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quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

Perenialistas
Pierre Gordon  : LE MYTHE D’HERMÉS

A etnologia prova que em todos os povos da terra, a fonte da religião e do sacerdócio foi o ritual de morte e de ressurreição, — ritual propagado ao final do neolítico, pela segunda teocracia — através do qual o homem sofria e ainda sofre, entre povos ditos «primitivos» ou incivilizados, um período de reclusão seguido de um segundo nascimento.

A reclusão, ou morte iniciática, era identificada, ontologicamente, com o trespasse orgânico: os neófitos retirados de suas famílias, são chorados como defuntos; frequentemente conduz-se o luto de uma maneira barulhenta e ostentatória. A reclusão se efetuava na caverna de uma montanha sagrada; mais tarde, recorria-se a campos iniciáticos instalados à beira de uma água santa, e os noviços residiam em abrigos de folhagens, possuindo o caráter divino. Atualmente, estas duas modalidades de retiro continuam a estar em uso. Faz-se notar então que a concepção retora é sempre aquela da caverna paleolítica onde foi estabelecido o ritual visado: é no «mundo subterrâneo» que os neófitos passam seu tempo de morte, durante o qual se desprendem da aderência ao mundo fenomenal; o campo iniciático é completamente assimilado à gruta dos tempos recuados; é um lugar de trevas; embora instalado na superfície do solo, constitui um «universo-de-sob-a-terra», um mundo transcendente, onde não se vê mais as coisas em sua aparência física, mas em seu mana - mana energético subjacente; não são mais, em outros termos, os olhos de carne que funcionam, é o «terceiro olho», o olho do pensamento. Eis aí noções correntes em todos os países, entre os selvagens. Elas remontam a milênios: a etnografia procede da pré-história, da qual ela é a continuação e, frequentemente, a degradação.

A ressurreição ou segundo nascimento fazia, e ainda faz, do neófito — tornado um iniciado — um homem totalmente novo. Falava-se, e se continua a falar, como de um recém-nascido. Frequentemente, considera-se que ele não mais conhece os gestos da vida profana. Quando deixa a caverna ou o campo iniciático para voltar a sua família, não sabe mais se expressar, nem comer. Deve tudo reaprender. Faz-se sua educação como se se tratasse de uma tutela infantil. Mesmo o interior de seu corpo foi, se crê, modificado; suas entranhas foram como transubstanciadas por seu contato com um alimento sagrado.