Como já observamos, a promessa da salvação constitui a novidade e a principal característica das religiões helenísticas. Trata-se certamente, e em primeiro lugar, da salvação individual, mas os cultos din ásticos colimavam um objetivo análogo [1]. As divindades que se julgava terem conhecido a morte e a ressurreição estavam mais próximas do homem do que os deuses políades. O seu culto comportava uma iniciação mais ou menos elaborada (catequese, ritos, ensinamento esotérico), depois da qual o neófito era admitido no conventículo. O pertencimento a uma sociedade de Mistérios não impedia de modo algum a iniciação em outras confrarias secretas. Tal como todas as correntes espirituais da época, a esperança da salvação desenvolveu-se sob o signo do sincretismo.
Com efeito, o sincretismo religioso é a nota dominante desse tempo. Fenômeno imemorial e profusamente atestado, desempenhou o sincretismo importante papel na formação das religiões hitita, grega, romana, na religião de Israel , no budismo Mahâyâna e no taoismo . Contudo, o que caracteriza o sincretismo na época helenística e romana é a sua abertura e surpreendente criatividade. Em vez de revelar desgaste ou esterilidade, o sincretismo parece ser a condição de toda criação religiosa. Já vimos a sua importância no judaísmo pós-exílico. Revelaremos posteriormente um processo análogo em certas criações da Zoroastro - religiosidade iraniana. O cristianismo primitivo também se desenvolve num meio sincretista. É verdade que, na época que ora estudamos, só um deus — Serápis — resulta de uma fusão combinada de duas figuras divinas. No entanto, os Mistérios greco-orientais, as especulações escatológicas e apocalípticas, o culto dos soberanos — para citarmos apenas alguns exemplos — ilustram a importância e o vigor do pensamento sincretista.
Poder-se-ia dizer que as promessas da salvação forcejam por exorcizar o prestígio temível da deusa Tykhe (a "Sorte"; latim Fortuna). Caprichosa e imprevisível, Tykhe traz, indiferentemente, felicidade ou má sorte; manifesta-se como ananke ("necessidade") ou heimarmene ("destino") e mostra a sua força sobretudo na vida dos maiores vultos, como Alexandre [2]. O Destino acaba por ser associado ao fatalismo astral. Tanto a existência dos indivíduos como a duração das cidades e dos Estados são determinadas pelas estrelas. Essa doutrina , e a astrologia — a técnica que aplica os seus princípios —, desenvolvem-se sob o impulso das observações dos babilônios aplicadas às revoluções dos astros. É inegável que a teoria das correspondências micro-macrocósmicas já era conhecida, há muito tempo, na Mesopotâmia ( 24) e em outras partes do mundo asiático. Entretanto, dessa vez, o homem não apenas se sente solidário dos ritmos cósmicos, mas também descobre que é determinado pelos movimentos das estrelas [3].
Essa concepção pessimista não chega a ser desacreditada exceto pela convicção de que certos Seres divinos são independentes do Destino e de que lhe são mesmo superiores. Bel é proclamado o Senhor da Sorte, Fortuna redor. Nos Mistérios de Ísis, a deusa assegura ao iniciado que pode prolongar-lhe a vida além do termo fixado pelo destino. Nos Louvores de Ísis e Osíris, a deusa proclama: "Conquistei o Destino e o Destino me obedece". De mais a mais, Tykhe (ou Fortuna) torna-se um atributo de Ísis [4]. Muitos textos misteriosóficos e hermetistas asseveram que os iniciados já não são determinados pela sorte [5].
Ao contrário da iniciação nos Mistérios de Elêusis, que se realizava exclusivamente no telestêrion e numa data determinada (cf. 97), as iniciações nas outras religiões de salvação podiam efetuar-se em qualquer lugar e em qualquer data. Todos esses cultos iniciatórios proclamavam ser de antiguidade imemorial, ainda que, em certos casos, a sua organização não datasse nem mesmo de um século. Trata-se, decerto, de um clichê próprio do Zeitgeist da época helenística e romana; mas, como veremos, as religiões de salvação reatualizavam certos elementos religiosos arcaicos. Com exceção do dionisismo, todos os Mistérios são de origem oriental: frigia (Cibele e Átis), egípcia (Ísis e Osíris), fenícia (Adônis), iraniana (Mithra). No entanto, na época helenística e sobretudo durante o Império, esses cultos orientais já não tinham um caráter étnico; as suas estruturas e soteriologias proclamavam uma intenção universalista. Conhecemos o essencial dos seus cultos públicos; no que diz respeito aos rituais secretos, isto é, a iniciação propriamente dita, estamos reduzidos a algumas indicações sumárias e enigmáticas.
Sabemos que o postulante se comprometia por juramento a guardar segredo sobre tudo o que veria e ouviria durante as cerimônias. Aprendia, em seguida a história sagrada (o hieros logos ) que narrava o mito da origem do culto. Provavelmente, o mito já era conhecido pelo neófito, mas era-lhe comunicada uma nova interpretação, esotérica; isso equivalia à revelação do verdadeiro sentido do drama divino. A iniciação era precedida de um período de jejum e maceração, depois do qual o noviço era purificado por lustrações. Nos Mistérios de Mithra e de Átis, sacrificavam-se touros e carneiros sobre uma vala coberta por uma grade: o sangue pingava sobre o mystês que ficava embaixo. De uma forma que não foi esclarecida, o neófito participava ritualmente de um argumento litúrgico articulado em torno da morte e da ressurreição (ou do renascimento) da divindade. Em suma, a iniciação realizava uma espécie de imitatio dei . A maioria das indicações fragmentárias de que dispomos refere-se à morte e à ressurreição simbólicas do mystês. Durante a sua iniciação nos Mistérios de Ísis, Lúcio, o herói do romance de Apuleio , as Metamorfoses [6], sofre "uma morte voluntária" e "atinge o reino da morte" a fim de obter o seu "dia de nascimento espiritual" (XI, 21, 24). Nos Mistérios de Cibele o neófito é considerado como moriturus, "o que está para’ morrer " [7]. A essa morte mística sucedia um novo nascimento, um nascimento espiritual. No rito frígio escreve Salústio, os novos iniciados "eram alimentados com leite como se tivessem renascido" (Sobre os Deuses do Mundo, 4). E, no texto conhecido com o nome de Liturgia de Mithra, mas que é impregnado de gnose hermética, podemos ler: "Hoje, sendo de novo gerado por Ti, sendo entre miríades imortalizado...", ou "Nascido de novo para renascer nesse nascimento criador Rig Vida..." [8].
Durante as cerimônias, o neófito contemplava ou manipulava certos objetos sagrados. Era-lhe comunicada, ao mesmo tempo, a interpretação do simbolismo desses objetos; tratava-se provavelmente de uma exegese esotérica que lhes explicitava e justificava o valor salvífico. Em determinado momento da sua iniciação, o mystês participava de um banquete ritual. Na época que nos interessa, essa prática imemorial tinha sobretudo uma significação escatológica [9]. Nos Mistérios de Mithra, o pão e o vinho conferiam aos iniciados força e sabedoria nesta vida, e imortalidade gloriosa na outra [10]. Graças à iniciação, o neófito tornava-se igual aos deuses. Apoteose, deificação, "desmortalização" (apathanatismos) são as concepções familiares a todos os Mistérios [11].