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Wasserstrom: Corbin sobre "redenção"

segunda-feira 1º de agosto de 2022

      

Quando se encontrava a própria ‘natureza perfeita  ’, uma nova condição inteiramente renovada repunha a vida estafada do velho mundo. Scholem   expressou esta perfeita renovação em termos de um messianismo judaico  . "O que foi no passado   percebido como um estado   de redenção, principalmente em sua conotação messiânica, torna-se agora a condição única na qual é possível haver uma verdadeira experiência humana. O estado não redimido não mais é digno de ser chamado de humano. O estado redimido está onde começa a experiência humana." Corbin   definiu o corpus   mysticum — em uma frase que ironicamente antecipava o jargão atual — como "paraíso virtual". A história preferida que Corbin usava para exemplificar este ponto adveio de seu encontro com D. T. Suzuki  . Vale a pena   reproduzi-la por extenso:

Gostaria de mencionar minha conversa, que me parece memorável, com D. T. Suzuki, o mestre do zen budismo   (casa   Gabriella, Ascona, 18 de agosto de 1954, na presença da senhora Fröbe-Kapteyn e de Mircea Eliade  ). Perguntamos a ele qual havia sido o seu primeiro contato com a espiritualidade ocidental, e soubemos que cerca de cinquenta anos atrás ele havia traduzido quatro dos trabalhos de Swedenborg para o japonês, tendo sido este o seu primeiro contato com o Ocidente. Mais adiante em nossa conversa, perguntamos que homologias ele encontrou na estrutura   do budismo mahaiana e da cosmologia de Swedenborg, e ainda de sua correspondência no mundo... Claro que não esperávamos uma resposta   teórica, porém um sinal atestando a experiência concreta em uma pessoa   do budismo mahayana e da espiritualidade de Swendenborg. Ainda posso ver Suzuki sorrindo e brandindo uma colher, dizer: "Esta colher agora existe no paraíso..." "Agora, estamos no Céu," ele explicou.

No fim da vida, Corbin passou a chamar esta condição do presente de ‘escatologia percebida’. Em seu ensaio mais revelador, de cunho mesmo confessional e publicado quatro anos antes de sua morte, Corbin extrapolou a partir da evidência dos Pergaminhos do Mar Morto para colocar uma condição universal   do tempo aperfeiçoado:

O tempo dos profetas e das visões proféticas não aconteceu na medida do tempo da História. A reversão imposta por Copérnico foi necessária pela fenomenologia existencial da Imago Templi que estamos tentando elucidar. Confrontado com uma igreja   que se tornar um poder histórico e uma sociedade no tempo deste mundo, o anseio   pelo Templo  ... é o anseio por um tempo que não seja limitado pelo passado e pelo futuro do tempo histórico, porém um nunc de uma Presença eterna. Tal "escatologia percebida" restaurou o Paraíso, restaurou o homem   à sua condição de status celestial.

"A fenomenologia existencial da Imago Templi" é a eterna presença — acessível neste instante  , agora. Assim como na historicidade mística a sequência de momentos no passado converge para o coração   do gnóstico, assim também o futuro é agora presente, eterno. O escatalógico é percebido. O tempo é agora. [Excertos da tradução em português de Dimas David   Santos Silva, do livro de Steven Wasserstrom  , Religion after Religion]


Ver online : Excertos de "Religion after Religion"