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Timeu

sexta-feira 25 de março de 2022

      

A construção do mundo.
Excertos de Jean Brun  , "Platão"
É a este tema que é dedicado o Timeu  , que Brunschvig chama um «romance físico». Neste diálogo   surgem muitos temas pitagóricos, a ponto de, desde a Antiguidade  , correr uma lenda, relatada por Diógenes Laércio, segundo a qual Platão teria aproveitado uma viagem   ao Egito   para comprar a preço de ouro escritos secretos de Pitágoras e do seu discípulo Filolau, que teria depois plagiado no Timeu.

O mundo foi feito a partir de um «modelo» pelo Demiurgo  . Esse modelo é o vivo em si, o mundo das ideias que permanece eterno e não conhece o devir. A cópia, essa, é aquilo que devêm sempre e nunca existe plenamente. O Demiurgo quis que todas as coisas fossem boas e fez o mundo de maneira a realizar uma obra que fosse, por natureza, a mais bela e a melhor. O mundo nasceu, portanto, da Providência do Deus  .

Esse mundo é um vivo que possui uma Alma  . Para a obter, já o vimos, o Demiurgo misturou o Mesmo e o Outro e obteve assim uma terceira substância; depois de ter misturado essas três substâncias dividiu a Alma do mundo   segundo uma série geométrica pitagórica. Essa Alma do mundo está colocada no centro   do mundo e estende-se através de todo o corpo e mesmo para lá dele (34 b).

O Deus criou então as quatro espécies de vivos: a espécie celeste dos deuses; moldados no fogo  , têm uma face   arredondada e avançam segundo a regra   do Mesmo; ao lado desses deuses verdadeiros estão os deuses das lendas de Homero   e Hesíodo  ; os pássaros constituem a espécie alada que circula nos ares; os peixes a que vive na água; e na terra   está a espécie que anda.

Nesta última inclui-se o homem  . A sua alma é uma parte da Alma do Todo. As almas foram semeadas nos instrumentos do tempo, cada uma no que lhe convinha. O corpo no qual se encontra é uma mistura dos quatro elementos  : a água, o ar, a terra e o fogo.

Mas ao lado do paradigma   eterno e da sua cópia, Platão dá lugar a um «terceiro gênero  » que ele chama de «receptáculo  », «ama», «mãe  », «vaso», «em que» (48 e e seg.), ou seja, a chora. Esta noção de receptáculo e de chora permanece ainda bastante obscura e foi interpretada de modos   muito diferentes pelos comentadores [1]. No entanto, a maioria concorda em ver nela a «extensão», e parece de fato ser isso o «em que» de que nos fala Platão. Importa, no entanto, para compreender essa chora platônica, afastarmos tudo aquilo que essa noção de extensão pode significar, desde Descartes  , para nós em geometria  . A extensão de que nos fala Platão é no fundo aquilo «em que» as coisas estão separadas uma das outras; se repararmos que chora e choris   pertencem à mesma família, talvez conviesse traduzir chora por deslocação, termo que contém ao mesmo tempo uma ideia de localização e a de uma cisão ou quebra que, em Platão, se inscrevem na construção do mundo, profundamente separado do seu modelo musical eterno visto que é rejeitado no tempo.

O tempo é para Platão a imagem móbil da eternidade  , não é uma realidade que se basta a si própria. A verdadeira realidade em si é a eternidade que pertence apenas a esse paradigma a partir do qual se fez o mundo. A eternidade é o modo de ser das ideias que não nascem nem perecem, por isso «a expressão é» só se aplica à substância eterna. Ao contrário, era, será, são termos que convém guardar para aquilo que nasce e progride no Tempo. São de fato apenas mudanças; mas aquilo que é imutável   e imutado não se torna mais velho nem mais novo com o Tempo, e, mesmo que assim fosse, não o é agora nem o ser  á no futuro. Ao contrário, uma tal realidade não traz consigo nenhum dos acidentes que o devir implica para os termos que se movem na ordem   sensível  , mas esses acidentes são variedades do Tempo, que imita a eternidade e se desenvolve em círculos segundo o Número  » (38 a). O Tempo e o devir são o domínio da geração e da corrupção, são eles que imprimem às coisas da terra esse carácter, que lhes retira a permanência e a estabilidade que pertencem apenas ao ser.


[1Limitemo-nos a citar quatro obras essenciais para a compreensão do Timeu: PROCLUS, COMMENTAIRES SUR LE TIMÉE, trad. A.-J. Festugière (4 vols., Paris, 1966-1963). A. E. Taylor, A COMMENTARY ON PLATO’S TIMAEUS. J. Moreau, L’ÂME DU MONDE DE PLATON AUX STOÏCIENS. Th.-H. Martin, ETUDES SUR LE TIMÉE DE PLATON, 2 vol., Paris, 1841; rééd., Nova Iorque, 1976.