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perfeição

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

Perfeição/realização

I. Enquanto a noção de realização ou perfeição é compreendida processualmente, isto é, como a realização gradualmente completa do ser (próprio) no sentido de uma perfectibilidade ontológica, a aplicação desse conceito em Platão é necessariamente restrita ao mundo dos objetos sensíveis: as ideias são o ser em medida total (teleôs on, Rep.   597a; cf. também Rcp. 477a: pantelôs on), que não está sujeito a modificação alguma (Fedro   78c). Na gradação da ontologia platônica (ver graus do ser; cf. Vlastos 1965), elas também são, coerentemente, um ser de realidade maior (mallon onta) do que os objetos sensíveis (Rep. 515d), que, por sua vez, assumem uma posição intermediária (metaxu) entre o ser verdadeiro e o não-ser. Esse déficit de ser ou perfeição em relação às ideias como paradigmas perfeitos, fundamentado na necessária imperfeição da relação de cópia (Crát. 432b-c), abre para o mundus sensibilis um potencial de perfectibilidade: as coisas espacio-temporais anseiam por ser como as ideias, participar nelas (Féd.   74e-75b) e, portanto, as imitam tanto quanto possível (ver participação). Essa relação mimética ou o empenho por uma ampla assemelhação às ideias são uma expressão da necessidade que as coisas sensíveis têm de realização do ser verdadeiro e de perfeição, e o homem é, em última análise, “um caso especial dessa relação ontológica geral” (Van Ackeren 2003, p. 164).

O movimento da perfeição humana é concebido aqui como “assemelhação a Deus” (homoiôsis theô, Teet. 176a-b), que, já segundo inúmeros testemunhos antigos (entre outros, de Ario Dídimo, Albino  , Clemente de Alexandria   e Diógenes Laércio), constitui o objetivo ou o fim (telos) da vida humana de acordo com Platão. O caminho para esse objetivo pode ser descrito como uma aproximação progressiva ao ser das ideias por meio do exercício da filosofia, que se exprime tanto no conhecimento teórico quanto na condução da vida prática. Como a alma humana é aparentada em essência com as ideias (syngenês, Féd. 79d), ela é capaz — de acordo com o axioma de que o igual só pode ser conhecido pelo igual — de avançar rumo ao conhecimento delas. Assim, Platão descreve em Banq. 210a-211c uma ascensão bastante graduada, guiada pela educação filosófica, até a ideia do belo (ver beleza). Esse modelo concebido anagogicamente (cf. também o percurso da educação filosófica descrito no Livro VII da República) encontra seu término no fato de que alguém, na contemplação das ideias, “quase toca o fim” (schedon an ti haptoito tou telous, Banq. 211b), e essa restrição é totalmente programática para Platão: o filósofo, que olha para coisas bem-ordenadas e sempre iguais a si mesmas, mimeticamente se comporta de maneira ordenada e regulada, torna-se justamente “divino na medida em que isso é possível ao homem” (Rep. 500c-d; cf. também Teet. 176b: kata to dynaton). A imitação nos movimentos da alma humana da harmonia divina que se exprime nos cosmos possibilita ao homem, na estrutura de sua natureza, participar da imortalidade do mundo das ideias (Tim. 90a-d) e, por meio disso, realizar a determinação de sua essência própria. Por isso, a alma humana preenchida pelas ideias é, segundo Platão, sempre mais real que as outras coisas (Rep. 585d): portanto, a busca do filósofo pelo conhecimento do ser (Rep. 485a-b) mostra-se, em última análise, como um empenho pelo aperfeiçoamento de seu ser próprio, que, entretanto, necessariamente fica sempre aquém do ser perfeito das ideias divinas. [SHÄFER]