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Bréhier (HF) – Decadência da cidade

sábado 30 de julho de 2022

      

Sucupira Filho

Toda moral, como toda política, consiste em fixar essas relações naturais da maneira mais sólida possível. Mas a localização absoluta é impossível, porque “tudo que nasce está sujeito   à destruição” (546 a). Uma vez alterada a harmonia   complexa da unidade   e da justiça sociais, observa-se uma decadência mais ou menos rápida; e passando por uma série regular de governos, nascidos uns dos outros, a cidade degenera, gradativamente, do governo mais justo ao mais injusto. Não há, para Platão  , outro tipo de evolução natural   e espontânea, senão o deperecimento. Os livros VIII e IX da República, que revelam tantos traços extraídos de sua experiência política e psicológica, não deixam qualquer esperança de deter o movimento  , uma vez que é desencadeado por negligência dos primeiros magistrados da cidade (545 d). Ao estado   de harmonia sucede um estado de cisão e luta  , que marcam, segundo o grau, as diversas formas de governo. As lutas e dissenções civis acompanham-se, além disso, de uma situação de desordem   e desequilíbrio, que encontram correspondência na alma   de cada cidadão. A cada tipo de sociedade corresponde um tipo psicológico.

À melhor constituição não deixa de ocorrer luta entre uma “raça   de ouro e de prata”, que quer manter a virtude e a tradição; e uma “raça de ferro e de bronze”, dominada pelo desejo de lucro. Essa luta termina por uma espécie de lei agrária, onde terras e casas são distribuídas e fixadas em propriedade. Começa o regime de propriedade individual, e com ele a escravidão dos trabalhadores. A casta   dominante converte-se na dos guerreiros, que pouco cuidam do estudo e muito da ginástica e da guerra, casta ambiciosa e zelosa, que se entrega, pouco a pouco, ao prazer das riquezas (546 d - 549 d).

É o domínio dos ricos que caracteriza a terceira forma da cidade, a que Platão chama de oligarquia. O censo é a condição de acesso às magistraturas. A unidade precária do governo precedente desfaz-se de novo. Há, então, na cidade, duas entidades distintas: a dos pobres e a dos ricos; indigência, de um lado; luxo, de outro. E, por toda parte, preponderância, não mais devida à paixão generosa, como nos governos antecedentes, mas aos desejos inferiores. Os pobres, que os ricos são obrigados a armar para defesa da cidade, constituem, além disso, uma preocupação constante (550 c sq.).

O desejo insaciável da riqueza   é causa   da perda dos oligarcas; para enriquecer, mediante a usura  , favorecem a intemperança dos jovens ricos e dos nobres. Os jovens, reduzidos à indigência, mas conservando toda a altivez das origens, são os verdadeiros fautores da revolução, que conduz à democracia: endurecidos pela vida que levam, não hesitam em vencer os ricos, debilitados pelo luxo. A democracia é, essencialmente, a vitória dos pobres; sua palavra de ordem   é a liberdade. Cada qual adota o gênero de vida que lhe apraz. Nada mais variado e menos unificado do que uma democracia como a de Atenas, verdadeiro “armazém” de constituições, onde o político pode encontrar modelos. O homem   democrático interessa-se por tudo, até pela filosofia. Da liberdade nasce a igualdade, uma espécie de “igualdade para os desiguais”, que decorre da ausência de autoridade   (557-563).

O desejo insaciável de liberdade causa a perda da democracia e muda-lhe a forma social em sua contrária, a tirania. Aqueles que presidem aos destinos da cidade não podem usufruir   do poder, exigem cada vez mais, e se convertem em tiranos. O tirano é a antítese completa do guardião da cidade ideal. É, por excelência, o indivíduo completamente isolado, que rompe todos os vínculos com a sociedade, exilando os bons, dos quais tem medo, vivendo em meio a um corpo de guardas, os quais libertou do seu estado de escravidão. A dissociação da cidade atinge o auge; o tirano solta rédeas às paixões mais selvagens, que o homem bem educado não conhece senão em sonho  ; é o indivíduo arvorando-se em absoluto, “sem amigos, sempre déspota ou escravo  , mas ignorando a verdadeira liberdade e a amizade   verdadeira” (563 e - 574 d).

