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Yaoel

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

Gnosticismo  
Madeleine Scopello  : Excertos de MULHER, GNOSE E MANIQUEÍSMO, com tradução adaptada e anotada por Antonio Carneiro  

Voltando aos tratados de Nag Hammadi que consideramos na abertura, é necessário se colocar a seguinte questão: por que os autores do Alógeno, de Zostriano e do Evangelho dos Egípcios associaram de diferentes maneiras, uma entidade angélica com algo um pouco misterioso, ou seja, Youel, com um dos personagens da mitologia gnóstica, Barbelo  ? Para tentar dar uma resposta a esta questão, é necessário de início retraçar a história de Youel.

O nome Youel atestado no gnosticismo não pode deixar de lembrar Yaoel, que se encontra em um escrito esotérico judaico influenciado pelas especulações místicas da Merkaba: o Apocalipse de Abraão. Este tratado, conservado em eslavo antigo, traz, em sua segunda parte, uma atenção toda particular às progressões extáticas do Patriarca. Relata-se aí, com efeito, a viagem ao céu de Abraão, guiada por um anjo que responde pelo nome de Yaoel. O objetivo da viagem é a contemplação do carro e do trono divinos, ao qual Abraão alcança após uma arriscada ascensão.

O Senhor tendo dado uma ordem de oferecer um sacrifício para Abraão, este último, escutando Sua voz, tombou em um pavor extático (ApocAbr. X, 2-3). Foi nesse meio tempo que se manifestou Yaoel, enviado pelo Senhor para reconfortar o Patriarca. Ora o anjo que Deus enviou a Abraão não é um anjo qualquer: é o anjo do Nome, é o próprio Nome de Deus. O capítulo X, 4 do Apocalipse de Abraão se exprime de modo explícito sobre esse assunto: « Como ainda estava de face contra terra, escutei a voz do Santo qui dizia: Vá, Yaoel, tu que levas Meu nome, por meio de Meu nome inefável erga esse homem e fortifica-o expulsando seu terror! ». Em ApocAbr. X, 8, ele mesmo, o anjo se apresenta assim: « Eu, eu sou Yaoel, assim nomeado por Aquele que faz mover o que está comigo sobre o sétimo espaço no firmamento. Sou um Poder, graças ao nome inefável que está em mim ».

Com efeito, Yaoel é um nome tetragramático, forjado a partir de duas letras tiradas do Tetragrama as quais se acrescentaram duas letras do nome Elohim (ou melhor, da palavra El que constitui a abreviação). De Yaoel, anjo de inefável beleza, esse Apocalipse apresenta igualmente uma descrição onde o vê dotado de atributos reais: a púrpura [1]e o cetro (ibid. XI). Doravante Yaoel vai ser o companheiro de Abraão - sua única visão lhe é alimento, suas palavras lhe são bebida. Durante quarenta dias e quarenta noites seguem, e o anjo instrui Abraão sobre o sacrifício que Deus lhe ordenou de cumprir. Guia, instrutor, mas também conselheiro: Yaoel indica à Abraão o comportamento a ser mantido para escapar do anjo da impiedade, Azazel (ibid. XIII-XIV). Em seguida, é contada a ascensão ao céu que Abraão e Yaoel empreendem sobre as asas de uma pomba (Columba palumbus) e de uma rola (Streptopelia turtur) [2]. Elevamo-nos como se estivéssemos sustentados por numerosos ventos, sobre o céu fixado na vastidão. Vi no ar (...) uma potente Luz que não saberia descrevê-la » (ibid. XV, 4). Diante desta visão insustentável - « não pude mais ver, pois estava enfraquecido e meu espírito me deixou » - Yaoel tranquiliza Abraão - « fica comigo, não tenhas receio » - e explica: « aquele que verás vir direto sobre nós com grande voz de santidade, é o Eterno que te amou» (ibid. XVI, 3). Rodeados por um fogo de onde se desprende uma voz, o anjo se inclina, e adora. Abraão doravante não tem mais marcas, tomado de êxtase: « quis me lançar com a face contra terra, mas, o lugar elevado sobre o qual encontrávamo-nos estava, ora no alto, ora em baixo ». E Yaoel falou assim: « Inclina-te apenas, Abraão, e dize o hino que te ensinei. Pois, não existe solo onde cair. Inclinei-me apenas e disse o hino que havia me ensinado. Disse: ‘Recite sem parar’ » (ibid. XVII, 4-7). Ao uníssono Abraão e Yaoel cantam um hino, que é a invocação dos nomes e dos atributos do Eterno e o qual se reterá aqui essas linhas essenciais (ibid. XVII, 11):

Eli, Eterno, Poderoso, Santo, Sabaoth, Gloriosíssimo, El, El, El, El, Yaoel.

Esta invocação de aspecto tetragramático - a palavra El é repetida quatro vezes - é completada pela menção do nome de Yaoel, nome do anjo e nome divino ao mesmo tempo. É provavelmente nesse segundo sentido que seja percebido aqui.
Em seguida, é a visão da Merkaba que se abre ao “Mistérios - iniciado nos Mistérios” e ao seu Guia (ibid. XVIII).

Yaoel, portador do Nome (ApocAbr. X, e XII, 11), é então, maneira de dizer, o Tetragrama. Uma passagem bíblica serviu de ponto de partida para a elaboração desse tema — tratou-se de Ex 23, 20-21: « Eis aqui que envio um anjo diante de ti para te guardar no caminho e fazer entrar no lugar que preparei. Presta atenção a ele e escuta sua voz (...) visto que Meu nome está nele ». O anjo marcado pelo selo do Nome leva assim igualmente nele aspectos do ser divino, tornado presente por seus nomes. A advertência feita ao iniciado significa que esse anjo, é, conforme seu nome, portador do poder divino.

Ao anjo Yaoel foram associadas especulações concernentes à Metatron, o primeiro dos anjos, guia celeste do iniciado, conhecedor e revelador dos mistérios.


Observações

[1Vide: Nota 1 em Cura da Filha da Cananeia - São Jerônimo — Comentário a Mateus

[2Vide: Geneviève Javary - Maria e Shekinah