A APOLOGIA DOS SANTOS HESICASTAS
Pergunta: Eles ( certos profissionais da cultura profana ) acham que é erro querer encerrar o espírito no corpo (soma): deveríamos antes expulsá-lo a todo custo. Seus escritos criticam violentamente alguns dos nossos, sob pretexto de que estes aconselham aos principiantes que dirijam o olhar sobre si mesmos e que, por meio da inspiração, introduzam em si próprios o espírito. O espírito, dizem, não é separado da alma (psyche); como se poderia, por conseguinte, introduzir em si o que não é separado, mas unido? Acrescentam que alguns dos nossos falam em introduzir a graça (kharis ) em si pelas vias nasais. Sei que isso é uma calúnia ( pois nunca ouvi nada parecido em nosso meio ) e uma maldade a mais, acrescentada às outras. A quem deforma, inventar custa pouco.
Explicai-me, pois, meu Pai , por que todos cuidamos tanto de introduzir em nós o espírito e não erramos ao encerrá-lo em nosso corpo (soma)...
Resposta de Gregório: ( Nosso corpo (soma), como tal, nada tem de mau; é bom por natureza. O que é condenável é o espírito carnal, o corpo (soma) prostituído ao pecado ). O mal não vem da carne , mas do que a habita. O mal não é o espírito habitar no corpo (soma), mas sim a lei oposta à lei do espírito exercer-se em nossos membros. Eis aí por que nos insurgimos contra a lei do pecado e a expulsamos do corpo (soma), para nele introduzir a autoridade do espírito. Graças a essa autoridade, fixamos para cada potência da alma (psyche) e para os membros do corpo (soma) a sua lei: a cada um, o que lhe cabe. Aos sentidos, a natureza e os limites de seu exercício: essa obra da lei tem o nome de temperança. Para a parte apaixonada da alma (psyche), conseguimos o "hábito " excelente: a caridade (agape ). Resta a parte racional, que melhoramos rejeitando tudo o que se opõe à ascensão do espírito para Deus : essa parte da lei se chama sobriedade (nepsis). Quem purificou o corpo (soma) pela temperança; quem fez do irascível e do concupiscível, pela caridade (agape), ocasiões de virtude (arete ); quem, finalmente, apresenta a Deus um espírito purificado pela oração (euche ), adquire e vê em si mesmo a graça (kharis) prometida aos corações puros... "Trazemos esse tesouro em vasos de argila" ( 2Cor 4,6-7 ), isto é, em nosso corpo (soma). Como, portanto, retendo o espírito no interior do corpo (soma), estaríamos em falta com a sublime nobreza do espírito?
Nossa alma (psyche) é uma essência provida de múltiplas potências; tem por órgão o corpo (soma) animado por ela. Sua potência — o espírito, como a chamamos — opera por meio de certos órgãos. Ora, quem supôs, algum dia, que o espírito pudesse residir nas unhas, nas pálpebras, nas narinas ou nos lábios? Todo mundo concorda em colocá-lo dentro de nós. As opiniões divergem, quando se trata de designar o órgão interior. Uns colocam o espírito no cérebro, como numa espécie de acrópole; outros atribuem-lhe a região central de coração (kardia), a que é pura, sem qualquer sopro animal . Quanto a nós, sabemos, com perfeito conhecimento de causa , que nossa alma (psyche) racional não está dentre de nós como se fosse num vaso — pois é incorpórea; nem fora — pois é unida ao corpo (soma) — mas que está no coração (kardia) como em seu órgão.
