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Watts (TV) – Leveza no trato

segunda-feira 5 de setembro de 2022

      

CHESTERTON DISSE CERTA VEZ QUE OS ANJOS   conseguem voar   porque enxergam a si mesmos com leveza. O que se vê é uma quantidade de rostos nublados por uma seriedade   que, se fosse proveniente da dor  , seria compreensível. Mas esse tipo de seriedade que arrasta o homem   para a terra   e mata a vida de seu espírito não é fruto   da dor  , mas de um certo tipo de representação na qual o ator se engana ao se identificar com o seu papel. Há uma seriedade no faz de conta das crianças, mas até isso é diferente, porque a criança tem consciência de que aquilo é apenas uma brincadeira e sua seriedade é uma maneira indireta de se divertir. Mas essa seriedade se torna um vício no adulto, porque transforma a brincadeira numa religião, identificando-se a tal ponto com o seu papel ou posição na vida que ele teme perdê-los. Isso é especialmente verdade quando o indivíduo   não iluminado atinge qualquer nível de responsabilidade  ; ele desenvolve uma falta de leveza no trato, uma ausência de entrega, uma rigidez que indica que ele está usando sua dignidade   como pernas de pau para manter a cabeça acima das adversidades. Seu problema é que, em vez de desempenhar o papel, este é que passa a representá-lo, transformando-o em motivo de riso para todos que veem através de seu disfarce. A mensagem da sabedoria   oriental é que as formas de vida são maias e, por isso, profundamente desprovidas de seriedade do ponto de vista da realidade. Pois o mundo da forma e da ilusão que a maioria toma como real não é mais do que um faz de conta do Espírito, ou, como os hindus definiram, a Dança de Shiva  . Iluminado é aquele que se junta a esse faz de conta sabendo que se trata de uma brincadeira, pois o homem sofre apenas porque leva a sério o que os deuses criaram por diversão. Portanto, o homem só se torna homem quando perde o senso   da leveza dos deuses. Pois os deuses (ou budas, ou o que você preferir) são simplesmente nossa essência mais profunda, que poderia arrasar o universo   num instante   se quisesse. Mas não o faz, e mantém os mundos em movimento   com o divino   propósito de brincar, porque, assim como um músico, é criadora que se deleita em gerar um ritmo e uma melodia  . Assim, participar de sua brincadeira não é um dever  , mas uma alegria  , e quem não enxerga isso como uma alegria não pode brincar nem compreender a brincadeira.


Ver online : ALAN WATTS