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intuição

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

As duas fontes do uso atual do termo intuição, cartesiana e kantiana, introduzem na acepção da palavra duas tendências que ou se combinam ou dissociam, consoante os casos: a primeira é a ideia de evidência, de plena clareza intelectual (cf. videri, intueri); a segunda é a de apresentação concreta, de realidade atualmente dada. Ao passo que a primeira não contém nem admite qualquer inferência, a segunda não se opõe necessariamente ao uso do raciocínio: há um modo de aplicação dos princípios inseparavelmente incorporados nas coisas sobre as quais se raciocina e que constitui um raciocínio intuitivo. [...]

Por outro lado, e pelas mesmas razões, a palavra intuição serve frequentemente para designar simultaneamente a visão concreta das coisas (na medida em que se opõe a abstração) e a penetração com que se sente ou se adivinha o que nelas não é aparente. [...]

A acepção mais original desta palavra, aquela em que não pode ser substituída por qualquer outra, é o sentido de visão imediata e atual, apresentando as mesmas características que o conhecimento sensível, e por isso propomos que só seja autorizada nesta acepção; e nos outros casos sirvamo-nos tanto quanto possível dos termos evidência, instinto, divinação, etc.. (André Lalande   (philosophe), Vocabulaire Technique et Critique de la Philosophie, 5.a ed., pp. 525-526.)


Além do conhecimento discursivo, da dedução e da indução, apresenta-se também a intuição como forma de conhecimento, tanto em ciência quanto em filosofia. Ao contrário do discurso, que consiste em "correr", ou "discorrer", de um conhecimento para outro, conhecendo umas coisas "por meio" de outras, o método intuitivo consistiria em apreender as coisas de modo direto ou imediato, sem a mediação de outras. O exemplo que geralmente se apresenta de conhecimento intuitivo é a percepção sensível e a apreensão dos princípios evidentes, bem como dos vínculos lógicos que, no raciocínio, legitimam a passagem de umas proposições para outras.

Para não falar na intuição como pressentimento, iluminação súbita, etc. mas considerando apenas a percepção sensível, é fácil verificar que o conhecimento jamais pode ser intuitivo, quer dizer, imediato ou direto, pois qualquer percepção, por mais rápida que seja, transcorre no tempo, e a persistência do objeto no campo da sensibilidade e da consciência implica sempre a memória que, consequentemente, "mediatiza" a percepção que, à primeira vista, poderia parecer imediata. Se, ao ouvir a pessoa com quem fala o interlocutor se esquecesse do que diz à medida que fala, não ouviria coisa alguma e não teria percepção auditiva. Se ouve a última sílaba da palavra é porque conserva a lembrança das anteriores que permite ouvi-la como última. A intuição só seria possível na hipótese de uma consciência eterna e imóvel que contemplasse objetos eternos e também imóveis. Todavia, a única consciência de que se tem a experiência é a consciência humana que, por ser situada e datada, é essencialmente temporal e histórica e, portanto, só pode conhecer as coisas discursiva e não intuitivamente. [Roland Corbisier  , «Enciclopédia Filosófica»]


Do mesmo modo, a finitude do entendimento não é uma afirmação doutrinal, nem mesmo um simples conceito, mas ela refere-se ao próprio aparecer designando-o com propriedade, uma vez que esse aparecer, todavia, identifica-se com o entendimento e nele reside. É o próprio ver transcendental, ou melhor, é o seu fundamento, o horizonte de visibilidade aberto pela ek-stasis e na luz da qual avança o olhar do ver, é o espaço puro da fenomenalidade extática que é finita. Todo o método de Descartes  , na medida em que é o cumprimento do intueri e se confia a ele e à sua luz, à luz da Sapientia e da scientia universalis, da bona mens, do intellectus, à luz natural da razão, não é nada mais que a descrição das condições às quais se furta e dos avatares nos quais se perde o dito entendimento, porquanto seu olhar se move no interior de um horizonte essencialmente finito. É a finitude desse horizonte que constrange a intuição – o ver, o intueri – a não perceber nele senão uma coisa de cada vez, de tal maneira que a concentração da luz sobre essa coisa na qual ela se dá, então, na evidência e na claridade de um conhecimento verdadeiro implique o encobrimento de tudo o que não é ela. É manifesto, então, que um tal ver, apesar de sua acuidade e de sua intensidade ou por causa deles, seja identicamente e mais ainda um não ver – de tal modo que tudo o que não é visto nele se apresente, desde então, ao conhecimento como o objeto de uma busca indefinida. É essa finitude principial da manifestação ekstática que o método cartesiano se esforça sub-repticiamente por exorcizar, quando se esforça em estender, pouco a pouco, o reino dessa luz, quando passa de uma intuição a uma outra e a uma outra ainda, quando afirma que a passagem, longe de introduzir uma descontinuidade no processo de conhecimento, é ela mesmo uma intuição, quando recomenda, enfim, em presença de uma cadeia de intuições, percorrê-las tão frequentemente e tão rapidamente quanto o espírito desliza de uma à outra e quanto parecem todas, no fim, comporem unicamente uma intuição, à qual a dedução também seria reduzida. [MHPsique:78]
LÉXICO: intuição

HEIDEGGER: Anschauen / Anschauung / intuition / intuição / intuición