Esta doutrina , de perguntas e respostas ao Cristo , está claramente exposta na densa passagem do capítulo XVI de João na qual Jesus anuncia seu próximo retorno. Em verdade, Jesus anuncia sua Paixão, isto é, sua morte e sua ressurreição (v. morte e ressurreição), mas o evangelista transmite este fato em seu sentido interior, oculto.
A quem os discípulos deixarão de ver dentro em pouco, é Jesus, o Cristo manifesto , que não há de tardar em ser “levantado” na cruz; e o que pouco depois “voltarão a ver” é ao Cristo, mas oculto, interior, uma vez que o tenham glorificado, se é que antes foram capazes de olhá-lo transpassado na cruz: “Olharão para aquele que transpassaram” (Jo, 19,37). Este é o sentido oculto de “ver” o Cristo interior.
A ausência de Cristo manifesto, será uma fonte de tristeza , de pranto e lamentação, para os discípulos, mas haverá de converter-se em gozo quando sua alma der à luz ao nascimento nela do homem “de acima” (vv 20-22). É seguro que os discípulos alcançarão a ver o Cristo interior, e então se alegrará seu coração com gozo inesgotável, pois olhar a presença do Cristo oculto é igual a ter alçada a porta para pedir ao Pai em nome do Cristo, coisa que não fizeram até agora. Se pedem em nome do Cristo oculto, “receberão” e seu gozo será satisfeito (vv 22-24). Por isso diz Jesus Jo 16:25-26.
A dupla doutrina do Cristo manifesto e oculto, quer dizer, o ensinamento do Cristo vivo, manifesto em Jesus, e do Cristo preexistente, oculto, cujo Dia viu Abraão porque nele — em Abraão — se fez manifesto em “sua hora”, só pode ser explicada pela ação do Espírito Santo, da qual depende (v 13)
Consolador
Roberto Pla : Evangelho de Tomé - Logion 44
Na profunda e extensa passagem conhecida como “as despedidas”, anuncia Jesus aos que o amam, por conta de sua já próxima morte, que em sua ausência, estará convosco, para sempre, o Espírito da verdade, porque mora convosco e em vós está.
- a saber, o Espírito da verdade, o qual o mundo não pode receber ; porque não o vê nem o conhece; mas vós o conheceis, porque ele habita convosco, e estará em vós. (Jo 14:17)
Não disse que entraria a morar com eles, porque o espírito já estava neles e eles o conheciam, senão que o receberiam como Consolador, isto é, para que o olho visse ao Espírito da Verdade, o ouvido o ouvisse e seu coração encontrasse a sua glória preparada de antemão para ele. Um dado importante acerca disto mesmo dá o apóstolo quando adverte:
- Ou não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo, que habita em vós, o qual possuís da parte de Deus , e que não sois de vós mesmos? Porque fostes comprados por preço; glorificai pois a Deus no vosso corpo. (1Co 6:19-20)
A chegada à alma dos primeiros signos dessa sabedoria escondida de Deus que o Espírito envia, em sua função de Consolador, vai precedida sempre, em todos os casos, dessa poderosa fé interior na qual é necessário crer — Eu sou o que é — para não morrer nos próprios pecados.
- Por isso vos disse que morrereis em vossos pecados; porque, se não crerdes que eu sou, morrereis em vossos pecados. (Jo 8:24)
O adejo do Espírito na consciência advém de muitas maneiras : como o murmúrio de uma fonte inesgotável, como uma chuva mansa de sabedoria bem-aventurada, como o bramido surdo do mar bravo, ou como o zumbido do vento furioso entre as árvores; com isso a alma descobre, passo a passo, o noivo eterno, seu Ser verdadeiro, para ela destinado desde antes de que o tempo fosse. Em seguida a essas núpcias se inunda a alma com o “odor da vida que leva à vida” [Para uns, na verdade, cheiro de morte para morte; mas para outros cheiro de vida para vida. E para estas coisas quem é idôneo? (2Cor 2:16)] e ocorre nela o ato sagrado e inexplicável que a transfigura. O vestido do pecado , a medida errônea, da morte e da ignorância se desvanecem e o que resta dela na intimidade de si mesma, o novo vestido, é o ato do Ser, a verdade do Eu Sou, que resulta ser idêntica ao espírito, ao Filho do homem , ao Cristo eterno e até então habitante oculto.
A chegada inicial desta efusão do Espírito, os primeiros fulgores, é o que Lucas relata nos Atos como ocorrido em um dia de Pentecostes no transcurso de um episódio não isento de figuração simbólica. Esta chuva ardente de sabedoria e bem-aventurança é sem dúvida do “selo”, do Espírito que segundo o apóstolo nos deu Deus como arras em nossos corações, qual o Espírito de Promessa, quer dizer, como antecipação de sua Glória.
