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análise

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

Kant   combina dois sentidos de análise em sua obra, um derivado da geometria grega, o outro da física   e química modernas. Ambos permanecem próximos do sentido grego original de “soltar”, “desatar” ou “liberar”, mas cada um envereda por caminhos diferentes. O primeiro procede “lematicamente” [isto é, de acordo com um lema, Lehnsätze]: parte-se do pressuposto de que uma proposição é verdadeira e procura-se uma outra verdade conhecida, da qual essa proposição possa ser deduzida. O segundo procede decompondo totalidades complexas em seus elementos.

Diógenes Laércio menciona que Platão   foi “o primeiro a explicar a Leodâmos de Tasos o método de solucionar problemas por análise” (1925, vol.i, p.299). Que isso não se refere ao método platônico geral de divisão é sublinhado por Proclo   em seu Comentário sobre o primeiro livro dos elementos de Euclides  , no qual a análise é apresentada como um método de investigação por meio de lemas (Proclo, 1970, p. 165). Esse método de análise geométrica é apresentado com extrema clareza por Arnauld em A arte de pensar: os geômetras, quando se defrontam com um problema a solucionar, concedem a verdade da proposição e examinam as consequências desse pressuposto. Concluem que o que foi pressuposto é de fato verdadeiro se, no decorrer de seu exame, chegam a alguma verdade clara, da qual o pressuposto pode ser inferido como consequência necessária (Arnauld, 1662, p.308). A seguir à descoberta da “verdade clara”, a prova da proposição pode ser então sinteticamente reconstruída.

O método de análise geométrica específico atribuído a Platão teve um paralelo na explicação de natureza mais geral proveniente da física aristotélica. Em Da geração e da decomposição, Aristóteles descreve uma “análise” (a qual atribui também a Platão) que se desenrola de complexos para os seus elementos: “ele transporta sua análise dos ‘elementos’ - ainda que sejam sólidos - de volta aos ‘planos’” (Aristóteles, 1941, 329a, 24). A tradição aristotélica enfatizou esse modo de análise, usando-o para justificar a passagem da física para a metafísica. Santo Tomás de Aquino  , por exemplo, descreveu “o fim último da análise” como a “aquisição das mais elevadas e mais simples causas, as quais são as substâncias separadas” ou, por outras palavras, “a observação atenta [consideratio] do ser e as propriedades do ser como ser” (Santo Tomás de Aquino, 1986, p.72). Também neste caso a análise é contrastada com a síntese, procedendo a análise dos “efeitos para as causas”, a síntese das “causas para os efeitos”.

Descartes   parece sugerir uma combinação dos sentidos geométrico e redutor de análise na “Resposta à segunda objeção”. Escreve ele: “A análise mostra o verdadeiro caminho, pelo qual uma coisa foi metodicamente descoberta [análise geométrica] e derivada, como se fosse o efeito da causa [análise física]” (Descartes, 1968, vol.Il, p.48). Ele também sugeriu que os antigos ocultaram seu método de análise por detrás de sua apresentação sintética em termos de axiomas, postulados e definições. Diferentemente de Santo Tomás de Aquino e da herança escolástica, Descartes não viu nenhuma transição fácil entre a análise da física e a metafísica. As “noções primárias” desta última são “desmentidas” pelos sentidos e, portanto, só podem ser analisadas e não receber uma apresentação sintética. Descartes comenta: “Por isso é que a minha obra adotou a forma de Meditações em vez de Disputas Filosóficas ou dos teoremas e problemas de um geômetra”, embora tenha-se provado que ele foi incoerente sobre esse ponto.
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O termo análise tem sido amplamente empregado no século XX e, com frequência, foi ilegitimamente remetido de volta a Kant. A maior parte do uso contemporâneo, citando Wittgenstein  , “oscila entre ciência natural e gramática” (Wittgenstein, 1953, §392) e esquece quase sempre o método geométrico de análise empregado por Kant. Freud  , por exemplo, embora relacionando analogicamente o seu uso de “análise” com a química, está como Kant em busca de “qualidades” clarificadas e suas “relações determinadas”: “Sublinhamos para o paciente esses motivos pulsionais, que estão presentes em seus sintomas e dos quais ele não tinha até então consciência - tal como um químico isola a substância fundamental, o ‘elemento’ químico retirado do sal em que estivera combinado com outros elementos” (Laplanche e Pontalis, 1973, p.368). O influente programa de Wittgenstein de “investigação gramatical” analisa formas de expressão através de um processo “como o de desmanchar uma coisa” (Wittgenstein, 1953, §90), se bem que, diversamente de Kant e Freud, ele não esteja em busca de “qualidades” ou “sais” analógicos mas contenta-se em afirmar determinadas relações. A análise matemática, entretanto (isto é, o estudo das propriedades de funções contínuas), tem pouco a ver com Kant e traça a sua genealogia a partir da geometria de Descartes e do desenvolvimento do cálculo infinitesimal. [DicKant]


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