"A verdade sobre Deus , quando O encontramos, é (que Ele é) santo", exclamava Al-Hallaj , talvez, dentre os místicos muçulmanos, o que mais de perto se aproximou desse Deus, "bloco de santidade impenetravelmente denso ".
A Índia apreendeu profundamente o numinoso, a ambiguidade , o terror e a alegria do sagrado : desde as deusas arcaicas (fragmentos da grande Mãe neolítica, ambígua como a vida?), bruxas e guardas de crianças; através da Prakriti (prakriti : natureza), tenebrosa, opaca, tumultuosa, mas também dotada de luminosidade translúcida e serena; através do Çakti: poder divino muitas vezes personificado), duro como o destino (karman ) e doce como a graça (prasâda); através de maya [1] enfim, lugar de todo irracional, cósmico ou noáquico (do hebraico Noach, Noé), paradoxalmente definido pelo próprio Çankara como escapando ao mesmo tempo ao ser (sat) e ao não ser (asat ) ; até Içvara, Senhor dos mundos — Vishnu ou Çiva — a quem o adorador murmura: "Tu és Tudo: o bem, és Tu; o mal, também és Tu?" [2].
A passagem metafísica do numinoso à Transcendência se opera sem choques. E esta Transcendência é tal que o Absoluto [3] — o nirgunabrahman (nirauna-brahman : o Brahman sem qualidades) — é plenitude de ser (pûrnam) (pûrna: pleno , completo) para além dos "nomes e das formas", para além dos conceitos. Dele não se pode dizer senão "neti, neti... nem assim, nem assim..."; senão "atita" "para além": O Absoluto é kaivalya (kaivalya: estado de solitude, de pureza espiritual da alma liberta), Solitude pura. Segundo a forma extrema de advaita (a doutrina absoluto) [4], a de Guadapâda e de Çankara), dele nada poderia ser comunicado; nada participado. E assim o universo não poderia existir; o acosmismo que reduz o mundo à aparência de maya: ilusão cósmica) (nem ser, nem não-ser, nem misto de ser e de não-ser, nem esse não-misto) é uma consequência inelutável da posição do Absoluto em puro kaivalya.
A Revelação, no entanto, embora mantendo o sentido do numinoso [5], aguçando-o mesmo, embora mantendo e depurando a transferência metafísica para a transcendência e o indizível [6], ilumina de dentro o "bloco de santidade" cuja densidade infinita cessa enfim de ser "impenetrável".
A qedusha de Isaías, VI, 2 ("Santo, Santo, Santo é Iavé dos Exércitos") é tríplice. E se o profeta não distingue, sem dúvida, com seus olhos mortais , a aurora da Revelação Trinitária, o cristão, que ao tríplice Sanctus, faz eco aos Serafins — no cruzamento dos dois Testamentos, comungando com os dois povos, o de Israel e o das nações, no início do Canon (norma do Sacrifício eucarístico em que se condensa, sempre presente , o mistério do Mediador , Deus-Homem , morto e ressuscitado) — tem plena consciência, ele, cristão, de ter penetrado num mundo radicalmente novo. Acima mesmo das metafísicas e das místicas, o "Deus Vivo" bíblico aí se revela enfim como Santidade de amor. Pois se Deus é Pai, Verbo, Espírito, Ele é, em sua própria unidade indivisível, reciprocidade de Pessoas, que não são pessoas senão por sua própria reciprocidade, sua mútua inerência, sua interioridade din âmica de uma a outra: circum-in-cessão... É pois dom de Si a Si, em Si. E o "Deus é amor" (I Jo. IV, 8) é a definição metafísica de sua existência. Os Três em Deus não fazem número com o Um. O Um é a unidade da "expansão do Um em Três sem divisão, e do recolhimento dos Três no Um sem diminuição" [7] no instante eterno do ritmo divino de processão e de retorno. Este amor hipostático quebra a solidão do Solitário (o Kaivalya do Kevala). O mistério Trinitário — e só ele — esclarece, na obscuridade da fé "per speculum in aenigmate", o outro imprevisível mistério: o da criação. Se a plenitude do Ser não exclui, mas, pelo contrário, inclui — nessa espécie de espaço interior em que se expande e se recolhe — doações constitutivas de Hipóstases distintas, pode entretanto também, como por acréscimo, por bondade pura e por amor, suscitar livremente [8] um vir a ser , ou antes, uma pluralidade de vir a ser a participar, no finito e no tempo, de sua eternidade e de sua essência. . . Criação configurada à imagem e ao ritmo trinitários, em sua estrutura e em sua história [9].
Esta expansão finita da santidade não esgotou o Amor suscitante. Suas Missões — projeções temporais das Processões eternas — introduziram no universo em processo as duas Hipóstases procedentes, manifestadoras do Princípio [10] no mistério de sua auto-revelação: o Verbo de pensamento e o Espírito de amor unificante. Dupla e única efusão de infinita santidade: o Verbo, pela Encarnação; e o Espírito, sob um modo ainda sem nome. O Cristo é "o Santo de Deus" (Marc. I, 24) e o Paráclito é o Espírito de Santidade. O mundo é santificado pela própria santidade do Deus "três vezes santo", pois os Dois Enviados lhe comunicam, em sua kenosis [11], a própria Santidade do Pai.
Esta santidade por participação recebe sua plenitude — finita, que decorre da Plenitude infinita — em Maria e na Igreja .