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Brun: As ideias
sexta-feira 25 de março de 2022
Assim, os números, as figuras geométricas, são ideias, o sensível só pode ser entendido pelo inteligível, o objeto só pode ser definido por uma atividade do juízo; além disso a matemática é apenas uma propedêutica, não nos dá a Justa Medida; importa portanto pormenorizar aquilo que Platão entende por ideia.
Não são só os números, efetivamente, que procedem de uma essência estável. Quando, no Hípias maior, Hípias diz que «o belo é uma bela rapariga» (287 e), dá um exemplo de coisa bela sem ter definido a Beleza; pois, como faz notar Sócrates , também se fala de «bela lira» ou mesmo de «bela marmita»; se uma coisa é bela, é porque existe algo que dá beleza às coisas belas (288 a); é a presença do Belo em si que confere a beleza a tudo aquilo que reconhecemos como tal. Assim, «aquele que reconhece a existência da beleza absoluta (auto kalon ) e que é capaz de apreender ao mesmo tempo essa beleza e as coisas que participam dela, sem confundir essas coisas com o belo nem o belo com essas coisas» (Rep. , V. 476 cd), esse possui uma verdadeira vida e o seu pensamento é um conhecimento. Assim, uma coisa não é bela em si, mas antes porque participa do Belo em si (Fédon, 100 cd) e «a beleza que reside neste ou naquele corpo é a irmã da beleza que reside noutro, e, supondo que se deva perseguir a beleza que reside na forma [...] seria o cúmulo da loucura não considerar como una e idêntica a beleza que reside em todos os corpos» (Banquete , 210 ao). Deste modo, assim como o Lísis (219 c) nos mostrou que indo de objetos amados em objetos amados chegamos a um princípio que não nos deve remeter para outro objeto amado , mas que deve ser o objeto de amor primeiro em vista do qual dizemos que todos os outros são amados, devemos também falar de um Belo em si, dum Igual em si, etc; assim, de cada si podemos falar do seu Real em si, do seu ser (Fédon, 78 d) que permanece idêntico e uno sem alteração. No Parmênides (130 c), Sócrates hesita quando Parmênides lhe pergunta se existe uma ideia do cabelo, da lama, da sujidade, e Parmênides responde-lhe que é por ele ainda ser novo que não sabe o que responder; quando a filosofia se tiver apoderado dele não desprezar á nenhuma daquelas coisas, pois não existe nada vil na casa de Zeus .
De fato, as coisas não são fruto do acaso mas antes de uma ordem , de uma justeza, de uma justiça, de uma arte adaptada à natureza de cada coisa; quer se trate da alma , de um animal , de um corpo ou de um móvel, «a virtude de cada coisa consiste numa ordenação e numa disposição feliz resultante da ordem» (Górgias, 506 d). Podemos desde logo compreender o exemplo célebre das três camas, dado na República (596 o e seg.). Á cama que vemos no quadro do pintor é um quadro aparente, a cama feita pelo carpinteiro é Uma cama particular, mas Deus não é o artesão desta ou daquela cama, é aquele que fez a cama essencial. Deste modo, a ideia insere-se na estrutura do mundo, que lhe dá o seu total sentido.
Por isso a definição de ideia que nos foi transmitida por Xenocrates corresponde de fato ao ensinamento de Platão: «A ideia é a causa que serve de modelo (aitia paradeigmatike) para os objetos cuja constituição se inscreve para toda a eternidade na natureza (citado por Proclus , in Parm., V, 136).