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Chuang Tzu – o entalhador de madeira

quinta-feira 13 de outubro de 2022

      
Khing, o mestre entalhador, fez uma arma  ção para sinos,
De madeira   preciosa.
Quando terminou,
Todos que aquilo viram ficaram surpresos.
Disseram
Que devia ser obra dos espíritos.
O Príncipe de Lu disse ao mestre entalhador:
«Qual é o seu segredo?»
Khing respondeu: «Sou   apenas operário:
Não tenho segredos.
Há só isso:
Quando comecei a pensar   no trabalho   que me ordenaste
Protegi meu espírito, não o desperdicei
Em ninharias, que não vinham ao caso.
Jejuei, a fim de pôr
Meu coração   em repouso.
Depois de jejuar três dias,
Esqueci-me do lucro e do sucesso.
Depois de cinco   dias
Esqueci-me do louvor e das críticas.
Depois de sete   dias
Esqueci-me do meu corpo Com todos os seus membros.
«Nesta época, todo pensamento de Vossa Alteza
E da corte se esvanecera.
Tudo aquilo que me distraía do trabalho
Desaparecera.
Eu me recolhera ao único pensamento
Da armação do sino.
«Depois, fui à floresta
Ver as árvores em sua própria condição natural  .
Quando a árvore certa apareceu a meus olhos,
A armação do sino também apareceu, nitidamente,
Sem qualquer dúvida.
Tudo o que tinha a fazer era esticar a mão
E começar.
Se eu não houvesse encontrado esta determinada árvore
Não haveria
Qualquer armação para o sino.
«O que aconteceu?
Meu próprio pensamento unificado
Encontrou o potencial escondido na madeira;
Deste encontro ao vivo surgiu a obra
Que você atribui aos espíritos».

Tentemos “ver” o universal   à mão de um texto que descreve como um artesão “viu” a obra perfeita, antes de ela estar diante dele como realização   da realidade. O texto é do pensador chinês Chuang-tzu  , e se intitula O entalhador de madeira, na tradução de Tomas Merton (acima).

Todo fazer do artesão era desprender-se de tudo quanto não era apenas a pura disposição   de deixar ser. Assim, tornou-se límpida e pura transparência do receber  . Esse vazio  , essa suspensão, plena de acolhida, é o pensamento [Cf. razão, intelecto, Vernünfticheit, Vernunft]. Nessa abertura   do receber se dá o que os medievais chamavam de materia ou potentia [1] (a árvore certa) e simultaneamente forma ou actus   (o aparecer   da armação do sino nitidamente) [2]. Materia e forma e potentia e actus na sua simultaneidade é modo de expressar a din  âmica “una” do vislumbre da totalidade (eidos  ) que se manifesta como arquétipo, como exemplar  , uni-versal de toda e qualquer individuação desse protótipo. Aqui, portanto, a espécie (eidos) é vislumbre da totalidade, cuja medida é a plenitude   da unidade   da possibilidade consumada no e do todo [3]. Nesse sentido, repetindo o que já dissemos acima, universal significa literalmente virado, concentrado na acolhida do uno: universo  . A espécie, o eidos, o universal como perfilação compacta, concreta e coerente do ser todo no seu assentamento, na sua insistência na auto-presença do ser, é o que o medieval chamava de substância. Essa subsistência na plenitude do ser é que era captada como coisa indivisível, individua.

Assim, individual, indivisível não tem própria e primariamente a conotação de atômico, fechado em si, portanto também incomunicável, mas sim da consumação da plenitude do todo no seu ser. Assim entendido o “indivíduo  ”, para o medieval, o universal e o “individual” coincidem, dizem o mesmo. Para não confundir esse modo de ser uno, virado, concentrado no uno do todo, portanto do “indivíduo” com o particular oposto ao geral da nossa classificação hodierna usual, usemos para esse tipo próprio do “individual” o termo singular. Desse modo, o universal e o singular coincidem [Harada  , Harada (Eckhart) – indivíduo].


Ver online : CHUANG TZU


[1Hyle, matéria-prima – potentia oboedientialis, a concreção do receber.

[2Não é assim que primeiro ou simultaneamente aparece a árvore e depois ou simultaneamente a armação do sino. A nítida autopresença da armação do sino na sua perfilação concreta é o a priori que determina o material certo para a configuração certa e a maneira de como conduzir a confecção para o seu vir à fala individualizada dessa perfilação concreta. Os gregos chamavam essa perfilação concreta a priori de eidos, que não é ideia, muito menos representação, mas a dinâmica energética do ser consumado (dynamis, energeia, entelecheia): a obra.

[3Não se deve representar aqui o todo ou a totalidade como soma das partes ou conjunto de múltiplas entidades, mas sim como intensidade da consumação, da “compactidade”, “concretude” e “coerência” da identidade como autopresença de si a partir e dentro de si mesmo, como assentamento, insistência no ser. Nesse sentido pertencem essencialmente à totalidade, a imensidão, profundidade e originariedade.