- Em quem também vós estais, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação; e, tendo nele também crido, fostes selados com o Espírito Santo da promessa. (Ef 1:13)
Acerca desta antecipação lucana de Pentecostes, preparada para quem pleno de firme convicção contempla com fé amorosa a manifestação de seu próprio Eu Sou, escreve João em seu evangelho, em termos menos espetaculares que Lucas, embora talvez de maior eficácia. Segundo relato joanico, quando Jesus ressuscitado apareceu a seus discípulos, soprou sobre eles e lhes disse: “Recebei o Espírito Santo”.
- E havendo dito isso, assoprou sobre eles, e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, são-lhes perdoados; e àqueles a quem os retiverdes, são-lhes retidos. (Jo 20:22-23)
Não queria isto dizer que o Espírito morava neles desde a eternidade , senão que lhes abria os olhos e ouvidos para que o recebessem em sua alma e encontrasse a glória em seu coração. Este era o sopro de Deus, que desvanece o pecado e revela a medida exata, perfeita de cada um, enviado a Jesus pelo Pai tal como ele o enviava agora aos que acreditavam em seu Eu Sou. Com isso se cumpria a lei segundo a qual o que recebe o sopro deve manifestá-lo, de igual maneira que a lâmpada que não não se deixa no selim senão que se eleva ao candelabro tem por fundamento manifestar o oculto (vide Candeia Acesa).
A necessidade de pôr de manifesto o aroma do Espírito uma vez recebido, é a lei quanto à candeia evangélica. Quando a candeia difunde sua luz é para revelar a quem a contempla a medida própria, a qual corresponde exatamente ao justo e que o libera dos pecados.
É necessário entender que a lei do espírito é conjuntamente, um mesmo e único ato, medida exata do justo e liberação da lei do pecado. Não se trata de dois atos consecutivos senão de um só, da mesma maneira que o ato de beber água acalma a sede embora não fosse este o propósito. Quem recebe o sopro, não em seu primeiro momento como promessas da glória, senão no íntimo de si mesmo , se auto descobre no Espírito e fica livre do pecado. Essa liberdade é o perdão do pecado, a liberação do cativeiro. Pela lei da candeia no candelabro fica então constituído, por delegação do Filho, o novo liberto, em um enviado que pode soprar por sua vez para impulsionar o Espírito sobre todos os que creem, ainda que não vendo.
- Disse-lhe Jesus: Porque me viste, creste? Bem-aventurados os que não viram e creram. (Jo 20:29)
A unidade deste ato do sopro ou unção do espírito e a remissão dos pecados o explica muito claramente o evangelho quando aos discípulos sobre os quais acabava de enviar seu sopro, lhes diz Jesus: A quem perdoares os pecados, estes ficam perdoados. Não diz os ficarão mas os ficam, porque não há uma ato posterior e consequente para a liberdade. O conhecimento da medida própria exata é, por si mesmo, a medida verdadeira e a justiça.
Quem pela fragilidade da fé não recebe o sopro do Espírito Santo sobre ele, segue sendo um pecador, com os pecados retidos até alcançar a fé (pistis) de que o Espírito nele habita; a esta falta de fé se chama no logion "blasfemar contra o Espírito Santo". Com efeito tal pecado, enquanto perdure, é não lograr a liberdade, o perdão, nem no mundo terreno nem no do espírito.
Obra
5 Agora, porém, vou para aquele que me enviou; e nenhum de vós me pergunta: Para onde vais? 6 Antes, porque vos disse isto, o vosso coração se encheu de tristeza. 7 Todavia, digo-vos a verdade, convém-vos que eu vá; pois se eu não for, o Ajudador não virá a vós; mas, se eu for, vo-lo enviarei. 8 E quando ele vier, convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo: 9 do pecado, porque não creem em mim ; 10 da justiça, porque vou para meu Pai, e não me vereis mais, 11 e do juízo, porque o príncipe deste mundo já está julgado. 12 Ainda tenho muito que vos dizer; mas vós não o podeis suportar agora. 13 Quando vier, porém, aquele, o Espírito da verdade, ele vos guiar á a toda a verdade; porque não falará por si mesmo, mas dirá o que tiver ouvido, e vos anunciará as coisas vindouras. 14 Ele me glorificará, porque receberá do que é meu, e vo-lo anunciará. 15 Tudo quanto o Pai tem é meu; por isso eu vos disse que ele, recebendo do que é meu, vo-lo anunciará. 16 Um pouco, e já não me vereis; e outra vez um pouco, e ver-me-eis. (Jo 16:5-16)
v 7 Todavia, digo-vos a verdade, convém-vos que eu vá; pois se eu não for, o Ajudador não virá a vós; mas, se eu for, vo-lo enviarei.