Não o herdamos de um homem , mas sim Daquele que modelou o homem: "Não é o que entra pela boca que torna o homem impuro... pois é do coração (kardia) que procedem as más intenções" ( Mt 15,11.19 ). E não é outra coisa que nos diz o grande Macário: "O coração (kardia) preside todo o organismo. Quando a graça (kharis) dominou as pastagens do coração (kardia), ele reina sobre todos os pensamentos (logismos ) e sobre todos os membros. Porque é lá que se encontram o espírito e todos os pensamentos (logismos) da alma (psyche)". Nosso coração (kardia) é, pois, a sede da razão e seu principal órgão corpóreo . Se nos quisermos aplicar em vigiar e em corrigir nossa razão, através de atenta sobriedade (nepsis), não haverá melhor maneira de vigiá-la do que esta: congregar nosso espírito que está fora, disperso pelas sensações, e reconduzi-lo para dentro de nós, até esse mesmo coração (kardia), sede dos pensamentos (logismos). Por isso mesmo, Macário prossegue pouco abaixo: "É para lá, portanto, que se deve olhar, para ver se a graça (kharis) gravou as leis do Espírito". Lá, onde? No órgão diretor, o trono da graça (kharis), onde se encontram o espírito e todos os pensamentos (logismos) da alma (psyche); em resumo, o coração (kardia). Agora avalias, naqueles que decidiram vigiar-se na quietude, a necessidade de reconduzir, de encerrar o espírito no corpo (soma) e principalmente nesse corpo (soma), no mais profundo do corpo (soma), a que chamamos coração (kardia)...
Se "o reino dos céus está dentro de nós" ( Lc 17,21 ), como não se excluiria do reino aquele que deliberadamente se aplica em fazer sair seu espírito? "O coração (kardia) reto , diz Salomão, busca o sentido" ( Pr 27,21 )’, esse sentido que em outro lugar ele chama de "espiritual e divino" ( Pr 2,5 ) e do qual os Padres nos dizem: "O espírito, inteiramente espiritual, é envolvido por uma sensibilidade espiritual; não cessamos de buscar esse sentido, ao mesmo tempo em nós e fora de nós" \
Estás vendo que, se quisermos resistir ao pecado, adquirir a virtude (arete) e a recompensa do combate virtuoso, mais exatamente, a garantia dessa recompensa, o sentimento espiritual, é necessário reconduzir o espírito para dentro do corpo (soma) e de si mesmo. Querer fazer o espírito sair, não digo do pensamento carnal, mas do próprio corpo (soma), para ir ao encontro de espetáculos espirituais, é mesmo o cúmulo do erro grego ( = pagão )... Quanto a nós, mandamos de volta o espírito, não apenas ao corpo (soma) e ao coração (kardia), mas a si mesmo. Os que dizem que
O espírito não é separado, mas unido, podem objetar: "como se poderia fazer vir de volta o espírito?" Ignoram que a essência do espírito é uma coisa e seu ato ( sua energia ) é outra. Na verdade, não são simplórios; ao abrigo de um equívoco, deliberadamente colocam-se entre os impostores... Eles sabem perfeitamente que o espírito não é como o olho, que vê os outros objetos sem se ver a si mesmo. O espírito realiza os atos exteriores de sua função, seguindo um movimento longitudinal, para falar come Dionísio, mas também retorna a si próprio e opera em si mesmo o seu ato, quando se olha: é o que Dionísio chama de movimento circular . É esse o ato excelente ao máximo, o ato próprio, perfeito, do espírito. É por esse ato que ele transcende, em certos momentos, para unir-se a Deus ( Nomes divinos , cap. 4 ).
Segundo são Basílio, "o espírito que não se expande para fora ( ele sai, então! deve, portanto, voltar! escuta o resto: ), volta-se para si mesmo e eleva-se de si mesmo para Deus, por um caminho infalível". Dionísio, o infalível epopta do mundo espiritual, diz que esse movimento do espírito não poderia induzir em erro. O pai do erro e da mentira, que nunca deixou de querer desencaminhar o homem... acaba de encontrar cúmplices, se é verdade que certos indivíduos elaboram tratados nesse sentido e persuadem as pessoas — persuadem até os que abraçaram a vida superior da quietude — de que é melhor, durante a oração (euche), manter o espírito fora do corpo (soma). E isso, a despeito da definição, de João na sua Escada celeste: "O hesicasta é aquele que se esforça para encerrar o incorpóreo do corpo (soma)". Nossos pais espirituais nos ensinaram, todos, a mesma coisa...