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morte da alma

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

Gnosticismo  
Evangelho de Tomé - Logion 98
REFLEXÕES ACERCA DA MORTE DA ALMA
O que tem que crescer é o espírito, a essência da alma, o Eu real, porque é necessário que o espírito se una a Deus para se fazer uno com ele.

O que há de diminuir é a alma, as vivências conscientes e ativas da alma, pois é preciso que a alma chegue à negação de si mesma até o ponto de morrer.

A negação dos conteúdos da alma é a cruz que há que tomar cada dia, cada hora, sempre. A negação da alma não consiste em uma morte cruenta da alma enquanto sobrevivem nela todas as afirmações de si mesma, senão em um deixar de ser cuja consecução só é possível quando a vontade de negar se exerce de instante em instante, sem desfalecer na vigilância, no estar atento.

Cada instante da vida da alma que busca deve ser morte dela mesma, pois isso é encontrar, e quanto mais morte seja, mais vida do espírito advirá em cada instante, pois essa é a Lei.

A morte consiste na humildade, na nadificação; consiste em não ser nada, e quando a alma chega a não ser nada, com a negação de si mesma consumada, já nada a resta por fazer, pois o que resta é a essência, o espírito eterno, que tem vida em si mesmo por obra do Filho, e ele é o que vive.

O grande mistério da morte da alma por negação das vivências que nela há, e a consecutiva ganância da vida do espírito, é uma consumação que vem encomendada à consciência de todo verdadeiro seguidor de Cristo.

Mas em verdade, não se trata de um mistério, senão do ato superior de trocar a morte pela vida uma vez tenha sido conhecida a morte como morte, uma vez tenha sido desprezada a morte por ser morte.

É necessário fazer um esforço de desmitificação do processo inteiro dessa volta do homem sobre si mesmo, para entendê-la melhor, mais humilde e simples, livre do medo.

Converter o mito em realidade cotidiana é coisa bastante difícil, pois o viver do homem foi muito dramatizado por todos, como se esse viver e morrer no que estamos não fosse bastante dramático e difícil por si mesmo.

Do que se trata é de entender que o evangelho descreve o ato superior da transferência da consciência desde o estado natural de identificação com as vivências psíquicas e psicofísicas, até o desvestir-se delas. Não porque as vestimentas não continuem aí, senão porque uma tenham sido desprezadas já não são da alma.

Quando se chega a essa percepção nova que vem com a consciência pura, a alma se reconhece a si mesma, mas não como o eu pessoal que acreditava ser, enclausurada em suas próprias paredes adventícias, senão como um Eu eterno, o espírito livre e sem limites. Isso é o que se denomina no evangelho, passar da morte à vida.

O que o evangelho ensina é que cada dia há que morrer para as vivências transitórias da alma e não ser já, um outra vez, essas mesmas vivências. Elas são as

aderências das quais há que se desprender, pois sem elas a morte é menos morte, ou talvez não é morte, uma vez destruído o aguilhão, e a vida é mais vida na plenitude de sua formosura.

A alma desnuda, o núcleo puro da alma, já não é alma senão espírito, e o espírito se une, para bem-aventurança, em liberdade, com o Filho do Homem.

Alguns poderão compreender então que o espírito nunca esteve em cativeiro, senão em sua eterna liberdade. As cadeias da prisão eram as vivências da alma, e o cativeiro, é o que sempre foi e será: o Ser do homem, o Deus vivo do qual somos seu templo.

Agora se estará em condições de entender melhor esse dito de Jesus que compreende em si mesmo a mensagem inteira do evangelho. Como sinal de sua importância os evangelistas o incluem seis vezes (vide Despertar Morrer Renascer).

Por causa do duplo sentido da palavra grega psyche (vida, alma), a tradução segundo a exegese manifesta difere da tradução segundo a exegese oculta. A versão manifesta lê vida cada vez que o texto sugere a morte, porque pensa que a alma deve ser preservada para a eternidade com toda a "pompa" que suporta no mundo, tal como é, para entrar depois em um lugar para ela designado na Glória ou no fogo eterno.

Mas a segunda exegese oculta não se deve traduzir aqui psyche por vida, senão por alma. A dualidade proposta pela concepção manifesta — duas vidas de distinta natureza (mortal e eterna) e dois mundos para albergá-las — fica assim refutada, e a alma restituída a sua verdade de ser um só grão essencial, espírito, ainda que sempre revestido de palha — a alma.

a) O que ama sua alma (psyche) a perde; o que odeia sua alma (psyche) neste mundo a guardará para a vida (zoe) eterna.

b) Quem queira salvar sua alma (psyche) a perderá, mas quem perder sua (psyche) por mim (e pelo evangelho), a salvará.

  • O colocado entre parênteses é unicamente de Marcos. Na versão de Lucas   aparece no final um vocábulo grego do verbo zoogoneo, cujo verdadeiro sentido é vivificar, no frase "vivificado será" (pelo espírito).