O que diz Jesus é que ele deve consumar sua obra segundo o plano divino, que consiste em Paixão, morte e ressurreição, para chegar à glorificação do Filho do Homem. A consumação trará como consequência a ausência imediata do Cristo manifesto no mundo; mas essa ausência convém aos que o seguem, porque o caminho completo que há de cumprir Jesus é um paradigma para todos.
Quem saiba “olhar” ao Filho do Homem “levantado” (gr. hypsoo = elevar, levantar; em forma figurada: glorificar) na cruz, e crer, “viver á”, porque ficará facultado para “receber” o Espírito Santo “enviado” pelo Filho que está junto ao Pai.
Mas é necessário aprender a “olhar” a Jesus na cruz, “transpassando” o que se olha, para ver, através dele o ungido, ao Filho do Homem. Por isso recorda o evangelista o que diz a Escritura: “Olharão ao que transpassaram”. Só os que alcançam a “transpassar” a Jesus quando o olham levantado na cruz, “verão” ao Filho do Homem.
vv. 8-11. 8 E quando ele vier, convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo: 9 do pecado, porque não creem em mim; 10 da justiça, porque vou para meu Pai, e não me vereis mais, 11 e do juízo, porque o príncipe deste mundo já está julgado.
O Paracleto é sempre o Espírito Santo que há de guiar ao homem até a verdade completa. Uma vez pousado sobre o seguidor de Cristo, começa o Paracleto a cumprir sua obra que consiste em ungir de “verdade” o espírito do homem. A unção prolongada, permanente, é o Espírito que se une ao espírito e o leva a verdade enquanto ao mundo, porque o mostra a verdade do não mundo.
Assim, frente ao não crer característico do mundo, advém no homem a fé confiada e firme em que o Filho do Homem, sabedoria e vida eterna, pôs em todo homem sua morada , e ali está, qual semente pronta a dar seu fruto . O não crer isto é o pecado, a deficiência essencial do homem.
Assim se descobre a justiça, segundo a qual o Cristo manifesto no mundo subir á (subiu já) ao Pai; e ele mesmo é o Cristo oculto, invisível, mas perceptível, como um aroma, pela consciência desperta, pois ele é o espírito do homem uma vez que este é ungido pelo Espírito.
Assim ocorre que o juízo verdadeiro o formula o ungido, que condena ao mundo, porquanto descobre por si mesmo que a vida não é do mundo, senão que o mundo a “vive” como um empréstimo transitório cedido pelo Espírito.
vv. 12-13a 12 Ainda tenho muito que vos dizer; mas vós não o podeis suportar agora. 13 Quando vier, porém, aquele, o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a verdade.
O Espírito Santo, o Paracleto, é o que guia até a verdade completa, pois a verdade só se descobre a partir das perguntas do homem que se interroga a si mesmo, quando espera através do “si mesmo” a resposta do Espírito no qual crê.
Em geral, as perguntas ao si mesmo, são perguntas sem fé de resposta e costumam cair no vazio . No entanto, quando o homem crê no Espírito que “nele mora e nele está”, formula suas perguntas com dé de resposta. Em tal caso a resposta não falta jamais.
Esta atitude é a que jesus denomina, convencimento do mundo no referente ao pecado. Não crer isto é o pecado e crer isto, libera por si só do pecado e da ignorância que é seu fundamento.
vv. 13b-14 porque não falará por si mesmo, mas dirá o que tiver ouvido, e vos anunciará as coisas vindouras. 14 Ele me glorificará, porque receberá do que é meu, e vo-lo anunciará.
O que fala o Paracleto é sempre e unicamente em resposta à pergunta — silenciosa ou não, formulada expressamente ou não — que o homem se faz a si mesmo. Isso é “o que ouve”; mas isso exige uma aprendizagem, uma técnica de perguntar com dé e sossego, pois foi dito: “Tira a pedra de hoje, esquece e dorme”.
Mas a resposta do Espírito não nasce dele, pois o Espírito é o “sopro” no qual Cristo oculto se faz manifesto pouco a pouco. O Espírito recebe ao Filho e com ele cavalga para converter ao homem em “enviado” ungido por ele, pois o comunica sua glória; essa Glória que é do Pai, que nela se reveste, e também do Filho.
