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En-Soph

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

VIDE: INDETERMINADO; ÚNICO
Qabbalah  
René de Tryon-Montalembert e Kurt Hruby
Aquilo que nós chamamos «o ser» constitui uma espécie de expressão «existencial» daquilo que escapa a todas as nossas categorias de pensamento e de existência, assim como a todos os nossos esforços de raciocínio lógico ou de etiquetagem determinada. É-nos preciso remontar para além do «nome» do pensamento, da existência e mesmo do «ser», não para tentar cercar ou apreender ou mesmo aperceber, mas somente para procurar às apalpadelas — e sabendo, à partida, que o objeto da busca é impossível de encontrar — o Mistério dos Mistérios, o En-Sof [1], infinito , visto que não pode ser «finito» de modo algum e que nós somos constrangidos a chamar «nada» em virtude da nossa impotência de nomear o que transcende o próprio ser. Porque En-Sof «não pode ser alvo de nenhum nome, de nenhum conhecimento, de nenhuma forma perceptível» (Zohar  , LI, 42b).

Resulta que, neste universo onde todas as nossas teorias racionalizadas se encontram reduzidas a tábua rasa, as próprias noções às quais podemos ser tentados a solicitar alguma segurança tornam-se espelhos de engano, participando, como por impalpáveis e imprevisíveis variações, nos mais desconcertantes universos.

Mas esta espécie de «teologia negativa» com a qual somos postos frente a frente irá revelar-se, em definitivo, como a mais positiva das ontologias: e quanto mais nos afundamos no nada do En-Sof, mais veremos brotar, de todo o lado, os esplendores do Ser e dos seres. Quando dizemos «En-Sof» é importante compreender que esta palavra composta esconde, em si mesma, um conflito: conflito entre não-ser e ser, entre nada e ser. «Esse além que ninguém pode meditar nem conhecer, visto que está envolto num pensamento oculto e numa ideia incomensuravelmente elevada por cima da percepção de um pensamento humano, não tendo nada a que este pensamento se possa ligar, não dando ocasião, nem à ignorância que questiona nem, principalmente, ao conhecimento que afirma — é o En-Sof» (Zohar, I, 21a). Qualquer negativa que, com efeito, se nos ofereça, devemos reconhecer que se trata duma negação do finito. Do mesmo modo, amiúde temos necessidade de recorrer a um termo mais enérgico, o de Ayin [2], que significa propriamente o «nada» e que, no contexto, evoca, sem contradizer, a noção muito mais forte de «nada do nada».

E é aí que surge o paradoxo: este «nada do nada», este ‘Ayin vai-se transformar, tornar-se na plenitude de Ser do «Eu» divino, do Anokhi [3], do Ani. Este «milagre» será o ponto do encontro com o Homem, esse Homem que Deus originou da sua própria ausência de ser, como um parceiro inútil e precioso. «Deus toma a iniciativa de um encontro com o Homem: Ele criou o lugar, o tempo e o ser que deverão servir para este conhecimento. É deste modo que o ‘Ayin, o Não, o Não-Espacial, o Não-Temporal, o Não-Pessoal, se transforma num «sim», capaz de responder àquele que pode interpelar, ao Homem (...). Contudo, Deus permanece o ‘Ayin: não o Ausente, mas o Ser mais seguro, mais durável do que todos aqueles a quem emprestou a existência. Permanece o ‘Ayin, que se mantém imperceptível para o entendimento mesmo que seja percebido como Ani, que se ofereça plenamente como Ani.» [4]

O En-Sof não nos arrasta portanto, como é o caso das místicas da índia, no turbilhão impessoal onde se afunda eternamente o diálogo do amor. Seria mais correto discernir nele «a raiz de todas as raízes», a raiz oculta que possui nela mesma o segredo do ser como do não-ser, do pensamento como do que escapa a toda a categoria racional, do criado como do incriado, da luz como do obscuro.

É por esta razão que o «homem da Cabala» se revela capaz, no universo da ciência, de investigações que possam ultrapassar infinitamente os limites da técnica e mesmo do conhecimento científico. A perspectiva é vista do outro lado: já não se trata de estudar os fenômenos em si mesmos, mas de os repor no grande abismo cósmico, do qual só a interpretação da Torá nos pode dar a chave. Não obstante, a modéstia continua a ser regra; e a fronteira do intransponível aparece sempre interdita como se se encontrasse na posse desses Querubim - querunbins de gládio de fogo que foram colocados pelo Eterno diante da árvore da Vida (Gen., III, 24) [5].


Observações

[1«O que o pensamento não pode conceber», ou ainda «o nada do pensamento», isto é, uma realidade que se situa para além das possibilidades da inteligência. (Cf. En-Sof

[2Se bem que ‘Ayin signifique «o nada» e que nesse sentido seja mais negativo que En-Sof, contém todavia virtualidades positivas. (Cf. Ayin

[3Do ponto de vista gramatical, anokhi é uma forma secundária de ani, «eu» (cf. Anokhi).

[4Safran: La Cabbale (Paris, Payot, 1960, pp. 288-289).

[5O midrash (Gen. R., XXI, 8, 9) estabelece uma analogia entre Gen. II, 24, a narrativa respeitante aos querubins e ao fogo do gládio fulgurante, que, após o pecado de Adão, guardam o caminho da árvore da Vida, por um lado, e, por outro, a Torá, que, pelo conjunto da tradição, é identificada a uma «Árvore da Vida» (Cf. Conhecimento de Adão).