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paideia

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

Educação/formação (paideia)

I. Os fundamentos em Platão: o projeto epistemológico de Platão, exemplarmente desenvolvido no símile da caverna [Rep.   514a-518d; cf. HEIDEGGER   1942, p. 25 s.), está estreitamente ligado ao seu programa pedagógico: pois aí se trata em última análise do conhecimento da ideia do bem. O BEM é pensado de modo universal: o aspecto pedagógico tem em seu centro a vida boa, porque bem-sucedida, que se apoia na ação boa e, portanto, exitosa. Ela também resulta no bem na ALMA, que se expressa num estado de alma ordenado. Se o indivíduo conhece a ideia do bem e, portanto, a verdade das coisas pela luz da ideia do bem (cf. Beierwaltes 1957, p. 61-79), ele age bem e despreza o mal. Tem-se então o dever de comunicar aos outros essa ação boa, ensiná-la a eles e guiá-los até ela, ou seja, atuar pedagogicamente. O filósofo, que conheceu a VERDADE, deve inevitavelmente descer à caverna e ensinar o que contemplou, ainda que o seu entorno, a polis, não o entenda e ele até mesmo pague com a vida sua descida (Rep. 517a). A tarefa do filósofo consiste especialmente na periagôgê, o ato de os habitantes da caverna se afastarem das imagens de sombras virando-se para as coisas mesmas (Rep. 515c-d, 518d-519b e 521c). Somente assim eles podem obter conhecimentos e ascender à luz da verdade. A psychês periagôgê (“conversão da alma”, Rep. 521c) condiciona e fundamenta a paideia. A ascensão ao conhecimento em Platão também conduz o homem, inevitavelmente, ao caminho da ação e da vida justas, de modo que só o ganho de conhecimento já tem função pedagógica. Ver o bem significa também praticá-lo (cf. Bai.t.aiiff 1952, p. 41-52, especialmente p. 45-52). Assim, para Platão a paideia não tem inicialmente tanto a ver com educação especificamente de crianças, mas, antes, com a formação do interior do homem, da alma. Diferentemente do caso dos sofistas, para Platão o que está em primeiro plano é menos o valor prático, material (Prot. 318a-319a) do que o valor ideal da educação (Prot. 311a-312b e Górg. 484c-485d). A educação é, de acordo com Platão, uma das tarefas mais importantes do filósofo. É especialmente nesse dever pedagógico do filósofo que se funda a exigência platônica de um reinado de filósofos (Rep. 473c-e e 519b-521b; cf. Guthrie   IV 1975, p. 487 s.), que pode fazer o Estado amadurecer até a prosperidade. Só depois de exercitar-se por quase toda a vida na filosofia, o homem, após os 50 anos, é capaz de assumir o cargo supremo no Estado. Governantes maus, não instruídos — em particular os tiranos — são, ao contrário, a ruína do Estado, pois eles não se orientam pelo verdadeiro e, por isso, não podem fazer valer nenhuma pretensão de liderança. Eles não contemplaram a ideia do bem e, por isso, estão interessados apenas em seu próprio sucesso, sem dar atenção com JUSTIÇA e moralidade ao bem comum de todos os cidadãos na polis. Por isso, governantes desse tipo não podem ser considerados felizes (eudaimôn, ver. eudaimonia) (cf. o exemplo do grande rei: Górg. 470e e Sof. 230d-e). Feliz é apenas o homem justo que se orienta pelo bem e pelo verdadeiro, e cuja moral é formada pela educação ética.

Apesar do caráter fundamentalmente geral de sua paideia (Rep. 376e-414b; 52lc-54lb; cf. Guthrie   IV 1975, p. 450-461 e Leis 653a-664b; cf. Guthrie V 1978, p. 327-329), Platão prescreve um programa pedagógico concreto para os estamentos no Estado, de acordo com a capacidade, com a virtude cardeal que são específicas a cada um (Rep. 427c-435a). A educação suprema está reservada ao filósofo, cuja tarefa é a direção do Estado: de acordo com o mais tarde assim chamado quadrivium das ciências matemáticas — aritmética, geometria, astronomia e música (ver MATEMÁTICA) —, a DIALÉTICA conduz à visão da ideia do bem (Rep. 521c-534e; cf. Guthrie IV, 1975, pp. 521-526). Posteriormente, a dialética, e ainda além a gramática e a retórica foram postas, como trivium, numa posição de primazia em relação ao quadrivium. O trivium e o quadrivium devem, como sete artes liberais (septem artes liberales), ser a base de uma educação abrangente, enciclopédica (enkyklios paideia). A VIRTUDE (aretê) deve ser vista como “melhor forma” da alma, que só pode ser alcançada pelo “treino” (paideia) correto. Para Platão a virtude é ensinável. A instrução na virtude é, de acordo com Platão, tal como a educação, assunto do Estado. Nisto, a ginástica e a educação musical (poesia, música e dança) são de significado pedagógico especial: pois, correspondendo ao ideal de beleza antigo, uma ensina a regularidade e a simetria (symmetria, FU. 64e) em relação ao corpo, a outra a regularidade e a simetria em relação à alma, que deve estar corretamente afinada, como uma lira, para produzir o bem. Nisto, os três âmbitos da alma (logistikon, thymoeides, epithymêtikon, Rep. 435a-411c, especialmente 440e e 411a) estão bem ordenados. Essa ordenação exprime-se na atitude correta, porque nobre, e encontra-se no centro do ideal de nobreza antigo, a kalokagathia (termo composto de kalos kai agathos): o belo (to kalon) e o bem ético, moral (to agathon) são sinais externos e internos necessários dessa atitude correta como resultado de uma paideia bem-sucedida. Isso mostra com clareza que o pensamento antigo, exemplarmente o pensamento de Platão, une veementemente estética e ética. Em sua aspiração, a alma deve se pautar pela virtude e pela sabedoria, a beleza interior (Banq. 183d-185c). Especialmente por isso, a divindade ensina o Sócrates   platônico na prisão a compor poesia (Féd.   60c-61c), para, nessa situação última, extrema, da vida instruir a alma de modo correspondente e prepará-la para o momento decisivo na vida: a morte, a separação libertadora entre corpo e alma (Féd. 64b-c, 65c-d e 67d). Como alma e corpo se separam na morte, já durante a vida a alma deve ser preparada para sua existência novamente sem corpo após a morte física. Isso só pode ocorrer pela educação certa da alma (Apol. 29d-30b e 36c; Críton   48b; assim como Féd. 80e-82c e 107d e Alcib. 1130e, 131a e 132c). Tal como a alma, o Estado também soa harmonicamente (Rep. 427c-428a) quando os estamentos individuais estão bem ordenados, fazem, cada um, o seu (to ta hautu prattein, “fazer o seu”, Rep. 433a-b) e assim realizam a virtude cardeal da justiça como vínculo que unifica a ação boa e justa. Platão supõe aqui uma analogia de alma e Estado (Rep. 368d-369b e 434d-436a). Portanto, só as almas dos cidadãos pautadas pela verdade podem ser o fundamento de um corpo político justo. E só a verdadeira educação (paideia) pode possibilitar isso. [SHÄFER]