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quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

Pensamento (noêsis, dianoia, doxai)

A estrita correspondência, característica de Platão, entre as gradações dos tipos de cognição e seus campos de objetos é especialmente ilustrada pelo símile da linha, imediatamente posterior ao símile do Sol na República   (509d-511e): se dividimos uma linha em segmentos desiguais, o segmento inferior (A) deve representar o campo do visível (horaton — do sensível, de modo mais geral) com o Sol como “soberano”, e o segmento superior (N) o campo do noêton — que está num plano mais alto, segundo o critério da verdade (alêtheia) e da clareza (saphêneia) —, governado pela ideia do bem. Se novamente dividimos esses dois segmentos segundo a proporção da divisão original, então obtemos no segmento do visível o subsegmento (Al) dos objetos sensíveis (seres vivos, plantas, artefatos [510a]; ver percepção sensorial) e o (A2) de suas imagens (eikones — sombras e reflexos e coisas similares); e no segmento do noêton obtemos como subsegmento inferior (N2) o da matemática e, como superior, o da dialética (N1). Se o noêton se referisse apenas ao “pensável”, então cabería perguntar por que não há interseção entre A e N, pois intuitivamente nada parece contradizer que objetos sensíveis no sentido de Al e A2 também podem ser objetos do pensamento. Além disso, as quatro seções da linha se coordenam com os seguintes tipos de cognição ou “estados (pathêmata, 511) na alma”: N1: noêsis, N2: dianoia (ver abaixo), Al: pistis (crença), A2: eikasia (conjectura) — na retomada em 533e-534a há, altemativamente, N1: epistêmê (saber) e, sinteticamente, N1 + N2 = N: noêsis e Al + A2 = A: doxa (opinião). A “opinião” (doxa) não pode ser um resultado apenas da percepção, mas sim do pensamento no sentido habitual, de modo que noêsis, considerando a disjunção de N (noêsis) e A (doxa), não pode ser simplesmente expressa como “pensamento”, nem noêton pura e simplesmente como “pensável”. Como, além disso, o saber — epistêmê pertence a N, o verbo noein subjacente a noêton deve ser mais provavelmente traduzido, não em seu significado de activity mas de achievement, como compreender, conceber, ver pelo pensamento, enquanto noêton seria mais bem traduzido como o convencional “inteligível”. No entanto, a estrita divisão entre A e N ainda carece de explicação. Pois por que opinião e saber não devem ser possíveis sobre a mesma coisa?

Um pouco de clareza é trazida pela diferenciação central (47 5e ss.), subsequente à tese dos reis-filósofos (475e ss.), entre os filósofos caracterizados pelo prazer da visão da verdade e os amantes em geral de espetáculos e da arte (philotheamones). Aí se diz que estes últimos podem, é verdade, apreender belos fenômenos individuais (cores, tons, formas ou tipologias inteiras de tais fenômenos: Gosling 1960), mas não a natureza do belo mesmo, pois eles sonham na medida em que tomam o semelhante à coisa pela coisa mesma (476c) e assim, diferentemente do Filósofo, confundem o belo em si com aquilo que participa dele. Portanto, seu estado cognitivo deve ser caracterizado não como conhecimento (gnômê), mas como opinião, crença (doxa, 476d), pois o conhecimento (e isso é visto como sem necessidade de mais fundamentação) só é possível sobre aquilo que é; e é cognoscível no sentido pleno aquilo que é no sentido pleno (to men pantelôs on pantelôs gnôston), mas o que não é é totalmente incognoscível (mê on de mêdamê pantê agnôston, 477a). Por conseguinte, graus de cognoscibilidade correspondem a graus do ser. Uma vez que isso é apresentado como óbvio, deve-se concluir com Annas (1981, p. 198) que “ser” aqui não pode significar existência nem, veritativamente, ser verdadeiro (assim Fine 1978), pois nem graus da existência nem graus do ser verdadeiro podem ser considerados óbvios. Ao contrário, “ser” deve ser entendido aqui “predicativamente” no sentido de “ser F”, portanto de “determinidade”. É cognoscível, portanto, o que é completa e irrestritamente determinado. Para então diferenciar conhecimento ou saber de opinião, ambos são considerados “faculdades” (dynameis), cuja identidade, diferentemente da das coisas, repousa em dois dados: seu campo de objetos e o efeito que eles operam (eph ’ hô te esti kai ho apergazetai, 477d). O campo de objeto do conhecimento é aquilo que é (ou seja, o que é totalmente determinado), e seu efeito é conhecer como é determinado o que é (epistêmê men epi tô onti pephyke, gnônai hôs esti to on, 477b e 478a); e, ao contrário da opinião falível (me anamartêtô, 477e), ele é infalível (anamartêtos, 477e). Isso não deve ser entendido no sentido trivial de que o saber em geral é verdadeiro, mas de que ele é necessariamente verdadeiro (Annas 1981, p. 199). Então se chega à audaciosa conclusão (478a) de que, em virtude da diferença em relação àquilo de que “são capazes”, o saber e a opinião também têm campos de objetos distintos. O objeto da opinião não é aquilo que absolutamente não é, pois a opinião sempre se dirige a alguma coisa (ho doxazôn epi ti pherei tên doxan, e doxazein men, doxazein de mêden ... adynaton, 478b), tampouco é aquilo que é (a saber, aquilo que é totalmente determinado), ou seja, o objeto do saber; ele deve ocupar, antes, um estado intermediário entre ser (como ser determinado) e não-ser (como ser indeterminado) (478d). E os “juízos estéticos” do philotheamones são caracterizados justamente por esse estado intermediário, motivo pelo qual eles constituem instâncias de doxa (479a ss.).

