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Erigena Conhecimento
domingo 20 de março de 2022
Nicola Abbagnano — História da Filosofia
O CONHECIMENTO HUMANO
O homem interior é uma imagem da Trindade divina. Escoto retoma e desenvolve, à sua maneira, este pensamento de Santo Agostinho . As três pessoas divinas relacionam-se entre si como a essência (ousia - Ousía) a potência (dynamis - Dynamis) e o ato (energeia - Energeia). Na alma humana, a essência é a inteligência ou nous, que é a parte mais elevada da nossa natureza e pode perceber Deus e as coisas nas suas causas primordiais. A razão ou logos corresponde à virtus ou dynamis e refere-se aos princípios das coisas que vêm imediatamente a seguir a Deus. O sentido interior ou dianoia corresponde ao ato ou energeia e diz respeito aos efeitos, visíveis ou invisíveis, das causas primordiais. Este sentido interior é essencial à razão e ao entendimento, apesar de o sentido interior, que se serve dos cinco órgãos e reside no coração , pertencer mais ao corpo do que à alma e perecer com a dissolução do corpo (II, 23).
A estas três partes da alma correspondem três movimentos diversos: segundo a alma, segundo a razão, segundo os sentidos. O primeiro movimento é aquele mediante o qual, a alma se move até ao Deus desconhecido , para além de si própria e de toda a criatura. Através deste primeiro movimento, Deus aparece à alma como transcendente a tudo o que é e como absolutamente indefinível. O segundo movimento é aquele pela qual a alma define o Deus desconhecido como causa de todas as coisas, porque nele estão as causas primordiais. O terceiro movimento é o que diz respeito às razões das coisas singulares. Parte das imagens recolhidas pelos sentidos externos e, a partir dessas imagens, ergue-se até às razões últimas das coisas das quais são imagens. Através deste movimento, a própria imagem sensível transfigura-se. De imagem impressa nos órgãos dos sentidos, transforma-se em imagem que a alma sente em si como própria; é precisamente desta imagem espiritualizada que a alma parte para ascender até às razões eternas das coisas (II, 23).
A correspondência entre a alma e Deus estende-se também àquilo que diz respeito ao conhecimento que a alma tem de si própria. Como Deus é cognoscível através das suas criaturas, mas incompreensível em si próprio, já que nem ele próprio nem outro pode entender que coisa seja, uma vez que não possui um quid , uma essência determinada que se possa entender, assim a alma humana sabe que é, mas de nenhuma maneira pode conhecer aquilo que é. E isto não é um limite ou uma imperfeição da própria mente . Assim como a melhor maneira de aproximarmo-nos de Deus não é a afirmação mas a negação, não é o conhecimento mas a ignorância, porque Deus, não tendo limites, não pode ,ser definido nem restringido a uma essência determinada; também se à alma fosse possível conhecer a sua própria essência, isso significaria a possibilidade de circunscrevê-la e implicaria a sua dissemelhança com o Criador (IV, 7).