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Bernardo de Clairvaux: o barro que és...
sexta-feira 25 de março de 2022
E contempla primeiro a criação, a posição e a disposição das coisas, a saber: quanto poder há na criação, quanta sabedoria em sua disposição, quanta benignidade em sua composição. Vê na criação quantas coisas e quão grandes o foram criadas poderosamente; na disposição, quão sabiamente todas estão colocadas; na composição, de que modo benigno estão unidas as coisas supremas e as ínfimas, com caridade tão amável quanto admirável. Pois a este barro terreno mesclou uma força vital, como nas árvores, de onde surge a beleza nas folhas, a formosura nas flores , o sabor e o remédio nos frutos. E não contente com isto, acrescentou ainda a nosso barro uma força sensível , como nos animais , que não só têm vida como também podem sentir, dotados de uma quíntupla sensibilidade. Quis honrar ainda mais nosso barro, e infundiu-lhe uma força racional, como nos homens, que não só vivem e sentem, como também discernem o agradável e o ingrato, o bom e o mau, o verdadeiro e o falso. Quis também sublimar nossa fraqueza com uma glória mais copiosa, e sua majestade reduziu-se, de modo que o melhor que possuía, isto é, ele mesmo, se unisse a nosso barro, e uniram-se em uma só pessoa Deus e o barro, a majestade e a fraqueza, tanta vileza e tanta sublimidade. Pois não há nada mais sublime que Deus, nada mais vil que o barro; e, no entanto, com tanta magnanimidade Deus desceu até o barro, e com tanta dignidade ascendeu o barro até Deus, que cremos que tudo o que Deus fez nele, o fez no barro; e dizemos que tudo quanto o barro realizou, Deus o realizou nele, em um mistério sacro tão inefável como incompreensível. E note que, assim como naquela singular divindade há Trindade nas pessoas e unidade na substância, assim nesta mescla especial há Trindade nas substâncias, unidade na pessoa; e assim como ali as pessoas não separam a unidade, e a unidade não diminui a Trindade, assim também aqui a pessoa não confunde as substâncias, nem as substâncias dissipam a unidade da mesma pessoa. Aquela Trindade suprema nos mostrou esta Trindade, obra admirável, obra singular entre todas, e superior a todas suas obras. Pois o verbo e a alma e a carne convieram em uma pessoa; e os três são um, e o uno três, não pela confusão da substância mas pela unidade da pessoa. Esta é a primeira e mais excelente mescla; e esta é a primeira entre as três [1]. Atenta, homem , para o barro que és, e não sejas soberbo; para o unido que estás a Deus, e não sejas ingrato. [IN VIGILIA NATIVITATIS DOMINI (sermo III)]
Ver online : SÃO BERNARDO
[1] As três mesclas que concorrem na Encarnação são a de Deus e o homem, a da mãe e a virgem e a da fé e o coração humano.