Essa posição, inicialmente pouco plausível, toma-se mais fácil de entender se, seguindo Annas (1981, p. 200), levamos em conta que o saber aqui não deve garantir primariamente uma certeza que exclua dúvida (por assim dizer, cartesiana), mas sim o máximo de compreensão por uma determinação completa de conteúdo: não são motivos adicionais para o tomar-por-verdadeiro que provocam a transição da opinião para o saber, mas um acréscimo de compreensão e esclarecimento por uma inserção no contexto total do que já é conhecido. O âmbito da opinião, ao contrário, é a coisa episodicamente isolada do mundo fenomênico, em que determinações como “belo”, “justo”, “pio”, assim como “duplo”, “grande”, “leve” existem sempre na copresença de suas contrapartes opostas: “feio”, “injusto”, “ímpio”, “meio”, “pequeno”, “pesado” (479a-b). (Uma bela virgem é bela entre as mortais, mas feia em comparação com as deusas: Híp. maior 289b.) Por causa da diferença aspectual da atribuição de determinações contrárias, aqui naturalmente não se viola o princípio da contradição que Platão também reconhece para o mundo fenomênico (Rep. 436b). Nenhuma determinação ocorre aqui “puramente” (eilikrinôs, 477a), como é “em si”, “ela própria” e “exclusivamente” (no sentido da fórmula das ideias auto kaht’ auto ho estin); no entanto, apenas esse modo de existência como “ideia” (479a) garante a infalibilidade ou verdade necessárias para o saber — em todo caso, para aquelas determinações para as quais há opostos.

A peculiar gradação (que não reaparece fora da República) de noêsis/epistêmê (N1) para dianoia (N2) no símile da linha concerne primariamente a aspectos metodológicos do acréscimo cognitivo e não, ou em todo caso não explicitamente, ao status ontológico do respectivo campo de objetos. O procedimento da matemática, pertencente a N2, é (especialmente no caso da geometria) caracterizado (i) pelo uso de figuras perceptíveis, atribuídas ao segmento Al, (ii) pelo emprego de “hipóteses” não comprovadas (hypotheseis), (iii) por raciocínios “descendentes”, essencialmente dedutivos (510b). Por causa de (i), cria-se um abismo entre os objetos eidéticos realmente intencionados pelos matemáticos — por exemplo, o quadrado em si (tetragônou autou, 510d) e o diâmetro em si (diametrou autês, 510d) — e os diagramas visíveis, dos quais se fala explicitamente, na tentativa falha de querer ver aquilo que se pode apreender apenas pelo pensamento (511a). Isso (podemos acrescentar) induz (ii) a contar com pretensas evidências (hôspanti phanera, 510d) em vez de análises conceituais e empregar, sem justificação (510c), hipóteses não examinadas (akinêtous, 533c), que são então (iii) aplicáveis como “inícios” aparentemente não problemáticos (archas, 511b, ek toutôn archomenoi, 510d; ver princípio) para deduções consistentes (teleutôsin homologoumenôs, 510d), que, porém, não garantem saber algum, pois os pontos de partida hipotéticos não representam saber algum (533c). De acordo com isso, o status cognitivo da dianoia ligado à matemática seria uma coisa intermediária entre doxa e noesis/nus (511d), pois ela sem dúvida tem um campo de objeto virtualmente acessível ao saber, mas não alcança um saber real. Em contraposição a isso, o “movimento dialético” (533c) da nôesis permanece sempre no âmbito do ser eidético e explicita todas as suas hipóteses, para, num movimento ascendente (certamente não dedutivo), “alçá-las” a um início verdadeiro e sem pressupostos (mechri tou anhypothetou epi tên tou pantos archên, 511b), isto é, para despi-las de seu status de hipótese (tas hypotheseis anhairousa, 533c) — e aqui devemos pensar numa clarificação conceitual como derivação “proposicional”. Por trás disso poderia estar a concepção de que quando se encontrou para a ideia do bem — diferentemente do que ocorre nas imagens e nos símiles da República — uma determinação que satisfaz seu intuitivo critério de adequação, universalmente aceito, de ser quintessência daquilo que é buscado por causa de si mesmo (505d_s.), então ao mesmo tempo se desvelou o fundamento de uma autojustificação da dialética (no que é intrinsecamente bom termina a justificação — logon didonai) — aqui, contudo, permanece obscuro o status de uma matemática dialeticamente “alçada” a esse fundamento (a tentativa de esclarecimento de Kràmer [1997, p. 196 ss.] talvez seja a mais promissora a esse respeito). [SHÄFER]