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Eudoro de Sousa (HC:102-103) – Poema de Parmênides - Caminho do Sol

sexta-feira 25 de março de 2022

      

58. Parmênides percorre o caminho   do Sol, no próprio carro do deus   (daimonos — ver v. 3 — podia referir-se à deusa  -reveladora, mas esta ainda vem longe). E uma interpretação que esclarece o sentido, e se esclarece pelo sentido de algumas passagens do «Proêmio»: o caminho «celebrado» do sol passa «por (sobre) todas as cidades» (v. 3), mas «está bem longe das sendas dos homens» (v. 27); o carro é tirado por éguas «habilíssimas» (v. 4), pois muito bem conhecem o caminho que todos os dias transpõem, de oriente para ocidente, e sempre alcançam a meta de seu desejo (v. 1); as Heliades   (v. 8), divinas filhas do Sol saem das «moradas da Noite» (v. 9) ao encontro do carro de seu pai  . Poder-se-ia supor recearem elas que Parmênides, qual novo Faeton (Burkert  , op. cit.), corresse o perigo de transviar  -se, ou de despenhar-se em algum lugar da terra  , antes de atingir o horizonte  ; mas como o filósofo é um homem   «vidente» (ou «sapiente») — eidota phota (v. 3), isto é, como Heracles, não empreendeu a viagem   sem que fosse previamente iniciado, torna-se mais provável que o procedimento das Heliades decorra do mérito intrínseco da iniciação (o anonimato da deusa também concorre para que se cogite numa iniciação prévia; cf. Burkert, op. cit.). Daí, também, que a deusa-reveladora (vv. 26-27), ao acolhê-lo, diga: «pois não foi a sorte ruim (moira   kake) que por este caminho te enviou» — sorte ruim fora a de Faeton; Parmênides sabe o caminho, desde seu «início». O caminho é o do sol, direito ao horizonte oeste  . Sabemos que para lá da porta   em que, para o lado de cá, se separam os caminhos do dia e da noite, estão as «moradas da Noite». Se escrevemos «noite», uma vez com minúscula e outra vez com maiúscula, é porque, pelo menos desde Hesíodo  , conhecemos a diferença  : noite e dia ocorrem alternadamente no mundo, desde que Céu e Terra se separaram, mas, de uma e de outro, matriz comum é a Noite. Dike   guarda a porta do horizonte extremo. Além dela reside a «forma só» das duas contrárias formas da noite e do dia, das duas contrárias formas do Céu e da Terra (repare-se que na definição dos contrários, no final do frg. 8, cf. supra [1], os qualificativos da Luz e da Noite implicam os que caberiam ao Céu e à Terra: «suave», «ligeiro», contraposto a «denso  » e «pesado»); a Noite é sinal de que, lá, ainda estes se encontram unidos. Em que outro lugar Parmênides entenderia melhor a revelação da unidade   («Via da Verdade») dos contrários («Opinião   dos Mortais  »)? Enquanto escutava a argumentação da deusa, o filósofo via, assistia, ele mesmo, à desocultação do que, para os outros homens, permanecia oculto: de «iniciado», passara a «epopta». Começamos na «Doxa» e terminamos no «Proêmio»; poderíamos dizer com Parmênides: «para mim   é indiferente o donde quer que parta; com efeito, lá voltarei de novo» (frg. 5). A unidade interna de composição é o facto irrecusável: as três partes, são-no, efetivamente, de um todo, que, por sua vez, o não seria, eliminada que fosse qualquer delas. Em plena concordância com Hülscher (cf. nota ao § 54), só nos resta acrescentar o seguinte: se é manifesto   que há um arranque existencial para a «mitologia do horizonte», tão manifesto é que, em Parmênides, do mesmo problema existencial arranca a «metafísica do Ser». E o ponto de arranque é a morte (corrupção); por negá-la, Parmênides pagou o alto preço de também negar o nascimento (geração): «assim a geração é extinta, e ininquirível a corrupção» (frg. 8, 21).


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[1path:/Eudoro-Parmenides-Frag8|§ 53