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Suzuki (DZNM:67-68) – visão na dualidade?
segunda-feira 26 de setembro de 2022
Evidentemente, essa visão da natureza-própria não é uma visão comum, onde existe a dualidade do sujeito que vê e do objeto que é visto. Nem é um ato especial de ver, que, no entendimento comum, acontece num determinado momento e num determinado lugar. No entanto, existe o fato de ver, que é algo incontestável. Como pode ocorrer tal fato neste mundo de dualidades? Enquanto nos apegarmos (como se diz na linguagem budista) a esta maneira de pensar , nunca nos será possível compreender a experiência zen de ver dentro da natureza-própria. Para compreendê-la, é necessário passar pela experiência e ao mesmo tempo haver uma lógica ou uma dialética — seja o termo qual for — especialmente construída, a fim de dar à experiência uma interpretação racional ou irracional. O fato acontece primeiro, em seguida vem a intelecção. No diálogo reproduzido acima, Chih de Yun-chu fez o que pôde para expressar a sua ideia de ver segundo o modo de pensar da época. Essa expressão pode não satisfazer a nossa atual necessidade de lógica, mas isso nada tem a ver com o fato em si.
Voltando a Hui-neng, o Prajna desperta na natureza-própria de modo abrupto (tun); este termo tun significa não só “instantaneamente”, “inesperadamente” ou “repentinamente”, mas indica também que o ato de despertar , que é ver, não é um feito consciente da natureza-própria. Em outras palavras: o Prajna lampeja a partir do Inconsciente, mas não se separa dele; ele continua inconsciente disso. Isso é o que se quer dizer quando se afirma que “ver é não ver e não ver é ver” e que o Inconsciente ou natureza-própria toma consciência de si mesmo por meio do Prajna — não havendo nessa consciência a separação de sujeito e objeto. Por isso, diz Hui-neng: “Aquele que compreende esta verdade é wu-nien (”sem pensamento”), wu-i (”sem memória”) e wu-chao (”sem apego”). Mas é preciso lembrar que Hui-neng nunca defendeu a doutrina do mero nada ou do nada fazer nem admitiu um dado desconhecido na solução da vida.
Este último tipo de mal-entendido parece ter vigorado pouco depois da morte de Hui-neng ou, talvez, mesmo antes. De certo modo, essa interpretação errônea atrai muitas pessoas que não entendem corretamente o significado da natureza transcendental do Ser-em-si (svabbhava). De fato, esta é a concepção popular da alma . Segundo Hui-chung, cujo longo diálogo com Ling-chiao já foi citado por mim, os seguidores populares de Hui-neng parecem ter chegado ao extremo de alterar o texto do T’an-ching para ajustá-lo à interpretação que faziam do Mestre.
Ver online : D. T. Suzuki