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Harada – animale rationale
quinta-feira 13 de outubro de 2022
No pensamento medieval a definição do homem é “animale rationale”, animal racional. Ratio, Racional, aqui, primariamente, não tem tanto a ver com a nossa razão na acepção do “racionalismo”, mas muito mais com Verbum , que é tradução do Logos e Noûs gregos. E animale não se refere ao bruto, ao bicho, mas sim a animus , a din âmica vital do vivente sensível . Animale rationale é na realidade a tradução latina da determinação do ser do homem, em grego, to zoon logon echon : o vivente atinente a logos. Isto significa: a vigência, a animação, cuja vitalidade é ser pertença, atinência fiel e obediente a Logos é o que perfaz a essência, o ente , ou melhor o em-sendo chamado Homem. Esse ser do homem se formula onticamente como: o vivente que tem a linguagem. Linguagem aqui não tanto meio de comunicação, mas mais originariamente a potência da dinâmica criadora em trazer à fala, à concreção, o eclodir do mundo. E Logos aqui entendido mais na acepção arcaica de ajuntamento, acolhida, colheita. Essa significação de colheita, acolhida aparece na conotação existente no termo alemão Vernunft, no alemão medieval de Eckhart vernünftheit, cujo significado vem do verbo vernhemen que mais do que tomar, agarrar “ativo”, acena para o “passivo” receber , colher, dispor-se a acolher. Ratio, rationale portanto diz respeito à vida do homem, à sua essência, ao seu ser, a saber: disposição de acolhida, prontidão obediente e fiel de recepção. Dentro dessa perspectiva podemos interpretar o intellectus do pensamento medieval como potência ou disposição, o ânimo cordial de intelligere. Intelligere se lê inter-legere e de imediato significa ler entre linhas. Na palavra portuguesa ler (em alemão lesen) está a mesma raiz do verbo grego legein (=leg-: ajuntar, colher). E “entre linhas” conota o médium, o inter-meio, a saber, o “espaço” livre, a aberta, a partir e dentro da qual se estruturam as “coisas” que nos vêm ao encontro. Nesse sentido, intelligere, intellectus, intellectualis significam acolher, acolhida, receber, recepção da abertura a partir e dentro da qual nasce, cresce e se consuma a totalidade de um mundo. Por isso o destaque que se dá aqui na definição da pessoa , da natureza racional e intelectual não tem muito a ver com racionalismo ou intelectualismo, muito menos com “cartesianismo!”, mas com um determinado nível da intensidade do ser. Em vez de questionar se aqui se trata da prioridade do intelecto ou da vontade ou do coração , fosse talvez mais útil perguntar: nesse nível da intensidade do ser denominado natureza humana (aqui ânimo racional ou intelectual = logos, noûs) como seria onticamente o que denominamos na psicologia popular de razão, vontade e sentimento como faculdades da alma?
[Nota em HARADA, DA PESSOA, Revista Scintilla]
Ver online : Hermógenes Harada