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mal

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

Mal/mau/ruim, o (kakon)

Platão não apresentou uma “teoria” do mal, mas se dedicou ao fenômeno do mal em diferentes passagens de seus diálogos de uma maneira bastante desconcertante para seus seguidores filosóficos imediatos.

I. O argumento da ignorância e da perturbação da harmonia: aquelas que são provavelmente as primeiríssimas asserções na obra platônica sobre o mal originam-se no viver cotidiano e no fazer do dia a dia. Platão segue aí evidentemente a pergunta socrática pelas “coisas humanas”, pela medida de ação concreta e pelo que, como diz Sócrates (Fedro   230a), ensina a convivência dos homens, em oposição ao olhar que se abre vastamente para a totalidade cósmica do evento do mundo. O interesse de Platão volta-se, portanto, num primeiro passo, para o mal moral e, em segundo lugar, para o mal natural ou físico concreto, portanto aqueles males que podem ser experienciados diretamente e cuja “gênese” pode ser compreendida. Sua tentativa de resposta ao fenômeno do mal moral também se tornou conhecida sob o lema “intelectualismo ético” e significa fundamentalmente que o mal moral é antecedido por uma falha do conhecimento (ver ERRO/ENGANO), que o condiciona (Apol. 37a; Lísis 216c-220b; Eutid. 278e-282a; Prot. 345d-e; 360b; Górg. 499c; Mên. 78b; Rep.   412e-413a, 589c; Sof. 230a; Tim. 86d-e; Leis 860-864; Carta 7 336b), que, portanto, uma lacuna no saber e — baseado nela — um erro de raciocínio são responsáveis pela má ação, pois nenhum homem faz o mal voluntariamente (como se vê claramente também em Leis 731c). Por isso, em Fil. 48c mal e ignorância (agnoia) são lapidarmente equiparados. Mas a agnoia absolutamente não deve de antemão ser compreendida como um estado básico da existência humana, porém muito mais como distúrbio de um estado básico. Esse distúrbio é interpretado pelos diálogos em várias passagens (Prot. 342b-d; Mên. 87c ss.; Eutid. 278e-282e) — com certeza mais extensamente em algumas passagens célebres da República — como uma desarmonia dos “aspectos da alma” (ver alma), isto é, como movimento de usurpação das faculdades “inferiores” da alma em relação à faculdade superior, propriamente destinada a um status de direção [Rep. 435b-445e, sobretudo 441c-444a). Portanto, inclinações “inferiores” e pulsões anti-intelectuais sufocam ou bloqueiam a faculdade da apreensão intelectual do que se pode reconhecer como bom, e isso faz a alma errar intelectualmente em relação ao conhecimento daquilo que seria correto e, em correspondência com isso, equivocar-se no agir (Leis 689a-d). A “queda” metafísica da alma, pintada na imagem do “carro da alma” em Fedro 247b, serve como metáfora dessa confusão de prioridades na vida da alma. Mas em outras passagens Platão parece querer sugerir que o descrito evento metafísico do destino da alma não deve ser visto por si só como motivo dessa perversão na alma. A motivação para isso seria, antes, o poder sugestivo do físico sobre a orla inferior da alma (Fedro 248a-b). Assim, a constituição física (sômatoiedes) e aspectos “inferiores” da alma se correlacionam facilmente em Platão na causação do mal. Como ocasionador do movimento inferior da alma, simbolizado miticamente pelas tendências do “cavalo mau”, e também como obstáculo do espiritual, do superior, o próprio corpo pode, nessa constelação, ser compreendido como um mal (cf. Rep. 611c). Outros indícios de que e como Platão imagina o corpóreo como obstáculo da ação racional formadora são fornecidos, entre outras, por passagens como Pol. 269d, 273b-c e Tim. 46c ss. A tarefa do homem é, portanto, fugir do físico, por causa de seu potencial danoso, para o espiritual (Féd.   67d). Ao que parece, paralelismos entre a função negativa do somático no homem e o sômatoeides no cosmos são feitos por Platão também no mito do Político (263b-c, em total oposição ao desenho positivo do cosmos em Tim. 56c), e em Rep. 609a, por exemplo, ele diz que o corpóreo é a malignidade própria do cosmos (oikeia kakia), pretendendo assim excluir qualquer corresponsabilidade de todo divino no mal no mundo (Rep. 379a ss., 391e, 617e). Também há, segundo Tim. 68e, dois princípios do ser no mundo, dos quais apenas um, o divino, é julgado bom e, por assim dizer, “endireita” o outro princípio, o “necessário” (anankaion) e o dota de (bom) ser (cf. Tim. 46d-e, 48a). O fato de esse necessário ser equiparável ao princípio físico é associado por diversos autores ao trecho Teet. 176a (Haap 1971, p. 273 ss.; Benz 1990, p. 181 ss.), em que se diz que o bem no mundo deve ter ura oposto necessário, tal como a oposição entre espiritual e físico. [SHÄFER]