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Kingsley (Reality:83-92) – os "mortais" em Parmênides
sexta-feira 25 de março de 2022
Usando neste fragmento a mesma linguagem que anteriormente, inclusive a frase que se repete: "o que existe para pensar ", assim como a desafiante charada sobre a não-existência do que não é.
A expressão "pondere isto" não é uma linguagem de debate intelectual, mas uma fórmula falada na Grécia pelos oráculos depois de dizer algo obscuro .
Um terceiro caminho aparece, no entanto, além do caminho da existência e da não-existência. Ou seja, primeiro o grande sim para tudo, então o grande não. Agora nos é apresentada uma figura de pessoas que misturam os dois caminhos e criam um fantástico terceiro caminho, que perambula na existência mas ainda sustentando um opção na não-existência, que passam suas vidas tanto no sim como no não; o que resulta no caos .
A referência da deusa a "mortais " quer dizer a humanidade como um todo, ou "todos aqueles que estão não familiarizados com o divino "; "que inconscientemente ficam confusos em contradições porque tomam o mundo cambiante por realidade verdadeira"; que apenas veem suas circunvizinhanças diárias mas não podem ver através delas".
Assim, o poema descreve a nós: não nos damos conta do óbvio; nada sabemos sobre nós mesmos; somos tão confusos que não reconhecemos da descrição de nossa confusão. A acusação comum de que ele criticava outro nesta passagem, Heráclito como alguns imaginam, é absurda pois a crítica é claramente com relação à nossa condição enquanto mortais.
A descrição que faz de nós mesmos é pontuada de humor, ao mesmo tempo. A principal imagem que usa para dar uma ideia de como nós mortais vivemos nossas vidas é: "a inépcia em seus peitos é o que dirige suas mentes vagabundas". O humor fica claro se entendermos que a palavra grega usada para nossa tradução "dirigir" tem o sentido de "direção reta" — condução reta, manter-se habilmente em curso preciso sem desvios. Logo, dirigir e vagabundear são opostos na mesma frase.
Por outro lado, nossa inépcia é o que faz a direção, pois nos dá a ilusão que estamos realmente em controle embora tenhamos perdido qualquer sentido de direção a muito tempo. É isto que Parmênides quer nos dizer: estamos perdidos e, no entanto, nos achamos em controle de nossa direção. O que vem ao encontro da colocação anterior , feita pela deusa, da necessária decisão entre dois caminhos, seguindo aquela direção decidida de modo reto . Mas, estamos em cursos autocorretivos indo a lugar nenhum.
Parmênides escolheu a palavra "inépcia", ao invés de qualquer outra, para evocar a condição humana. Em grego a palavra é "amechania " — que literalmente significa "sem manha ". Era usada para descrever pessoas que foram enganadas e capturadas, sobrepujadas, que estão privadas de quaisquer recursos em uma situação de perdição. Assim refere-se com perfeição ao resultado de uma total falta de metis.
Então Parmênides fala de "direção", o que qualquer grego, seu contemporâneo, sabia que para dirigir cavalos ou um coche — ou um barco através do oceano — era por meio de metis. Para ser capaz de dirigir se devia conhecer todas as artimanhas do caminho ou do mar, ser vigilante, completamente no momento presente . Permitir sua mente divagar não é possível nesta situação. Sempre é uma questão de manter os olhos no caminho adiante; atento a avisos e acima de tudo por algo que pudesse servir de sinal. Mas também era uma questão de se pôr à escuta, estar totalmente alerta em todos os sentidos. Mesmo um minuto de surdez ou cegueira poderia ser a perdição.
Ver online : Peter Kingsley – Reality