Página inicial > Termos e noções > anankê

anankê

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

Liberdade/necessidade (anankê)

A compreensão de liberdade de Platão  , ainda fortemente pautada na POLIS, está sob a tensão entre liberdade política e liberdade interior; esta última se torna cada vez mais dominante na história do platonismo, sob os conceitos, por exemplo, de autexousia ou eph’hêmin, ou pela problemática da relação entre alma e corpo, em que Platão já caracteriza a ALMA como automovimento interno, espontâneo e livre (Fedro   245e). Até a Guerra do Peloponeso, a liberdade era considerada fenômeno grupal, que exigia a entrega livre do indivíduo em favor do todo (Pohlenz 1955, p. 35, 67, 170). O homem livre e nobre prefere a morte à servidão e, ao contrário do escravo, participa das decisões políticas. Em sua obra tardia, Platão ainda se ocupa com a mistura, de orientação espartana, entre liberdade, philia mútua dos cidadãos e condução da vida pela razão (Rep.   576; Leis 698b, 699c), que deixa livre a configuração da vida individual apenas até onde o objetivo do Estado o permite. Intervenções na vida privada são tão necessárias (Leis 780) quanto a liberdade do julgamento politico próprio, que não pode ocorrer ao custo da competência na questão (Leis 700a- 70 le). Tanto o “militarismo” como o “pacifismo” põem em perigo a liberdade da polis (Pol. 307e). Um equilíbrio de liberdade e dependência produz a constituição política mais estável (Carta 8, 354a-355e), enquanto uma liberdade realizada ao extremo decai na anarquia. O homem livre é caracterizado por autodeterminação (autarkia, ver autarquia), autodomínio (enkrateia; Féd.   108a; Fedro 256b), governo da razão (phronêsis), harmonia da alma, ordem e disciplina aristocrática; ele está acima das coisas exteriores, controla seu corpo e seus afetos e se orienta pelo conhecimento do bem. Por isso, a cultura é apenas uma educação para o ideal de liberdade formado pela ligação com a aretê e o agathon; a liberdade deve querer o bem e não pode se separar do telos de uma ordem racional. A liberdade é o princípio do fazer-por-si-só com vistas ao bem, e, essencialmente, querer agir mal significaria abolir a liberdade, criando falta de liberdade (Maurer 1970, p. 184-206). O empenho pelas coisas objetivamente boas, de acordo com a autêntica natureza da alma do homem por si e dentro do Estado, e pela pureza e pelo governo do homem interior pelo saber é considerado um querer realmente livre (Rep. 588a-592a). Por isso, a dialética, como ciência suprema, é também a ciência do homem livre (Sof. 253c). O contraste para esse projeto encontra-se na visão platônica do conceito sofistico de liberdade e democracia: a verdadeira liberdade não consiste nem na amoralidade e na tirania (Górg. 452d), que não mais veem o indivíduo como membro de um todo e suspendem seu vínculo com o contexto do mundo natural e com sua ordem, nem na democracia (Rep. 557b-558c, 562b-563c), cuja identificação entre liberdade e igualdade no lema “viver como se deseja” (zên hôs bouletai tis) só causa hedonismo desenfreado, injustiça, legitimação de poder delegada e indisciplina (akolasia). A avaliação da polis como realidade natural ou como instituição posta pelo homem leva necessariamente a conceitos de liberdade diferentes. [SHÄFER]