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Bréhier (HF) – Justiça e Temperança
sexta-feira 25 de março de 2022
Sucupira Filho
Antes de revelar-se, na República, como reformador da cidade, Platão parece haver refletido sobre a justiça, mais como moralista, à maneira de Sócrates , do que como reformador político. Mostrava que o homem devia ser justo, isto é, respeitador das leis, para ser feliz, antes de provar que só o filósofo podia conceber e promover leis justas. E moralista antes de ser político, contrariamente aos jovens ambiciosos de Atenas, imortalizados no Cálicles, do Górgias, que se entregam à política sem preparação política. Dessa moral platônica, os dois pólos estão por assim dizer, no Górgias, que sustenta a justiça contra o banditismo político, e, no Fédon, para quem a vida filosófica consiste em purificar o corpo.
Vejamos, inicialmente, o primeiro dos dois temas No Críton, Sócrates é retratado como respeitador das leis até morrer . É conhecida a famosa prosopopeia, em que as leis de Atenas mostram a Sócrates tudo o que se lhes deve (50 a). Platão tem o sentimento vivo de que delas dependem, não só a segurança, mas toda cultura moral. Mas as leis, objeta Cálicles, não são simples convenções que os homens comuns fizeram para se defender da avidez dos poderosos? Não consiste a justiça natural em relações de força, e o mais forte não deve possuir autoridade (Górgias,482 c- 484 c)? Que é, portanto, essa força de que fala Cálicles? Será a força física pura e simples? Então, ela pertence ao povo, se este tem força para impor as leis (488 be). É, por conseguinte, a força acompanhada de sabedoria e habilidade , ou mais precisamente, do conhecimento racional da política, e coragem para realizar seus objetivos (491 ad). Mas a coragem, que concede autoridade sobre os outros, implica certa forma interior de coragem, que é a autoridade sobre si mesmo ou temperança. Isso porque o bem não é idêntico ao prazer, e se é preciso escolher entre os prazeres que são úteis, bons e saudáveis, não se chega a eles senão graças á temperança, que introduz certa ordem no corpo e na alma , eliminando os desejos contrários a essa ordem (504 c-505 b). Essa digressão sobre a temperança ou virtude da ordem, afim com a igualdade geométrica, é o ponto culminante do Górgias (508 a). Nessa virtude, que Platão intentara definir em Cármides, encontra-se o fundamento de todas as outras: piedade , justiça, felicidade . A temperança é a atividade regulada pela ordem e opõe-se diretamente à atividade brutal e sem freio de Cálicles. Platão entrevira nesse ponto uma verdade, que se torna, assim, o fundo de sua filosofia, que desenvolverá com energia na velhice (Leis, X, 889 e), atividade a que chama de arte, que escolhe e age segundo regras, e é anterior à pretensa natureza desordenada e desregrada que Cálicles quer seguir. O primado da arte, no próprio coração das coisas naturais e da ordem do mundo, é o postulado de toda política como de toda filosofia platônica. A ordem não é conquista humana sobre as forças desordenadas; é, sobretudo, a base do real, que nos é revelado por intuição intelectual.
Se a temperança, com a técnica que discerne e ordena, é a virtude fundamental, o ascetismo do Fédon e o governo dos filósofos, na República, serão dois aspectos inseparáveis dessa virtude. Se ela não parece ocupar nesses dois diálogos o lugar central que tem no Górgias, a ideia que o inspira, a do valor superior e dominador da inteligência, permanece no ponto de partida. No Fédon (82 e sq.), a investigação da verdade acompanha-se da abstenção dos prazeres: a alma está presa ao corpo pelo desejo, e é forçada a olhar através do corpo, onde se encontra aprisionada; mas a filosofia ensina que a visão e as outras sensações estão cheias de erros; ensina a não acreditar senão nela mesma e em seus próprios pensamentos; e dessa forma separa a alma do corpo, e se abstém, tanto quanto possível, dos prazeres, desejos e penas. A verdadeira virtude consiste em libertar-se de todas as afecções; e nesse sentido, a temperança, a justiça, a coragem e a prudência são purificações (69 a).
Mas, por outra parte, a temperança é também uma virtude que prescreve a ordem; não tem menos importância como técnica positiva do que como regra de ascetismo. A conclusão do Górgias é, a esse respeito, significativa, e anuncia a República. Os homens não se tornarão melhores senão graças a uma técnica científica que nunca possuíram os ilustres políticos de Atenas ou os sofistas que instruem a juventude (513 c - 515 d). Em definitivo, a justiça parece ser agora, não mais como no Críton, a simples obediência do indivíduo às leis de seu país, mas antes, a exigência de uma reforma política completa, sob a conduta de filósofos.
