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movimento

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

Como sabemos, Henry More   era mau físico, e nem sempre compreendia o significado preciso dos conceitos usados por Descartes  , como, por exemplo, o da relatividade do movimento. No entanto, sua análise é extremamente interessante e, em última instância, justa."

A primeira maneira de escapar à força de nossas Demonstrações deriva-se da definição cartesiana do movimento, que é a seguinte: [o movimento é] em todos os casos a translação de um corpo da vizinhança dos corpos que o tocam imediatamente, e que são considerados como em repouso, para a vizinhança de outros?

Resultaria dessa definição, objeta More ,que um pequeno corpo firmemente fixado em algum ponto entre o eixo e a circunferência de um grande cilindro em rotação estaria em repouso, o que é obviamente falso. Além disso, nesse caso, este pequeno corpo, embora permanecendo em repouso, seria capaz de se aproximar, ou de se afastar, de outro corpo P, colocado imóvel, fora do cilindro em rotação. Isto é absurdo, porquanto "supõe que possa haver uma aproximação de um corpo por outro, imóvel, um corpo sem movimento local".

Henry More conclui, então que

... a definição precedente é afirmada gratuitamente por Descartes e, por se opor a demonstrações cabais, é manifestamente falsa.

O erro de More é óbvio. Está claro que, se aceitarmos a concepção cartesiana da relatividade do movimento, não temos mais nenhum direito de falar de corpos que estejam absolutamente "em movimento" ou "em repouso", mas temos de indicar sempre o ponto ou quadro de referência em relação ao qual o dito corpo deve ser considerado em repouso ou em movimento. E que, em consequência, não há contradição em afirmar que o mesmo corpo possa estar em repouso com relação ao que o cerca e em movimento com relação a um corpo colocado mais longe, ou vice-versa. No entanto, Henry More tem toda razão numa coisa: a extensão da relatividade do movimento à rotação — pelo menos se não quisermos restringir-nos à pura cinemática e se estivermos tratando de objetos físicos, reais — é ilegítimo. Além do mais, a definição cartesiana, com sua insistência ultra-aristotélica na proximidade dos pontos de referência, está errada e é incompatível com o próprio princípio da relatividade. A propósito, é extremamente provável que Descartes a tenha formulado não por motivos exclusivamente científicos, e sim a fim de se esquivar à necessidade de afirmar o movimento da Terra e poder afirmar (não sem ironia) que a Terra estava em repouso em seu turbilhão, ou vórtice.

Quase o mesmo se pode dizer com relação ao segundo argumento de More contra a concepção cartesiana da relatividade, ou, como More a chama, da "reciprocidade" do movimento. Diz ele:

a definição cartesiana do movimento é antes uma descrição do lugar; e se o movimento fosse recíproco, sua natureza compeliria um corpo a se mover com dois movimentos contrários e até a não se mover e a se mover ao mesmo tempo.

Tomemos, por exemplo, três corpos, CD, EF e AB, e suponhamos que EF se mova em direção a H, enquanto CD se move para G e AB permaneça fixo na Terra.

			[EF]        H
	I        [AB]        K
G        [CD]

Assim, AB não se move, embora esteja em movimento. Quem poderia dizer algo mais absurdo? Seria evidente

. . . que a definição cartesiana de movimento repugna a todas as faculdades da alma, aos sentidos, à imaginação e à razão.

Fica claro que Henry More não é capaz de transformar o conceito de movimento no conceito de uma relação pura. Crê que quando os corpos se movem, mesmo se considerarmos que o fazem com referência um ao outro, alguma coisa acontece, pelo menos a um deles, uma coisa que é unilateral e não recíproca: ele realmente se move, muda de lugar, de lugar interno. É com referência a esse "lugar" que o movimento tem de ser concebido, e não com referência a qualquer outro, donde

a suposição dos cartesianos, segundo a qual o movimento local é relativo ao lugar em que o corpo não está, e não [ao lugar] em que está, é absurda.

Em outras palavras, movimento relativo implica movimento absoluto e só pode ser compreendido segundo a base do movimento absoluto e, portanto, do espaço absoluto. Com efeito, quando um corpo cilíndrico está em movimento circular, todos seus pontos internos não só mudam de posição com referência à superfície que o rodeia, ou com referência a um corpo colocado fora dele, como também se move, isto é, para através de uma certa extensão, descreve uma trajetória nessa extensão, a qual, por conseguinte, não se move. outro. O lugar de um corpo, seu locus interno, não faz parte do corpo; é alguma coisa inteiramente distinta dele, alguma coisa que não é de maneira alguma uma simples potencialidade da matéria: uma potencialidade não pode ser separada do ser real de uma coisa, mas que é uma entidade, independente dos corpos que estão nela e que se movem nela. E é menos ainda um "produto da imaginação", como tentou afirmar Hobbes  .