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quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

Excertos de O LIVRO DE Q E AS ORIGENS CRISTÃS, de Burton L. Mack

Na luta para reconstruir o passado, cada novo texto era recebido com grande entusiasmo, e muitos chegaram a provocar sensação. As descobertas são estimulantes para os especialistas pela promessa de novos conhecimentos, e atraentes para as demais pessoas devido à impressão de que velhos segredos estão prestes a ser desvendados. No caso da descoberta de Q, no entanto, não houve anúncio formal, comoção pública, nem a sensação de que algo secreto estava por ser revelado. Isto porque Q não foi encontrado em esconderijo algum. Não apareceu de uma hora para outra um manuscrito de Q intitulado “As Sentenças de Jesus”. Em vez disso, os fragmentos desse antigo documento foram encontrados dispersos pelos evangelhos   do Novo Testamento, que são textos mais do que conhecidos. Foi por acaso, na investigação das tradições assentadas nesses evangelhos, que pouco a pouco o livro de Q veio à tona. Sua presença nos alicerces da tradição de Jesus gradualmente se impôs ante os estudiosos, que mal percebiam a grave importância de sua descoberta, uma vez que se tratava de material já tão bem conhecido.

A existência de um texto como Q foi considerada pela primeira vez há mais de 150 anos, mas seu reconhecimento como documento independente, com sua própria história, teve que esperar até a atual geração de especialistas. Uma razão para essa demora é que por muito tempo os estudiosos do Novo Testamento estiveram obcecados pelo desejo de reconstruir a “vida” de Jesus. Estavam, portanto, interessados no aspecto factual dos evangelhos, mais preocupados com a feição miraculosa deles do que com os ensinamentos que eles continham. Outra razão é que, como Q se reportava a uma fonte escrita que teria sido usada de modo ligeiramente diferente por dois autores (Mateus   e Lucas  ), pareceu a princípio impossível estabelecer um texto unificado para discussão e estudo. Uma terceira razão é que muitos especialistas resistiam à ideia de Q por pensarem que não havia qualquer outro exemplar do gênero na literatura cristã primitiva e, por isso, não podiam imaginar por que os cristãos primitivos teriam escrito tal texto.

Entretanto, com o desenvolvimento do estudo comparativo dos evangelhos, a natureza dos ensinamentos de Jesus finalmente se tornou objeto de análise crítica. Surgiram, então, métodos para reconstruir o texto de Q. Outro exemplar do gênero foi encontrado — o evangelho de sentenças conhecido como Evangelho de Tomé — e os especialistas acabaram se voltando para questões sobre a composição e o conteúdo de Q. Uma breve recapitulação dos momentos mais importantes desse longo processo nos vai ajudar a entender como e por que, afinal, Q emergiu das páginas dos evangelhos narrativos para pôr em questão seus próprios relatos sobre as origens do cristianismo. Neste capítulo, será contada a história da descoberta de Q como texto independente. Nos três seguintes, comentaremos o atual alvoroço com o reconhecimento do gênero de Q e de sua importância para reconstruir a história das origens do cristianismo.