Original
Avant de se présenter, dans la République, comme réformateur de la cité, Platon paraît avoir réfléchi sur la justice plutôt en moraliste, à la manière de Socrate, qu’en réformateur politique. Il a montré que l’homme devait être juste, c’est à dire respectueux des lois, pour être heureux, avant de prouver que le philosophe pouvait seul concevoir et réaliser les justes lois. Il est moraliste avant d’être politique, contrairement aux jeunes ambitieux d’Athènes, immortalisés dans le Calliclès du Gorgias, qui s’adonnent sans préparation à la politique. De cette morale platonicienne, les deux pôles, pour ainsi dire sont dans le Gorgias qui soutient la justice contre le banditisme politique, et dans le Phédon, pour qui la vie philosophique consiste à se purifier du corps.
Voyons d’abord le premier des deux thèmes. Dans le Criton , Socrate était représenté comme respectueux des lois jusqu’à en mourir ; et l’on connaît la célèbre prosopopée, où les lois d’Athènes montrent à Socrate tout ce qu’il leur doit (50a) ; Platon a le sentiment très vif que d’elles dépendent non seulement la sécurité, mais toute culture morale. Mais les lois, objecte Calliclès, ne sont elles pas de simples conventions que les hommes du vulgaire ont faites entre eux pour se défendre contre l’avidité des puissants ? La justice naturelle consiste dans des rapports de force, et le plus fort doit posséder l’autorité (Gorgias, 482c-484c). Qu’est ce donc que cette force, dont parle Calliclès ? Est ce la force physique pure et simple ? Alors elle appartient au peuple, s’il a la force d’imposer les lois (488be). C’est donc la force, accompagnée de sagesse et d’habileté, ou, plus précisément, de la connaissance raisonnée de la politique et du courage pour réaliser ses desseins (491ad). Mais le courage, qui donne de l’autorité sur les choses, implique cette forme intérieure de courage, cette autorité sur soi-même, qui est la tempérance. Car le bien n’est pas identique au plaisir, et, s’il faut choisir entre les plaisirs ceux qui sont utiles, bons et sains, on n’y arrive que grâce à la tempérance qui introduit un certain ordre dans le corps et dans l’âme, en élaguant les désirs contraires à cet ordre (504c-505b). Ce développement sur la tempérance, ou vertu de l’ordre, parent de l’égalité géom étrique, est le point culminant du Gorgias (508a) ; en cette vertu, qu’il avait déjà cherché à définir dans le Charmide, il trouve ici le fondement de toutes les autres, de la piété, de la justice, du bonheur. La tempérance est l’activité réglée par l’ordre et s’oppose directement à l’activité brutale et sans frein de Calliclès. Platon entrevoit ici une vérité, qui fait ainsi le fond de sa philosophie, et qu’il développera avec force dans sa vieillesse , c’est que cette activité qu’on appelle l’art, qui choisit et agit selon des règles, est antérieure à cette prétendue nature désordonnée et déréglée que veut suivre Calliclès. Le primat de l’art, au cœur même des choses naturelles et de l’ordre du monde, est un postulat de toute la politique comme de toute la philosophie de Platon. L’ordre n’est pas une conquête humaine sur les forces déréglées ; il est plutôt le fond du réel, qui nous est révélé par une intuition intellectuelle.
Si la tempérance, avec la technique qui discerne et ordonne, est la vertu fondamentale, l’ascétisme du Phédon et le gouvernement des philosophes dans la République seront deux aspects inséparables de cette vertu ; si elle ne paraît pas occuper dans ces deux dialogues la place centrale qu’elle a dans le Gorgias, l’idée qui l’inspire, celle de la valeur supérieure et dominatrice de l’intelligence, reste le point de départ. Dans le Phédon (82e sq.) la recherche de la vérité s’accompagne de l’abstinence des plaisirs : l’âme est fixée au corps par le désir, et elle est forcée de regarder à travers le corps où elle est comme en prison ; mais la philosophie lui enseigne que la vision et les autres sensations sont pleines d’erreurs ; elle lui apprend à ne croire qu’à elle-même et à ses pensées propres ; ainsi elle détache l’âme du corps, et fait qu’elle s’abstient autant que possible des plaisirs, des désirs et des peines. La véritable vertu consiste à s’affranchir de toutes les affections ; aussi bien que la tempérance, la justice, le courage et la prudence sont des purifications (69a).
Mais d’autre part, la tempérance est aussi une vertu qui prescrit l’ordre ; elle n’a pas moins d’importance comme technique positive que comme règle d’ascétisme. La conclusion du Gorgias est, à cet égard, significative, et elle annonce la République ; les hommes ne seront améliorés que grâce à une technique scientifique que n’ont jamais possédé ni les illustres politiques d’Athènes ni les sophistes qui viennent y instruire la jeunesse (513c 515d). En définitive, la justice paraît être maintenant, non plus comme dans le Criton, la simple obéissance de l’individu aux lois de son pays, mais bien l’exigence d’une réforme politique complète, sous la conduite des philosophes.
Ver online : Émile Bréhier