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metafísica

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

metaphysika, τὰ μετὰ τὰ φυσικά. Plural neutro de metaphysikós: metafísica. Latim: metaphysica. Termo nunca empregado pelos autores gregos, pois data do filósofo árabe Averróis   (século XII). É contração de meta tà physiká,"o que vem depois da Física (physiká também é um adjetivo plural neutro, subentendido: "os livros")" (de Aristóteles), denominação dada por Andrônico de Rodes, no século I a.C., às diversas obras de filosofia primeira de Aristóteles, na primeira edição do Corpus aristotelicum, ou conjunto das obras que nos restaram de Aristóteles entre as numerosas obras perdidas. [Gobry  ]


A palavra “metafísica” é, ao mesmo tempo, antiga e recente. Andrônico de Rodes a criou, menos de meio século antes da era cristã, para designar o bloco de 14 livros do corpus aristotélico que gozavam de certa unidade de objeto, mas sem título comum, a não ser algumas sugestões no próprio texto, em que, por exemplo, Aristóteles falava de “ciência primeira” ou de “teologia” (Metafísica VI 1). Esses livros vinham logo depois (tal é a significação da palavra grega meta) dos 8 livros da Física. Daí seu título, aparentemente ocasional, mas que pode também indicar o conteúdo específico do livro XII, em que Aristóteles fala da “substância eterna imóvel”, isto é, Deus, meditado “depois” da reflexão sobre a substância em geral; e, nesse caso, a metafísica torna-se “teologia”. Esses 14 livros só foram traduzidos para o latim e conhecidos no Ocidente por volta da metade do século XIII e foram objetos de sábios comentários, em particular o de Santo Tomás. A palavra “metafísica” chegou, pois, tardiamente na tradição intelectual ocidental, trazendo consigo a ambiguidade de seu título. Na origem, significava uma série de textos de Aristóteles que tratavam 1) do princípio primeiro (a filosofia primeira), 2) de uma forma englobante (a futura ontologia), ou, 3) de um ente primeiro, Deus (a teologia). A mesma palavra designou mais tarde um tratado específico de filosofia e não um comentário do Estagirita, quando Francisco Suárez publicou suas Disputationes metaphysicae em 1597, 44 anos antes das Meditações de Descartes  .

No século XVI, a palavra “metafísica” já não tinha a mesma significação dos tempos de Andrônico. A meditação da Idade Média e a crise nominalista do século XIV tinham redesenhado o projeto filosófico, dando-lhe uma intenção mais precisa. Na tradição grega, as causas formais e a causa divina entrecruzavam-se nas causas primeiras. Ao contrário, os modernos tiveram cuidado de diferenciar bem esses níveis. Por isso inventaram, a partir do grego, uma nova palavra, “ontologia”, para designar o discurso (logos) sobre o ente (ontos, genitivo de on) e sobre os princípios formais, e para [10] distinguir esse discurso da “metafísica” ou da meditação sobre os entes que transcendem o mundo físico, tais como a alma e Deus [1]. Christian Wolff também utilizou em 1729 a palavra “ontologia” para nomear sua filosofia dos primeiros princípios, na sua obra: Philosophiae Primae sive Ontologiae Prolegomena. Daí também a primeira questão que se deve pôr todo metafísico, segundo os Prolegômenos a toda a Metafísica Futura de Immanuel Kant   (1783), a de saber sob que condições têm significado as proposições sobre os entes que transcendem o mundo físico, pois admite-se que qualquer conhecimento, para ser sensato, deve implicar a experiência sensível.

A palavra “metafísica” recebeu na história significações sempre mais determinadas. Contudo, na sua origem, indicava um projeto especulativo único, que se realizava ou acentuando a universalidade da forma lógica (a ontologia de Wolff), ou a transcendência de um ente particular (a metafísica segundo Kant). O projeto da ontologia ou da metafísica corresponde, de qualquer modo, a uma exigência constante do espírito humano. Trata-se de fundar nossas experiências, unificando-as, ou numa forma única (a ontologia e o ente) ou sob um ente primeiro, ou ainda no que poderia unificar a ontologia e a teologia (a filosofia primeira). A inteligência humana fracassa se não encontrar algum princípio capaz de coordenar todos os seus pensamentos e todas as suas experiências. [PGMeta:10-11]


LÉXICO: metafisica; metaphysika

Observações

[1A palavra “ontologia” foi forjada por Goclênio, teólogo reformado, em seu Lexicon Philosophicum, publicado em 1613, pouco depois das Disputationes metaphysicae de Suarez (cf. J.-F. Courtine, Suarez et le Système de la métaphysique, pp. 405-457).