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Zostriano

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

Excertos de do livro de R. Kuntzmann e J.-D. Dubois, trad. de Álvaro Cunha
Zostriano (VIII,1)
Apesar de seu lastimável estado de conservação, este tratado, o mais longo de toda a coleção, nos apresenta exemplo interessante de gnose fundada em ideias filosóficas e em descrição mitológica do pleroma celeste. O nome de Zostriano lembra o de Zoroastro, da religião do antigo Irã. Zostriano conta sua ascensão celeste até chegar ao Tríplice Espírito todo-poderoso e invisível. O seu relato de viagem oferece lista completa das emanações divinas (a virgem Barbela, os três grandes aion - Eões e os múltiplos outros habitantes dos mundos celestes).

Zostriano começa examinando alguns problemas perturbadores que nele afloraram, cuja ausência de solução o conduz às portas do suicídio:

E o Ser está mesclado com eles, com o Deus oculto, que é não-nascido, e com a força do Todo. Agora, no que se refere ao Ser: como é que aqueles que existem, que são do Eão daqueles que existem, podem provir de espírito invisível e de incriado indiviso, que são três semelhanças não-nascidas, tendo mais uma origem do que uma existência e que existem com anterioridade a todos aqueles (...)? (...) Qual é o lugar do Um lá? Qual é a sua origem? Como é que aquele que aparece existe, para ele e para os outros? Como é que se torna simples ser, diferente apenas de si mesmo, existente como Ser, Forma e Bem-aventurança e transmitindo força como alguém vivo, através da vida? Como é que o Ser que não existe apareceu em força existente?

Eu meditava sobre essas coisas para compreendê-las. Fazia questão de elevá-las cotidianamente até o deus de meus pais, segundo o costume de minha raça. Fazia questão de louvar meus antepassados que procuraram compreender essas coisas. Quanto a mim, não abandonei a busca de repouso para o meu espírito, como se ainda não estivesse ligado ao mundo sensível. No entanto, no momento em que estava profundamente perturbado e imerso nas trevas por causa do desencorajamento que me havia invadido, ousei tomar uma decisão e entregar-me por conta própria às feras do deserto, para ter morte violenta (p. 2,21-3,28).

Zostriano não foi até esse extremo, tanto mais que as feras do deserto encarnam os vícios e as corrupções deste mundo. Visitado pelos anjos do conhecimento da luz eterna, é batizado com o nome do deus autógeno e aprende os nomes e as relações das numerosas entidades celestes. Alguns de seus nomes — como Micar, Miqueia, Set e Adamas — apresentam ressonâncias bíblicas, mas estamos longe de poder penetrar em seu significado. Eis a passagem completa referente ao Todo autógeno, divindade suprema:

(No que se refere) ao Todo e à Raça toda-perfeita e ao Um que é mais que perfeito e abençoado: o Autógeno, o Um oculto, é pré-existente, pois ele é a origem do Um autógeno, deus e antepassado, razão de ser do primeiro Um aparecido, pai de seus elementos, deus-pai, gnose antiga. Ele é ainda desconhecido, pois é força e pai em si. Em consequência, ele é (sem pai). A invisível Tríplice Força, o primeiro Pensamento de tudo, é o invisível Espírito (...). (Ele existe) neles (quer dizer, nos seres particulares), em muitos lugares, no lugar que ele desejou e no lugar que ele deseja, pois eles estão em cada lugar, não ainda em todo lugar, e abriram espaço para seus espíritos, já que são incorporais e mais que incorporais. Eles são indivisos, ideias vivas e força de verdade naqueles que são claramente mais puros que estes, pois existem como extremamente puros em respeito a ele e não são como os corpos que existem (p. 20,2-21,15).

Nesse tipo de discursos, faz-se a projeção sobre a divindade das aspirações de certa elite cultural, insatisfeita com as filosofias ambientes.

Zostriano chega à convicção de que o mal está na ignorância e que só o conhecimento pode salvar. E escreve sua experiência e sua mensagem em três tabuinhas:

Apoiantes e Afropais, a Virgem Luz, apareceu-me e levou-me para junto do Espírito, aparecido em primeiro lugar, grande, macho, perfeito, e eu vi como todas as coisas que lá estavam andavam juntas. Uni-me a todas elas e abençoei o Eão oculto, a Virgem Barbela e o Espírito invisível. Tornei-me todo perfeito e lá recebi coroa perfeita. Apresentei-me aos perfeitos individuais e todos me interrogavam. Eles prestavam atenção na grandeza da gnose, rejubilavam-se e (dela) recebiam a força. Quando voltei novamente para os Eões autógenos, recebi uma forma pura, digna de percepção. Eu desci nas semelhanças dos Eões e cheguei à (terra) imaterial. Escrevi em três tabuinhas e as deixei como gnose para aqueles que vêm depois de mim, os eleitos divinos. Então, desci para o mundo sensível e me coloquei em meu templo. Como ele era ignorante, eu o fortifiquei e fui pregar a verdade a todos. Nem os seres angélicos do mundo nem as Potestades me viram, pois eu destruí uma multidão de torpezas que me haviam levado até perto da morte (p. 129,2-130,13).