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psicologia medieval

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

Cristologia
Bernardo de Clairvaux: (De consideratione ad Eugenium III, 1, II, cap. IV.)
E esta consideração de ti divide-se em três partes, se consideras o que és, quem és e qual és. O que na natureza, quem na pessoa, qual nos costumes. O que, por exemplo, homem. Quem, o Papa ou Sumo Pontífice. Qual, benigno, pacífico, ou algo semelhante. No demais, a investigação daquele primeiro ponto é mais filosófica que apostólica; há sem dúvida algo na definição do homem, ao qual chama animal racional,-* mortal, que se pode examinar com mais atenção, se agrada fazê-lo. Nada há nisso que seja contrário a tua profissão ou dignidade, mas sim que possa levar à salvação. Pois se consideras ao mesmo’ tempo estas duas coisas, racional e mortal, vir-te-á disso este fruto: que o mortal que há em ti humilhe o racional; e ao contrário, o racional conforte o mortal. E o homem circunspecto não descuidará nenhuma das duas coisas.

São Boaventura  : Boaventura Mente - Itinerarium mentis in Deum, I, 5-6

A alma possui três aspectos ou tendências principais: o primeiro é para as coisas corpóreas, exteriores, e por isto se chama animalidade ou sensualidade; o segundo é para si mesma e dentro de si, pelo qual se denomina espírito; o terceiro é para o superior, e por isto se chama mente. Deve-se dispor, por eles todos, a elevar-se a Deus, a fim de amá-lo "com toda a mente, com todo o coração e com toda a alma", em que consiste a perfeita observância da lei, e, juntamente com isto, a sabedoria cristã. (...)

Os três aspectos da alma duplicam-se, cada um, em duas funções ou "graus de potências", pelos quais subimos desde o ínfimo ao sumo, do exterior ao íntimo, do temporal ao eterno. E estes seis graus de nossa faculdade cognoscitiva são: o sentido e a imaginação, a razão_e o entendimento, a inteligência e o ápice da mente ou sindérese. Estão estes três graus em nós como que plantados pela natureza, deformados pela culpa e reformados pela graça: devemos purgá-los com a justiça, exercitá-los na ciência e aperfeiçoá-los com a sabedoria.


Filosofia Alain de Libera  : (excertos de Alain de Libera, Filosofia Medieval)
  • sujeito do pensamento - SUJEITO DO PENSAMENTO
  • Estrutura Funcionamento Alma - ESTRUTURA FUNCIONAMENTO ALMA
  • objeto do pensamento - OBJETO DO PENSAMENTO
  • Intelecto Vontade Coração - INTELECTO VONTADE CORAÇÃO
  • Apreensão - APREENSÃO
    Como a lógica e a metafísica, a psicologia medieval compreende dois momentos teóricos: um, greco-latino (agostiniano e boeciano), outro, "peripatético" ou greco-árabe. Essa divisão, que considera parcialmente a história das fontes, não compromete a unidade de fundo da problemática medieval da alma. Existe nesta, com efeito, uma espécie de invariante estrutural que as épocas e os autores realizam mais ou menos, cada um à sua maneira. Essa invariante é a concepção helenística do pensamento como processo de atualização do pensante no pensado, do sujeito inteligente no objeto inteligível, e, paralelamente, a tese segundo a qual o ato de pensamento, compreendido como processo de auto-atualização do pensamento, é um movimento sui generis, que enraíza o pensante na natureza, ao mesmo tempo em que dela o destaca. A tríade do pensante, do pensado e do pensar é o quadro geral que fornece à psicologia o seu domínio de problemas e o seu campo de reflexão próprios, mas é também o lugar, o elemento teórico da relação intrínseca que liga a psicologia a outros ramos do saber medieval: ontologia, semântica, cosmologia, ética.

O modelo triádico do pensamento suscita três perguntas, onde se enlaçam as disciplinas e os discursos: a identidade do pensante — quem pensa? —, a natureza do pensável — o que é o universal? —, o valor do pensar — a que leva o pensamento? A psicologia medieval evolui necessariamente para a ética, na medida em que a ética se realiza por si mesma na sabedoria teorética.

Na tradição greco-latina que precede a difusão dos textos peripatéticos dominam: o modelo trinitário do pensamento e da alma, produzido por Agostinho; a teoria da natureza e do funcionamento da intelecção (intellectus), elaborada nos comentários lógicos de Boécio  ; o conjunto das proposições psicológicas tiradas da exegese teológica cristã do Timeu  . A teoria aristotélica da alma é desconhecida ou negligenciada.

O desenrolar integral da teoria medieval do pensamento começa com a leitura de Avicena   e dos escritos naturais de Aristóteles.

Objeto e definição da psicologia — A psicologia medieval define seu projeto a partir da concepção "aristotélica" da psicologia como ciência do "vivente animal" (De anima, I, 1, 402a 6-9). É pois claramente um ramo das ciências naturais, mais precisamente da biologia. A ciência da alma e de suas potências tem seu ponto culminante na teoria do intelecto. Essa supereminência do intelecto está, evidentemente, fundada no De anima de Aristóteles. Entretanto, ela é também poderosamente apoiada por uma tese de antropologia filosófica geral, tirada da Ética a Nicômaco, segundo a qual o "homem não é nada mais que intelecto".

A interpretação da Ét. Nic., X, 7, é o centro organizador de toda a teoria medieval do intelecto, e, consequentemente, da psicologia como ciência humana. É também por ela que a psicologia, ciência do vivente animado, se comunica com a teologia: por ser, em sua parte suprema, ciência do homem, e, mais precisamente, segundo os próprios termos de Aristóteles, "ciência da parte fundamental e melhor do ser do homem". A indissociabilidade, no nível do homem enquanto homem, da psicologia, da ética e da teologia resulta da definição aristotélica daquilo que faz a humanidade do homem: sua aspiração a "tudo fazer para viver segundo a parte mais nobre que está nele"; sendo essa parte "mais nobre" (principalissimum hominis) pensada, simultaneamente, como "presença no homem de um elemento divino", ou seja, de algo no homem que é mais que o próprio homem, e como "o que é, no mais alto grau o próprio homem", a psicologia aristotélica, como a projeta a Ética a Nicômaco, parece transgredir no cume o princípio que a funda como ciência biológica, ao mesmo tempo em que se expõe a uma certa forma de incoerência em sua própria definição da humanidade do homem. Entretanto, a identificação do principalissimum hominis com o intelecto agente, elemento de origem divina, conferido ao homem "do exterior", por uma espécie de epigênese (De generatione animalium, II, 3, 736b27), inscreve a humanização do homem no próprio programa da natureza aristotélica e assegura a ligação conceituai da teologia com a psicologia. A psicologia peripatética integral se constrói sobre o conjunto teórico formado pelo De anima e a Ética a Nicômano. Desde os anos 1250, os latinos poderão justificar esse intelectualismo psicoteológico recorrendo aos comentários sobre a Ética de Eustrato e de Miguel de Éfeso, traduzidos por Robert Grosseteste  , mas deverão, ao mesmo tempo, enfrentar as versões árabes da teologia do intelecto, que, com al-Farabi e Avicena, e depois com Averróis  , desenharam o espaço de sua primeira formulação.

A crise "averroísta" dos anos 1270 revela, antes de tudo, a amplitude das revoluções filosóficas progressivamente introduzidas pela noética greco-árabe em seu conjunto.