Certa conexão entre Fílon e a teologia Ortodoxa pode ser observada nos Ícones da Trindade . Na iconografia, a Trindade é representada pelos três anjos que apareceram a Abraão prevendo o nascimento de seu filho . Fílon foi o primeiro a a indicar que Abraão usou o singular, ao se dirigir a eles como “meu Senhor”. Fílon os identifica como o Pai do Universo , Deus como poder criativo, e o Senhor como rei. Os herdeiros intelectuais de Fílon em Alexandria foram os platonistas cristãos Clemente de Alexandria e Orígenes; e através deles seu dom para todas as épocas foi o método alegórico de interpretação dos significados profundos do imaginário sagrado na literatura e na arte.
O Senhor apareceu a Abraão próximo à grande árvore de Manre enquanto ele estava sentado na porta de sua tenda. Esta primeira aparição de Deus ao homem é descrita em Gênesis XVIII. O texto nos conta que se deu “no calor do dia” e continua: “Abraão olhou e viu três homens em pé próximos. Quando os viu apressou-se para a entrada de sua tenda para encontrá-los e curvou-se até o chão. Abraão e sua esposa Sara receberam os três homens e prepararam uma refeição especial para eles. Eles predisseram o nascimento de um filho a Abraão e Sara apesar do fato que ela estivesse “além da idade de ter um filho”.
Na perspectiva de nossos tempos tudo isto parece nada mais que um conto. Somente quando descartamos o sentido literal de nossas mentes — como os alexandrinos insistiam — e tentamos descobrir o simbolismo psicológico, começamos a ver o poder da estória e compreender que um mistério interior profundo está sendo descrito.
Porque os três homens apareceram junto a uma árvore e porque se diz que Abraão estava sentado na entrada da tenda? Poderia se pensar que a tenda é de menor significância, tanto quanto o fato de Abraão estar sentado a sua entrada. Mas tratam-se de chaves nos expondo a respeito do estado espiritual incompleto de Abraão. A tenda tem a mesma significância que a ideia em ícones de arquitetura os quais, denotando espaço fechado, nos dizem que o evento não é exterior mas interior e oculto. O que nos é mostrado está realmente tendo lugar na “câmara interior da alma ”; concerne o acesso ao Reino dos Céus o qual, de acordo com Cristo , está “dentro de ti”. A presença da tenda implica que Abraão tinha acesso, ou acesso potencial, a tal “lugar” dentro dele mesmo. Entretanto, ainda não tinha entrado completamente; estava “sentado” — que pode implicar passividade espiritual — “à entrada”. O “calor do dia” pode significar que estava distraído pelas condições e dificuldades externas. Algo mais era necessário para ajudá-lo a aumentar a atividade de suas energias espirituais.
É isto provido pela árvore a qual, de acordo com algumas leituras, é um carvalho, um símbolo tradicional de força? De qualquer modo é neste momento que os três homens aparecem. Abraão lava seus pés com água, que sugere um desprendimento do contrato terreno pois os pés são parte a mais baixa de nós mesmos, as que tocam a terra , i. é., a vida material. A água, através de seus poderes de clareza e purificação, é um símbolo tradicional da verdade.
Abraão então realizou integralmente — como devemos — que a aparição de Deus é um evento espiritual que tem lugar quando fazemos a transição psicológica do mundo exterior para a vida espiritual dentro de nós mesmos (v. metanoia ).
Tais eventos acontecem de acordo com um processo definido que depende de uma energia espiritual crescentemente intensa. A narrativa, desdobrando tal processo, agora acelera. Abraão “apressa-se para dentro da tenda” e diz a Sara para “apressar-se” e preparar pão.
Aqui se falam de detalhes estranhamente precisos, e no caso de quantidade incomum : “Amassa depressa três medidas (seahs, cerca de 22 litros) de flor de farinha e faze pão.”.
Assim pão simboliza a interação coerente de três diferentes elementos unidos para fazer um todo; neste caso farinha, água e fogo . É Abraão e sua esposa Sara que devem levar a cabo este trabalho , não os visitantes que já estão tão perfeitamente harmoniosos que são um só, e aos quais Abraão se dirige como “meu Senhor”.
No reino místico ao qual a alegoria se refere, não há discriminação de sexo nas referências a homens e mulheres. “Homem” e “Mulher” devem ser compreendidos como aspectos ativo e passivo da energia espiritual. Assim Abraão e Sara cujas ações são aqui descritas são dois aspectos diferentes do mesmo indivíduo : Abraão o arquétipo espiritual em lugar da pessoa histórica.
O ícone russo fala exclusivamente na linguagem rarefeita do conhecimento místico. O desenho enfatiza o perfeito acordo dos três homens que, desde o século X, são apresentados em seu aspecto divino, ou seja, como anjos. A quietude de contemplação eterna deles nos passa uma atividade que está tendo lugar fora do tempo e não no espaço tridimensional percebido pelos sentidos. Grande parte dos detalhes da narrativa foram omitidos. Em ambos os lados, no fundo, está a tenda de Abraão (agora uma casa ) e uma montanha . No centro está uma árvore, inesperadamente quieta e calma.
A árvore é o símbolo da vida ela mesma: uma presença silenciosa responsiva à natureza e às leis da criação; sensitiva ao mais leve movimento do ar; nutrindo a atmosfera acima dela e nutrida pela terra abaixo. Representa o ciclo externo de vida e crescimento, de regeneração e transformação. Sua “morte” e “renascimento” anual ecoa o mistério do verdadeiro devir.