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mundo sensível

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

Do mundo sensível, através da “segunda navegação”, ascendemos ao mundo inteligível, que representa a “verdadeira causa” do mundo sensível. Ora, compreendida a estrutura do mundo inteligível, é possível compreender melhor a gênese e a estrutura do mundo sensível. Assim como o mundo inteligível deriva do Um, que desempenha a função de princípio formal, e da Díade indeterminada, que funciona como princípio material (inteligível), também o mundo físico deriva das Ideias, que funcionam como princípio formal, e de um princípio material, sensível, ou seja, de um princípio ilimitado e indeterminado de caráter físico.

Mas enquanto, na esfera do inteligível, o Um age sobre a Díade indeterminada sem necessidade de mediadores, porque ambos os princípios são de natureza inteligível, o mesmo não acontece na esfera do sensível. A matéria ou receptáculo sensível, que Platão denomina “chora” (espacialidade), apenas “participa de modo obscuro do inteligível”, permanecendo à mercê de um movimento informe e caótico. Como é possível, então, que as Ideias inteligíveis possam agir sobre o receptáculo sensível para que, do caos, surja o cosmo sensível?

A resposta de Platão é a seguinte: existe um Demiurgo, um Deus-artífice, um Deus que pensa e quer (e que, portanto, é pessoal), o qual, assumindo como “modelo” o mundo das Ideias, plasmou a “chora”, ou seja, o receptáculo sensível, segundo esse “modelo”, gerando dessa forma o cosmos físico.

O esquema segundo o qual Platão trabalha para explicar o mundo sensível é, portanto, absolutamente claro: há um modelo (o mundo ideal), existe uma cópia (o mundo sensível) e existe um Artífice, que produziu a cópia servindo-se de modelo. O mundo do inteligível (o modelo) é eterno, como eterno é também o Artífice (a inteligência). O mundo sensível, ao contrário, construído pelo Artífice, nasceu, isto é, foi gerado, no sentido verdadeiro do termo, como podemos ler no Timeu  : “Ele nasceu porque pode-se vê-lo e tocá-lo, pois ele tem corpo e tais coisas são todas sensíveis; e as coisas sensíveis (...) estão sujeitas a processos de geração e são geradas.”

Mas por que o Demiurgo quis gerar o mundo? A resposta de Platão é a seguinte: o Artífice divino gerou o mundo por “bondade” e por amor ao bem. Eis o texto que contém a resposta, considerada durante séculos como um dos vértices do pensamento filosófico: “Dizemos, portanto, a razão pela qual o Artífice fez a geração e este universo: ele era bom e, em quem é bom, nenhuma inveja pode nascer por nada. Imune, portanto, à inveja, quis que todas as coisas se tomassem ao máximo semelhantes a ele. Se alguém aceita esta razão apresentada pelos homens prudentes como o motivo principal da geração do universo, age muito corretamente. De fato, querendo que todas as coisas fossem boas e, na medida do possível, não fossem más, Deus tomou tudo quanto havia de visível, que não se encontrava calmo, mas se agitava de forma desordenada, e o fez passar da desordem para a ordem, acreditando que isso era muito melhor do que aquilo que antes acontecia. Ora, não é lícito ao ótimo fazer senão a coisa mais bela; jamais aconteceu o contrário. Pensando, portanto, achou que, dentre as coisas naturalmente visíveis, consideradas em sua inteireza, nenhuma, enquanto destituída de inteligência, podería ser mais bela do que outra dotada de inteligência. E achou que seria impossível que alguma coisa possuísse inteligência sem alma. Com base nesse raciocínio, integrando a inteligência à alma e a alma ao corpo, contruíu o universo com a finalidade de que a obra por ele realizada fosse por natureza a mais bela e a melhor possível. Assim, fundamentados na probabilidade desse raciocínio, podemos dizer que este mundo é verdadeiramente um animal animado e inteligente gerado pela providência de Deus.”

O Demiurgo, portanto, realizou a obra mais bela possível animado pelo desejo do bem: o mal e o negativo que permanecem neste mundo derivam da margem de irredutibilidade da “espacialidade caótica” (isto é, da matéria sensível) ao inteligível, do irracional ao racional.

O trecho acima citado mostra claramente que Platão concebe o mundo como vivo e inteligente. Tal concepção deriva do fato de que ele o concebe como perfeito e de que, para ele, o ser vivo e inteligente é mais perfeito do que o não vivo e não inteligente. Consequentemente, o Demiurgo dotou o mundo, além de um corpo perfeito, também de uma alma e de uma inteligência perfeitas. Assim, criou a alma do mundo, valendo-se de três princípios: a essência, o idêntico e o diferente. E uniu a alma ao corpo do mundo. O mundo, portanto, é uma espécie de “deus visível”, como “deuses visíveis” são as estrelas e os astros. E, como é perfeitamente construída, essa obra do Demiurgo não está sujeita à corrupção. Assim, o mundo surgiu, mas não perecerá jamais.

Um ponto ainda merece destaque. O mundo inteligível situa-se na dimensão do eterno, que se configura como um “é” imóvel, sem o “era” e sem o “será”. Já o mundo sensível, ao contrário, coloca-se na dimensão do tempo. E o que é o tempo? A resposta de Platão consiste em conceber o tempo como “a imagem móvel do eterno”, como uma espécie de desenvolvimento do “é” através do “era” e do “será”. E esse desenvolvimento implica estruturalmente geração e movimento. O tempo, por conseguinte, nasceu “juntamente com o céu”, ou seja, com a geração do cosmos. Isso significa que “antes” da geração do mundo não existia o tempo, tendo ele começado com o mundo.

O mundo sensível, assim, se torna “cosmos”, ordem perfeita, porque assinala o triunfo do inteligível sobre a necessidade cega da matéria, por obra da inteligência do Demiurgo: “Após ter completado inteiramente estas coisas com exatidão, até onde lhe permitia a natureza da necessidade (isto é, da matéria) espontânea ou persuadida, Deus introduziu em tudo proporção e harmonia.” A antiga concepção pitagórica do “cosmos” é levada por Platão às suas últimas consequências. [REALE-HF1]