Página inicial > Oriente > Coomaraswamy (AKCcivi:153) – nascimento universal

Coomaraswamy (AKCcivi:153) – nascimento universal

domingo 13 de novembro de 2022

      

Os esforços desesperados que os eruditos fizeram para explicar esta passagem [“nesse ponto ele está pronto para ser corporificado dentro dos mundos emanados” Katha Upanixade  ], sem fazer exceção ao próprio Sankara   (veja Rawson em Katha Up., pp. 179-180), constituem uma leitura um tanto penosa. Nada pode eliminar a doutrina   de uma essência e duas naturezas, uma mortal   e outra imortal (Brhadaranyaka Upanixade II.3.1 etc). O brâmane mortal é o Atman   que aspira, é o Sol  ; e Agni   é “o nascido multivariadamente”. Quem quer que se torne um brâmane tem, evidentemente, de participar das duas naturezas, da atividade   divina (”a obra eterna”) e da ociosidade eterna (”repouso eterno”). A obra está de fato contida na ociosidade, como finita no infinito  , mas isso não significa que possa ser eliminada; até as potencialidades finitas são essenciais para a infinidade das possibilidades.

O pensamento   veleidoso que leva o exegeta a se desviar   da noção de uma encarnação cósmica incessante baseia-se num engano   em que o nascimento universal   do Espírito é confundido com o nascimento particular de Fulano ou Beltrano como indivíduo  . É do nascimento particular per necessitatem coactionis que os Libertos (mukta) são libertados; o nascimento universal, per necessitatem infallibilitatis, é uma atividade   inseparável da beatitude   divina de que os Libertos participam. Além do mais, exatamente o fato de a existência se estender a todas as coisas está implícito nas designações dadas aos aperfeiçoados, como por exemplo “livres para se movimentar” (kamacarin); e como diz um dos hinos do Siddhantamuktavali, “como o Espírito Beatífico (anandatma), que quando entra nas Trevas (dos mundos infra-solares) nas suas asas de prazer e satisfação, dá vida a todos os mundos e consegue se comportar de modo a ser outra coisa senão o Fim último do homem  ? Não nos enganemos: é o Espírito, é o próprio Eu que ‘viaja por toda parte, de corpo em corpo’” (prati sariresu carati, Maitri Upanixade II.7). A mesma coisa foi expressa por Nicolau de Cusa   quando disse que filiação e deificação implicam “uma remoção de qualquer outra identidade   (ablatio omnis alteritatis = advaita   em sânscrito) e de toda e qualquer adversidade  , e uma resolução de todas as coisas em uma única que também é uma transfusão dessa coisa em tudo” (De Fil. Dei  , citado por Vansteenberghe em Beiträge zur Geschichte des Mittelalters XIV, Caderno 2-4, p. 13, nota 2). Se ser unificado (ekam bhu, em vários trechos), se ser um com a Morte é haver escapado à morte iminente (Brhadaranyaka Upanixade 1.2.7), esta unificação é com alguém que é “Um como é em si mesmo e muitos como é nos seus filhos” (Satapatha Brahmana   X.5.2.16); é uma unificação com alguém que “é indivisível em coisas divididas” (Bhagavad Gita XIII. 16 e XVIII.20) ao mesmo tempo em que “se divide e enche estes mundos” (Maitri Upanixade VI.26). Por isso é impossível pensar numa identificação com a Essência Divina que não seja uma posse das duas naturezas, fontal e influxa, mortal e imortal, formal e informal, nascida e não-nascida. Uma ablatio omnis alteritatis tem de implicar uma participação de toda a vida do espírito, o “Aquele” que é “igualmente aspirado e expirado” (Rg Veda   X. 129.2), “não-nascido  ” eternamente e “nascido universalmente”. [Coomaraswamy (AKCCivi:107-113) – O Caminho do Peregrino]


Ver online : Ananda Coomaraswamy – O que é civilização?