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quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

Do gesto ao signo
O homem das origens, que no início deste trabalho surpreendemos ocupado em vigiar perigos e prazeres que seu ambiente pudesse dissimular, não era indiferente ao espetáculo novo que se oferecia a seus olhos. Respondia-lhe com reação apropriada, resposta que tomava a forma de um movimento reflexo, gesto ou grito, por exemplo, exprimindo uma emoção qualquer, medo ou desejo, aborrecimento ou curiosidade, surpresa ou admiração. O próprio gesto coexiste com a vida e é milhões de anos anterior à palavra, que não passa de uma de suas modalidades localizada na boca. O primata humano expressou-se primeiramente por gestos, transformados em signos por seus familiares. Este homem dos primeiros tempos não se achava sozinho no mundo. Vivia como sempre viveu, e como nós ainda vivemos, isto é, em sociedade. Depois de tê-lo artificialmente isolado como receptor de sinais, devemos considerá-lo por sua vez como emissor de mensagens, como objeto de um conhecimento possível, mas objeto altamente privilegiado, pois sendo a sua individualidade conhecida em seu círculo de relações, seus gestos eram imediatamente compreendidos por irmãos de raça e de tribo. Deviam suscitar neles uma emoção da mesma natureza, já que só compreendemos verdadeiramente aquilo que podemos repetir, e já que os signos preenchem o hiato que se abre entre a sensibilidade e a inteligência.

Todo gesto é precedido de uma inspiração profunda dos pulmões, primeira fase do ritmo respiratório, e, como diz Rilke  , a respiração foi o berço do ritmo. Depois de um certo tempo de assimilação do oxigênio, segue-se-lhe uma expiração que, em sua forma mais elementar, exprime-se por um grito. Este grito, terceiro tempo do ritmo respiratório e primeira manifestação de vida do recém-nascido, mostra que toda ação é um dom de si, que todo homem deve, como diríamos, expirar para agir. Utiliza sua reserva de força para criar, segundo uma lei que simboliza o mito hindu do sono cósmico de Brahma, de quem cada expiração cria um mundo que a inspiração seguinte, de ritmo milenar, reabsorve até uma próxima recriação.

Se Goethe   quis supor que no começo era a ação, Hans von Bülow com razão preferiu dizer que no começo era o ritmo, pois todo gesto e todo movimento aritmético desde o início tornam-se ritmados por repetição. O ritmo condiciona a continuidade necessária a toda ação, á sua transformação posterior, à sua propagação nas zonas psíquica e espiritual do ser. O ritmo do indivíduo define sua forma. É uma invariante numa mobilidade, "uma periodicidade vivida", dizem os iogues.

Para expressar-se, o homem primitivo recorreu a signos gestuais ainda hoje utilizados, que supõem a experiência prévia do tato para interpretar adequadamente as mensagens da vista e do ouvido. No que concerne à vista, é curioso constatar que, na China e no Egito antigos, a negação e a recusa eram expressos pelos dois braços horizontalmente estendidos, como o fazem para barrar-nos a passagem os nossos inspetores de trânsito. Na Índia, os mudras, engenhosas mímicas compostas pelas mãos das dançarinas, exprimem os matizes mais sutis do pensamento. Os trapistas contemporâneos comunicam-se entre si, graças a um rico sistema dactilógico de trezentos signos.

Outros meios concernem tanto ao ouvido quanto à vista. Os negros da África há muito que se transmitem informações bastante detalhadas com o auxílio de assobios como os caucasianos, de tambores como os ameríndios, ou de queimadas. Conhecemos os quippus dos Incas, seus cordões de nós utilizados também na China antiga, os bastões de entalhe dos antigos escandinavos, ainda usados como medida de provisão pelos padeiros de províncias francesas.

Foi também com sinais gestuais que pudemos experimentar a inteligência dos animais. O Dr. Ph. de Wailly conseguiu dialogar com chimpanzés, utilizando os gestos dos surdo-mudos. Os indivíduos das sociedades animais, matilhas ou hordas, comunicam-se entre si graças a sinais diversos. Conhecemos as danças informativas das abelhas, os sinais odoríficos ou em ultra-sons das formigas, os cantos e paradas rituais dos pássaros, os cento e catorze sinais sonoros que se transmitem os corvos, os grunhidos referenciais emitidos pelos delfins, os radares dos morcegos, o que nos leva a supor técnicas de informação desconhecidas nas espécies ainda não estudadas.

Voltando ao homem, a espontaneidade dos gestos constitui o fundamento de um método clássico proposto aos atores, dançarinos e oradores. Ensina-se-lhes que um gesto deve preceder e anunciar a palavra e muitas vezes substituí-la por uma espécie de reconstituição instantânea da filogênese da linguagem. O que pode parecer uma simples habilidade profissional é, na realidade, uma lei fundada nas necessidades da vida social.

Em sua elaboração original, pode-se portanto dizer que a expressão do pensamento mais desencarnada começa por um movimento reflexo. E ele é tão significativo e tão precoce que, a partir dos três anos, uma criança pode, por seus gestos, revelar a um psicólogo se será um mestre ou um discípulo. A emoção, que lhe é fonte, manifesta a relação que une o físico e o psíquico e que se expressa pela palavra sentimento, na qual Rémy de Gourmont pensava confundirem-se o fato de sentir e o de compreender. De expressão, subjetiva o gesto torna-se, por repetição, um verdadeiro signo institucional, a comunicação de uma emoção e daí a sugestão de um pensamento. Pois há na filiação do gesto uma analogia impressionante entre a formação de um hábito, a compreensão de um fenômeno e o nascimento de um símbolo.

Isso permite melhor compreender a mais genérica significação que, depois de R.P. Jousse, devemos dar à palavra gesto: atitude fundamental que utilizaria os mais diversos sentidos, tanto auditivos, visuais e olfativos quanto tácteis. Desse ponto de vista, poderíamos considerar todo ser vivo como um complexo hereditário de gestos e nosso corpo como um conjunto funcional de gestos fixos, tornados membros e órgãos. 0 gesto seria assim a sobrevivência de uma antiga atividade estabilizada, da qual ele continuaria como "cabeça-de-mira" (tête chercheuse) único elemento ainda livre e criador. E, como toda criatura tende a reproduzir aquilo que ela é, o que representa e o que significa, esta semiologia do gesto poderia fornecer-nos a melhor definição do sacramento e do rito, que não passa da repetição de um gesto ancestral.