a variabilidade das leis humanas com o conceito da justiça natural. Os erros do dogmatismo reduzem-se, pois, à pretensão de possuir um critério de verdade, uma evidência, onde tudo permanece compreendido (acatalepto). E os céticos afirmam: fundamentar o assentimento no incompreendido não é ciência, é opinião. Tal atitude não é digna do sábio. Digna é a suspensão do assentimento e do juízo (epokhê), do qual resulta a imperturbabilidade (ataraxia).

d) Resta ao sábio apenas a probabilidade. Carnéades intenta resolver este ponto com sua teoria dos três graus da credibilidade ou verossimilitude: 1) representação persuasiva; 2) e ao mesmo tempo não contraditada; 3) e examinada em todas as suas partes. Posteriormente Sexto Empírico e Agripa não aceitam o critério de verossimilitude. Não o substituem no entanto por uma negação, que seria uma posição dogmática, mas por uma suspensão de todo juízo. Enesidemo classifica em dez motivos ou modos (tropos) as causas da relatividade de todos os conhecimentos. São: 1) diferença entre os animais; 2) diferença entre os homens; 3) diversidade entre as sensações; 4) variedade das circunstâncias e disposições subjetivas; 5) variedade de posições, distâncias e lugares; 6) mescla variada com circunstâncias concomitantes; 7) há diferenças de percepção e o conjunto é diferente dos elementos isolados; 8) relatividade das coisas; 9) diferença entre as impressões habituais e raras; 10) diversidade de educação, costumes, leis, crenças e opiniões humanas. Agripa resume em duas classes: 1) discordância entre indivíduos na maneira de viver ou de pensar, e 2) relatividade do objeto percebido aos outros objetos e ao sujeito que percebe.

e) Sexto Empírico resume todos esses modos num dilema: toda a coisa deve ser compreendida por si ou por outra; porém, de per si não é possível, por faltar um critério que não seja controvertido; tão pouco por outra, porque com esta outra o dilema se renovaria e assim até o infinito. Nem a própria controvérsia acerca do critério da verdade pode ser resolvida, porque para tanto seria necessário um critério reconhecido e vice-versa, pois para possuí-lo seria preciso já ter resolvido a controvérsia.

f) Para eles o silogismo é falso por já estar contida a conclusão na premissa maior. E argumentam: Todo homem é animal, Sócrates   é homem, logo Sócrates é animal. Mas dizem os céticos: se não sabeis que Sócrates é animal, como podeis dizer: todo o homem é animal? Mas pode objetar-se: "que o silogismo limita-se a estabelecer a relação lógica entre a conclusão e as premissas (já que se acha contida nelas); por conseguinte pressupõe a validez das premissas; demonstrá-lo não é a missão do procedimento silogístico", como argumenta Messer.

g) Dizem os céticos: pretendeis dar a explicação dos fatos por meio da causa. Mas pode conceber-se a causa sem primeiramente haver compreendido o efeito, como efeito seu? E pode a causa, como tal, existir antes de que seja causa, quer dizer, antes que exista seu efeito? Por serem conceitos relativos, um não se pode compreender sem o outro; por isso, um não pode ser explicado de outra maneira, ou seja, o segundo não pode ser explicado pelo primeiro.

h) Sexto Empírico deduz desses argumentos a seguinte regra: obedecer aos fenômenos e deduzir deles a norma do que parece mais benéfico. O critério para a vida não é o critério da verdade, mas sim da utilidade, e o método empírico o oferece com a coordenação sistemática de toda experiência, que pretende valer realmente para as experiências futuras, mas sem pretender, como em Carnéades, a verossimilitude, isto é, a semelhança com uma verdade objetiva, na qual o ceticismo radical suspende completamente o juízo. É esta a tendência que hoje se chama pragmatista. Ela vai influir na filosofia pós-aristotélica. O valor teórico é substituído completamente pelo valor prático e humanista. A crítica do ceticismo é realizada na lógica maior ou crítica pelos escolásticos.

Todos os adversários da cognição indireta fundam-se na afirmativa de que o homem não dispõe de meios de conhecimentos seguros que lhe deem a certeza de que alcança a verdade. Entre esses adversários podem ser classificados numa escala intensista descendente, em primeiro lugar, os céticos radicais ou universais, que negam qualquer certeza, os relativistas e os idealistas criteriológicos e, finalmente, os agnosticistas, que não conseguem evadir-se da esfera do ceticismo por mais que o tentem.

A palavra skeptizomai em grego significa investigar, e skeptikoi chamavam as questões através das quais se inquiria algo sobre a verdade. Os filósofos gregos que se dedicavam a tais estudos e que terminaram por negar validez ao nosso conhecimento ou, pelo menos, pôr dúvidas sobre o mesmo, passaram a ser chamados de céticos, e ceticismo foi o nome que se deu à sua posição filosófica. Em suma, pode-se considerar como cética toda posição que põe em dúvida total ou parcial, o conhecimento humano. O ceticismo é universal quando duvida totalmente de nosso conhecimento, e é parcial quando nega a possibilidade de se alcançar a verdade em determinadas regiões do conhecimento humano.

Tomaram essa posição os eleáticos que eram monistas metafísicos no tocante ao conhecimento da mutação e do múltiplo por eles negado. Entre os atomistas Demócrito afirmava que nada sabemos; Protágoras afirmava que todo nosso conhecimento era relativo às nossas condições e aos nossos esquemas; Górgias   chegava a negar o ser e também Hípias, Polys, Cálicles. Esses céticos gregos tiveram contra si a oposição de Sócrates, Aristóteles, etc. Depois de Sócrates surgiram a escola cética de Pirro e Timo, Arcesilau e Carnéades, Enesidemo até o grande codificador do ceticismo, Sexto Empírico. A seguir em ordem cronológica: Montaigne, Charron, Francisco Sanchez, Huet, Pascal  , Lamennais, Bayle, Hume  , Nietzsche  , Dilthey  , Spengler   e vários outros filósofos.

Pode-se rebater o ceticismo englobadamente, seguindo estes argumentos. Em primeiro lugar a leitura da obra dos céticos revela que todos eles admitem que podemos conhecer alguma coisa, o que não o admite o ceticismo universal. E este seria a afirmação de que alguma coisa sabemos de verdadeiro, a posição cética, o que refutaria a si mesma,. O ceticismo, de qualquer modo, não pode impedir sua queda, na contradição, porque tem de fatalmente admitir como certa a sua posição, o que a refuta de qualquer maneira. Por outro lado, quando os céticos se fundam no conhecimento parcial para afirmar que todo conhecimento é falso, cometem um lamentável engano, como vimos. Um conhecimento parcial não é necessariamente falso, mas pode ser verdadeiro segundo o seu âmbito.

Os argumentos que os céticos apresentaram para justificar a sua posição. Para alguns nossos sentidos nos levam ao erro. A resposta é simples: sim, levam-nos ao erro, mas não sempre. Nossa razão erra muitas vezes, afirmam. Erra, não por necessidade, mas por acidente, responde-se. Vemos os homens pronunciarem sentenças opostas, não se entenderem entre si. Responde-se: quando se trata de questões que não são de per si evidentes. A razão humana é falível, proclamam. Responde-se, não em tudo; apenas em algumas coisas. O nosso intelecto erra invencivelmente, erra por deficiência do operador. O ceticismo é irrefutável porque não se pode demonstrar contra ele, pois não estabelece nenhum princípio, afirmam os seus defensores. Não se pode fazer uma demonstração positiva e direta contra ele, admite-se, mas pode-se fazer negativa e indireta. [MFS]

LÉXICO: ceticismo