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kenosis

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

No NT há kenos (vazio, comum na literatura paulina) e kenon (esvaziar):

Mas estes, apoderando-se dele, o espancaram e o mandaram embora de mãos vazias. (Mc 12:3)

O verbo kenoo enfatiza o esvaziar, o tornar vazio. Paulo às vezes o emprega na negativa: coisas que não se podem tornar vazias, i.é., "anular", como o caso da fé, a cruz de Cristo. Esvaziar-se de si mesmo, heauton ekenosen é uma expressão controversa.

Tende em vós aquele sentimento que houve também em Cristo Jesus, o qual, subsistindo em forma de Deus, não considerou o ser igual a Deus coisa a que se devia aferrar, mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, tornando-se semelhante aos homens; (Fil 2:5-7)

VIDE: SUNYATA



Notions philosophiques  

gr. kenón. Como objeto do pensamento filosófico, o espaço vai ser tratado sob diversas apelações pelos primeiros filósofos gregos. Já Anaxímenes   e Anaximandro   pensam a matéria originária como sendo estendida sem limite espacial nem temporal. Enquanto os Eleatas Parmênides   e Melisso negavam, em conformidade a sua ontologia, a existência do vazio (= não-ser), os pitagóricos afirmavam um vazio infinito cercando o mundo. Zenão   de Eleia, a fim de mostrar a impossibilidade do movimento e da pluralidade dos seres, mostrou as aporias inerentes ao conceito de extensão, infinitamente divisível ou não. Em oposição a Empédocles   e Anaxágoras  , que como os Eleatas negavam o vazio, os atomistas consideravam o kenon como complemento indispensável dos átomos, sendo dado que ele os separa e torna assim possível seu movimento. O conjunto da especulação pré-socrática sobre a oposição entre o pleno (to pleon) e o vazio (to kenon), que encontra correspondência ontológica na relação entre o ser (material ou não) e o não-ser, comportava portanto a elucidação dos problemas relativos à natureza e à dimensão do espaço, e a sua diferenciação dos corpos que o ocupam, embora o termo khora só seja utilizado a partir de Platão. Para ele, o espaço é a condição necessária para que as Ideias transcendentes possam ser realizadas no mundo do devir sensível. Sem forma ele mesmo, o espaço tem por função receber as imagens cambiantes das Formas ideais, sem que no entanto possa ser assimilado à categoria de matéria constituindo os corpos sensíveis. Embora as metáforas obscuras do Timeu   tornem difícil uma apreciação definitiva, Platão parece pensar o espaço como receptáculo, e a matéria neste receptáculo como um espaço vazio limitado pelas superfícies geométricas.


Gobry  

gr. kénôsis: esvaziamento, depleção, pobreza, desprendimento; kenón (tó), vazio, vácuo. Latim: vacuum. O vácuo é considerado pelos gregos de dois modos diferentes: ou como fator de imperfeição, que põe em causa a totalidade e a perfeição da realidade (escola eleática), ou como fator de harmonia, que permite a diferenciação, a complementaridade e o movimento dos diferentes elementos da realidade. Para o problema da existência do vácuo interior ao mundo sensível, duas respostas: ele existe (atomistas: Leucipo, Demócrito, Epicuro  ); ele não existe (Parmênides, Platão, Aristóteles).


Mestre Eckhart  

VAZIO, SOLTO, LIVRE (LEER, LEDIG, FREI) (Leer. vazio; ledig: solteiro)
A palavra ledig, frequente nos sermões de Eckhart, significa vazio. Só que para nós, hoje, vazio conota privação, carência. Como tal, não entoa com precisão a sonoridade em que vibra a palavra ledig como quando é usada nos sermões de Eckhart. Aqui ledig não indica em primeiro lugar lacuna, algo como buraco vazio, onde somente há o vácuo, onde não há nada. Diz antes o espaço livre a modo de uma vasilha pronta para receber o líquido. Refere-se, pois, ao modo de ser, todo próprio, "positivo", digamos, solto, na dinâmica de relaxe; portanto, livre, sem obstáculos, à vontade, espontâneo. É o modo de ser desprendimento - des-prendido, isento de impedimentos, sem preocupação. Daí, ledig conota também a acepção de ocioso [1]. Hoje, no uso cotidiano do alemão moderno, ledig significa antes de tudo solteiro, portanto livre de compromisso e da amarração do casamento. Parece ser de importância decisiva, para compreender o pensamento de Eckhart, precisar esse modo de ser ledig, isto é, do desprendimento   - des-prendimento, numa "positividade" toda própria, bem destacada na sua dinâmica. Aqui, como também nas palavras Abgeschiedenheit, abgeschieden (desprendimento, desprendido), traduzidas muitas vezes em referência à renúncia, abnegação, pode-se deformar o sentido próprio desses termos, se de antemão são colocados no medium da espiritualidade de privação, de Sacrifício - sacrificação. O que sói usualmente acontecer, quando traduzimos ledig por vazio, livre de impedimentos, pois com isso já entendemos a soltura da plenitude da identidade, nela mesma a partir do que a prende. Na nossa tradução, por falta de recurso, traduzimos ledig como solto, mas conforme o contexto como vazio, livre, desprendido, isento, e muitas vezes como virgem, virginal. O disposto, a disposição e disponibilidade, vistos como fenômenos vivos, nos fazem ouvir o termo ledig na sonoridade da pura e límpida disponibilidade e dis-posição cordial da existência humana, na doação e recepção no amor. É a partir dali que, por exemplo, o vazio de um cálice afeito a receber o precioso vinho da hospitalidade pode nos acenar para o que é a afeição pura da cordial recepção grata do ser humano no seu ser todo próprio da existência, sempre na soltura dela mesma, isto é, ser cada vez livre. [Excertos de “Mestre Eckhart Sermões Alemães”, tradução de Enio Paulo Giachini]


Observações

[1Ocioso aqui não significa preguiçoso, inerte, mas referido a otium no sentido de não estar preso a negócio (nec-otium), portanto à disposição de uma ação livre, que tem o móvel de sua ação a partir e dentro de si mesma.