DEUS (Do gr. theos , o que vê).
A palavra tomou a significação de princípio de explicação de todas as coisas, da entidade superior, imanente ou transcendente ao mundo (cosmos), ou princípio ou fim, ou princípio e fim, ser simplicíssimo, potentíssimo, único ou não, pessoal ou impessoal, consciente ou inconsciente, fonte e origem de tudo, venerado, adorado, respeitado, amado nas religiões e nas diversas crenças. Deste modo, em toda a parte onde está o homem , em seu pensamento e em suas especulações, a ideia de Deus aflora e exige explicações. É objeto de fé ou de razão, de temor ou de amor, mas para ele se dirigem as atenções humanas, não só para afirmar a sua existência, como para negá-la.
Exame do tema de Deus - O nosso saber dos objetos varia segundo a funcionalidade do nosso espírito (nous). Na função da intelectualidade há: um saber da singularidade, que nos é dado pela intuição sensível, diretamente, imediato; e um saber mediato, discursivo, operatório, judicatório, que é o racional. A noesis, na intelectualidade, realiza-se com o objeto, é gnosis, é cum-noscere, conhecer, a qual nos dá um conteúdo, um noema, imagem (imago). Este é singular, por referir-se ao singular, que é próprio da intuição sensível. Há, ademais, um noema racional. O conteúdo noemático é fático no primeiro caso; é eidético (indicando a generalidade), no segundo. A noesis intelectual desdobra-se, portanto, em noesis intuitiva e noesis racional. Toda intuição oferece, num grau maior ou menor, uma noesis racional, a qual a operação racional (com funções discursivas e judicatórias) reduz ao esquema abstrato-eidético, da razão.
A intelectualidade funciona como um todo. Há um saber sensível, da sensibilidade, objetivo-subjetivo, pois é um saber com, um conhecer, que é assimilado aos esquemas do sensório-motriz, do mesmo modo que são assimilados os conhecimentos da intelectualidade aos esquemas intelectuais. Esse saber da sensibilidade, ao tornar-se consciente, pode ser intelectualizado, e serve, portanto, de objeto de conhecimento à operação cognoscitiva intelectual.
Há um saber vivencial, pático (de pathos ), a afetividade, em que a polaridade sujeito + objeto se esfuma para permitir uma maior fusão na vivência, que é um viver com, um saber vivencial das coisas, mas um saber consigo mesmo, em que a vivência é a vivência de si mesma, em que sujeito e objeto se fusionam na phronesis , ato de saber vivencial, pático. Este, que se revela, que se transmite através de símbolos, assim como o intelectual através de conceitos, juízos, etc., nem sempre nos provoca confiança, não nos dá uma evidência objetiva (de vidência, de ver, função que tanto influi sobre a razão), mas oferece uma potência, uma certeza vivencial, uma evidência subjetiva, que é mais uma certeza, com toda a sua gama afetiva. Assim como todo conhecimento da singularidade é intransmissível, pois os conceitos apenas poderão transmitir o geral e não o singular, o saber vivencial pático é intransmissível em sua singularidade, e é "transmitido" pelo símbolo, que é um veículo para a assimilação aos esquemas simbólicos, do intransmissível, do vivencial.
Vejamos as respostas à pergunta teológica: Como conhecermos a Deus?
Não temos um conhecimento sensível, uma intuição imediata sensível da divindade. Deus pode ser captado através dos símbolos, que são todas as coisas. Mas lembremo-nos que o símbolo, quando captado, não é sempre captado como tal. Para saber que algo é símbolo, é necessário saber que tem uma significação. Por isso muitos deles não captados como tais, expressam apenas a sua natureza, valem de per si, nada significando senão a si mesmos, e não representando ao cognoscente o papel de quem está em lugar de... Ora, o símbolo não nos dá a presença atual do simbolizado, mas somente a presença virtual, pois não é ele o simbolizado, mas apenas contém nota ou notas do simbolizado, com o qual se analoga. Portanto, mesmo que se considere o existir como símbolo da divindade, não é o existir, como tal, a divindade , mas apenas um apontar desta. Mas como todo símbolo é análogo ao simbolizado, há entre eles um ponto de identificação não muito remoto. E se não há, o símbolo não é símbolo, mas apenas um pseudo-símbolo.
Por isso poder-se-ia perguntar se há um conhecimento simbólico de Deus através do sensível, já que não se admite a objetivação de Deus como cognoscível através dos esquemas do sensório-motriz. Assim no plano da sensibilidade, como conjunto dos esquemas do sensório-motriz, como funcionamento primário do que em biologia se chama organização, não há tal conhecimento.
Vejamos o símbolo onde pode ser colocado quanto à sua apreensão: na polaridade intelectualidade-afetividade. Examinemos as opiniões sobre o conhecimento humano de Deus.
Restariam dois caminhos para alcançar a Deus: o da intelectualidade e o da afetividade. O primeiro permitiria um conhecimento racional ou intuitivo-empírico, e o segundo, apenas afetivo. Pascal , por exemplo, quando diz: "é o coração que sente Deus e não a razão; eis o que é a fé: Deus sensível ao coração e não a razão", coloca-se na posição afetiva. Toda a vez que alguém afirma que o conhecimento de Deus pelo homem se processa pela afetividade, por uma experiência pática, é classificado como partidário de uma experiência mística de Deus. Os termos mística e místico tem origem no verbo myein, estar fechado, daí myô, eu oculto, mystos, o que penetra no oculto, mystagogos, o que conduz ao oculto. De místico vem mistério (mysterion ), o que permanece oculto, o que é segredo, o que não é revelado, o que exige que alguém procure, comece a procurá-lo, inicie a sua busca, que é o iniciado, o mystos, o que começa a procurar o mistério.
Na linguagem vulgar emprega-se o termo em outro sentido e considera-se místico o que está afetivamente preso a uma ideia qualquer, a qual não é justificada por meio operatórios, racionais. Também se considera como tal a atitude que nega valor à realidade sensível, para devotá-lo totalmente a uma ideia, a um desejo, etc. Em sentido teológico é o que tem um conhecimento direto e experimentalmente afetivo da divindade. É uma intuição, portanto, um captar direto da divindade, vivido; e não um conhecimento operatório, mediato, como o racional. Chama-se de teologia mística a ciência cujo objeto é a experiência mística da divindade, a qual estuda as comunicações diretas entre a alma humana e a divindade.