Original

Toute la morale, comme toute la politique, consiste donc à fixer ces relations naturelles de la manière la plus solide possible. Mais l’absolue fixité est impossible ; car « tout ce qui est né est sujet à destruction » (546a). Une fois dérangée l’harmonie complexe qui faisait l’unité et la justice sociales, il y a une décadence plus ou moins rapide, et, en passant à travers une série régulière de gouvernements qui naissent les uns des autres, la cité aboutit par degrés du gouvernement le plus juste au gouvernement le plus injuste. Il n’y a pas, chez Platon, d’autre évolution naturelle et spontanée que cette décadence. Les livres VIII et IX de la République, qui contiennent tant de traits tirés de son expérience politique et psychologique, ne laissent aucun espoir d’arrêter le mouvement, une fois qu’il est déclenché par la négligence des premiers magistrats de la cité (545d). A l’état d’harmonie succède un état de séparation et de lutte, dont les diverses formes de gouvernement marquent les degrés. Les luttes et dissensions civiles sont d’ailleurs accompagnées d’un état de trouble et de déséquilibre correspondant dans l’âme de chaque citoyen ; à chaque type de société correspond un type psychologique.

A la constitution la meilleure succède d’abord une lutte entre « une race d’or et d’argent » qui veut maintenir la vertu et la tradition  , et une « race de fer et d’airain » tout asservie à la recherche du gain ; cette lutte se termine par une sorte de loi agraire où terres et maisons sont distribuées et appropriées ; le régime de la propriété individuelle commence, et, avec lui, l’esclavage des laboureurs. La caste dominante devient celle des guerriers, qui songent peu à l’étude et beaucoup à la gymnastique et à la guerre, ambitieux et jaloux les uns des autres ; et prenant peu à peu le goût des richesses (546d 549d).

C’est la domination du riche qui caractérise la troisième forme de la cité, que Platon appelle oligarchie. Un certain cens est la condition de l’accès aux magistratures. L’unité précaire du gouvernement précédent se défait à nouveau ; il y a dans la cité deux cités distinctes, celle des pauvres et celle des riches ; indigence d’un côté, luxe de l’autre ; et partout la prépondérance est donnée non plus à la passion généreuse, comme dans les précédents gouvernements, mais aux désirs inférieurs. Les pauvres que les riches sont obligés d’armer pour défendre la cité, sont d’ailleurs pour eux un souci constant (550c sq.).

C’est le désir insatiable de richesses qui cause la perte des oligarques ; pour s’enrichir par l’usure, ils favorisent l’intempérance de jeunes gens riches et nobles ; ces jeunes gens réduits à l’indigence, mais gardant toute la fierté de leurs origines, sont les vrais fauteurs de la révolution qui amène à la démocratie : endurcis par la vie qu’ils mènent, ils n’ont pas de peine à vaincre les riches amollis par le luxe. La démocratie, c’est essentiellement la victoire des pauvres ; son mot d’ordre est la liberté ; chacun y mène le genre de vie qui lui plaît ; rien de plus varié, rien de moins unifié qu’une démocratie comme celle d’Athènes, vrai « magasin » de constitutions où le politique   peut venir chercher des modèles ; l’homme démocratique s’intéresse à tout, même à la philosofia. De la liberté naît l’égalité, entendons cette « égalité pour les inégaux » qui est due à l’absence d’autorité (557 563).

Le désir insatiable de liberté cause la perte de la démocratie, et change cette forme sociale en son contraire, en tyrannie ; ceux qui président aux destinées de la cité ne peuvent goûter au pouvoir sans en vouloir toujours plus, et sans devenir des tyrans. Le tyran est toute l’antithèse du gardien de la cité idéale ; il est, par excellence, l’individu complètement isolé, qui rompt tout lien avec la société, exilant les bons dont il a peur, vivant au milieu de gardes du corps qu’il s’est donné en affranchissant des esclaves. La dissociation de la cité atteint là son terme ; l’homme tyrannique est celui qui lâche la bride aux passions les plus sauvages, à celles que l’homme bien élevé ne connaît qu’en rêve ; c’est l’individu se prenant comme un absolu, « sans amis, toujours despote ou esclave, mais ignorant la véritable liberté et la véritable amitié » (563e 574d).


Ver online : Émile Bréhier