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predicado

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

A oposição entre sujeito e objeto dentro da frase ["o homem lava o carro"] é superada pelo predicado. O predicado estabelece o “Sachverhalt” entre sujeito e objeto. O predicado ocupa, portanto, a posição central dentro do projeto que é a frase. A própria palavra “predicado” exige uma investigação ontológica paciente que ultrapassa de longe o escopo deste livro. Surgiu da palavra “dizer” e tem parentesco próximo com as palavras “predizer” (isto é profetizar) e “prédica”.

É uma palavra intimamente ligada a todos os problemas ontológicos que se agrupam ao redor das palavras “dizer”, “falar” e “língua”. A consideração do predicado nos conduz ao próprio âmago da língua. Sujeito e objeto são os horizontes da frase, portanto da língua, mas o predicado é o centro, a essência da frase, portanto da língua. Embora estejamos condenados, pela estrutura da língua, a uma ontologia tríplice (sujeito, objeto, predicado), cabe ao predicado uma importância ontológica primordial. Consideremos o predicado.

O predicado, no nosso exemplo “lava” [na frase "o homem lava o carro"], esforça-se para unir, dentro da frase, o sujeito com o objeto num “Sachverhalt”, isto é, esforça-se para integrar o sujeito e o objeto na estrutura da realidade. Trata-se, entretanto, de um esforço por definição absurdo. O sujeito e o objeto não são integráveis na estrutura da realidade. Exemplifiquemos esse absurdo: “O homem” é real porque “lava”, é portanto real somente conquanto “lava”. O “carro” é real porque “o homem o lava”, portanto somente conquanto “o homem o lava”. A realidade [54] do “homem” e do “carro” está no “lava”. “O homem” é o lado subjetivo, “o carro”, o lado objetivo da realidade que é o predicado “lava”. Entretanto “o homem” e “o carro” transcendem a realidade que é o predicado “lava”. Podemos verificar essa transcendência estabelecendo um outro “Sachverhalt” entre o mesmo sujeito e o mesmo objeto, isto é, predicando um outro predicado, por exemplo “o homem guia o carro”. Agora o mesmo “homem” e o mesmo “carro” se realizam numa realidade diferente, que é o predicado “guia”. O que nos autoriza a dizer que se trata nessas duas realidades do “mesmo” sujeito e objeto? Eis uma pergunta típica e “eterna” da filosofia clássica e que tem dado origem à inúmeras metafísicas e epistemologias. Entretanto, dentro do presente contexto, a resposta é simples e nada tem de misterioso. E uma pergunta puramente formal e diz respeito à sintaxe da língua que estamos pensando. Estamos autorizados a falar em “mesmo” sujeito e “mesmo” objeto porque em ambas as frases servem as mesmas palavras de sujeito e objeto. Resumindo, podemos dizer que o sujeito e o objeto, por poderem participar de diferentes “Sachverhalte,” transcendem todos eles. E mais, já que o sujeito e o objeto podem participar de inúmeros “Sachverhalte,” transcendem inúmeros “Sachverhalte A realidade é o conjunto dos “Sachverhalte” isto é, o conjunto das frases. Portanto podemos dizer que o sujeito e o objeto transcendem a realidade, embora participando de inúmeros “Sachverhalte.” A realidade dos “Sachverhalte” está nos seus predicados.

[55] A filosofia clássica conhece o conceito do “pensar predicativo”. Reconhece a limitação do intelecto de poder “captar” (erfassen) somente os predicados de um sujeito, e jamais o próprio sujeito. Como não coloca, entretanto, o problema dentro do contexto gramatical, perde-se a filosofia clássica em especulações estéreis. A limitação do intelecto é dada pela estrutura da língua, nesse caso específico da estrutura da frase em línguas flexionais. Essa estrutura, sendo tal qual é, resume-se à realidade de cada “Sachverhalt” no predicado de cada frase. Estritamente falando, podemos dizer, portanto, que a realidade é a soma dos predicados de todas as frases articuláveis. [FLUSSER  , Vilém. Da dúvida. São Paulo: É Realizações, 2018, p. 53-55]

LÉXICO: predicado