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auto-domínio

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

Perenialistas
Frithjof Schuon  : Schuon Vocação Humana - A VOCAÇÃO HUMANA

Sublimar-se: eis o grande imperativo da condição humana; e há um outro que o antecede e ao mesmo tempo o prolonga: dominar-se. O homem nobre   é o que se domina; o santo - homem santo é o que se sublima. Aí estão as duas dimensões — a horizontal e a vertical — às quais fizemos alusão, falando de injustiças e de provações. A primeira dimensão é a do hombre ordinario - homem terrestre ou exterior; a segunda, a do homem interior - homem celeste ou interior. A obrigação de dominar-se e, principalmente, de sublimar-se, está inscrita na inteligência e na vontade do homem, porque essa inteligência é total e essa vontade é livre. Total e livre, a alma humana não tem outra escolha positiva senão dominar-se para poder sublimar-se. Nossa inteligência e nossa vontade são proporcionalmente comparadas ao Absoluto, de forma que nossa vocação de homem se encontra existencialmente determinada por essa relação, sem a qual o homem não seria o homem. A nobreza e a santidade são os imperativos do estado humano.

O homem deve dominar-se porque, sendo centro, é convocado para dominar a periferia. Se Deus, no Gênese, confere ao homem o domínio sobre todas as outras criaturas terrestres, isto significa que o próprio homem, responsável e livre, deve antes de tudo dominar-se, pois também ele possui em sua alma uma periferia e um centro. Ninguém pode governar os outros sem saber governar-se a si mesmo. O homem é, por definição, um cosmo total, embora reduzido, expresso pelo próprio termo "microcosmo". O espírito deve dominar os pathos - poderes passionais da alma e neutralizar os elementos tenebrosos, a fim de que o microcosmo realize a perfeição do macrocosmo. [1] No plano da experiência comum, é bem evidente que a razão deve dominar o sentimento e a imaginação, e que ela, por sua vez, deve obedecer ao Intelecto ou à fé. Esta última exerce função de Intelecto no não-metafísico, o que não significa de forma alguma que esteja ausente no metafísico. Nele, é o prolongamento psíquico ou a shakti do conhecimento e não um simples credo quia absurdum est. [2] Mas o domínio sobre si também depende de uma realidade extrínseca, ou seja, do fato de o indivíduo inserir-se numa sociedade. Sendo a inteligência humana capaz de transcendência e, por isso mesmo, de objetividade, o homem sai do solipsismo animal e percebe que não é o único a ser "eu mesmo". Daí resulta normalmente, ou vocacionalmente, a virtude da generosidade, por intermédio da qual o homem prova que sua vontade é função direta da totalidade da inteligência: sendo esta última capaz de objetividade e de transcendência, a vontade é necessariamente capaz de liberdade.

Se nossa inteligência nos obriga a dominar-nos porque o superior deve dominar o inferior e porque o espírito em nós mesmos está ameaçado pelas paixões e pelos vícios, a inteligência nos obriga a fortiori a sublimar-nos. Pois essa inteligência, tal como a definimos, percebe necessariamente que o homem não tem a sua finalidade em si mesmo e que, consequentemente, só encontra o seu sentido e a sua plenitude naquilo que constitui a sua razão de ser. A transcendência é apenas o resultado de um raciocínio humano, mas é evidente que o inverso é verdadeiro. Se o homem é capaz de raciocinar segundo os dados da transcendência, e se esse raciocínio se impõe ao seu espírito na medida em que este for fiel à sua vocação, é pelo fato de a transcendência encontrar-se inscrita na própria substância da inteligência humana. Poderíamos até dizer: porque nossa inteligência é feita de transcendência. Nossa theosis - deiformidade implica que nosso espírito seja feito de absoluto, que nossa vontade seja feita de liberdade e que nossa alma seja feita de generosidade. Dominar-se e sublimar-se é retirar a camada de gelo ou de trevas que aprisiona a verdadeira natureza do homem.


Observações

[1Ou do "Homem Universal", como diriam os sufis. O Universo, perfeitamente hierarquizado e equilibrado, acha-se personificado no Profeta.

[2Citamos esta frase de Tertuliano no seu sentido elementar, mas ela é suscetível de uma interpretação mais moderada que a assemelha ao credo ut intelligam de Santo Anselmo. De fato, a linha de demarcação entre o discernimento e a fé é coisa complexa e se repete em diferentes níveis.