Esse resultado é o que busca Jesus, pois é o cumprimento de seu ensinamento.
O que chega à consciência do homem é o sopro, “um vento que sopra onde quer, e ouves sua voz, mas não sabes donde vem nem aonde vai”. Mas nesse sopro “cavalga” o Filho do Homem que vem do Pai, pleno de Glória.
Este fato se interpreta como “nascer do Espírito”, e da explicação completa ao logion do evangelho: “Dentre de pouco me vereis e pouco depois me voltareis a ver”.
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16 E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Ajudador, para que fique convosco para sempre. 17 a saber, o Espírito da verdade, o qual o mundo não pode receber; porque não o vê nem o conhece; mas vós o conheceis, porque ele habita convosco, e estará em vós. 18 Não vos deixarei órfãos; voltarei a vós. 19 Ainda um pouco, e o mundo não me verá mais; mas vós me vereis, porque eu vivo, e vós vivereis. 20 Naquele dia conhecereis que estou em meu Pai, e vós em mim, e eu em vós. 21 Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama; e aquele que me ama será amado de meu Pai, e eu o amarei, e me manifestarei a ele. 22 Perguntou-lhe Judas (não o Iscariotes): O que houve, Senhor, que te hás de manifestar a nós, e não ao mundo? 23 Respondeu-lhe Jesus: Se alguém me amar, guardará a minha palavra; e meu Pai o amará, e viremos a ele, e faremos nele morada. Jo XIV, 16-23
Roberto Pla
v. 16 Ao dizer “outro” indica Jesus uma dualidade, que se pode interpretar, segundo se verá, como o Espírito que “ungiu” a Jesus, de onde este foi Cristo (manifesto); e o Espírito, pronto a ungir aos que o “recebem” e entretanto e por conseguinte, “oculto”.
Por outra parte, o plural dos destinatários e dado que o auxílio soteriológico do Paracleto deve entender-se que alcança a todos, pois em todos “mora e está”, sugere que o Espírito se acha difundido em todos e embora aponte nesse sentido uma pluralidade de receptores, não nega a unidade de ser um só espírito.
Também, quando Jesus diz “outro Paracleto”, se subtende que a partir do momento no que Jesus disse: “O Espírito do Senhor sobre mim, porque me ungiu”, começou enquanto Cristo manifesto a exercer a função de Paracleto (auxiliador) ao derramar em ensinamentos sobre seus seguidores os frutos da unção que ele havia recebido.
Quanto a sua petição ao Pai, feita em qualidade de Filho, de ser “uno com o Pai”, serve para garantir a continuidade da ação reveladora de Jesus, o Cristo manifesto por obra do Espírito que o ungiu, e a ação reveladora direta do Espírito sobre todos os que o recebem. É o Filho, instituído Filho do Homem, Cristo “oculto” em todos os homens, pela revelação do Espírito, a garanti dessa continuidade.
vv 16-17 para que esteja convosco, para sempre, o espírito da verdade, a quem o mundo não pode receber, porque não vê nem o conhece. Mas vós o conheceis, porque mora em vó e em vós está.
Que o Espírito de Deus habita em todos e cada um dos homens, é o ensinamento capital da Boa Nova, e isso não necessita comentário. Mas só os que o “recebem”, os que unem o Espírito a seu espírito, alcançam vê-lo e conhecê-lo.
Esta obra se cumpre com os discípulos de Jesus, os quais o recebem, se o veem e o conhecem, é porque eles “não são do mundo”, pois do contrário, tal como sucede com quem são do mundo, não o puderam receber.
Se ao Espírito o denomina aqui Jesus “o Espírito da verdade” é porque o nomeia pela função que exerce, e que consiste em guiar ao homem “até a verdade completa”, coisa que Jesus deseja que seja para sempre.
vv 18-19 Não os deixarei órfãos: voltarei a vós. Dentro de pouco o mundo há não me verá, mas vós se me vereis, porque eu vivo e também vós vivereis.
Ao dizer “voltarei a vós”, revela Jesus sua identidade com o Espírito Santo . Se pôs sobre ele o Espírito e o ungiu, e a partir de então foi Jesus o Cristo manifesto, pleno do Espírito de Deus, que agora se ausentará do mundo. Mas ninguém ficará órfão, porque a semente semeada de cada homem, poderá culminar em sua frutificação merce à unção do Espírito. Disseminado em muito, o Espírito de Deus será em cada homem que o “recebe”, o outro Paracleto, o que o auxiliará para dar à luz, nele, ao nascimento interior, oculto, do Cristo. isso significa “voltarei a vós”.
Quando Jesus, o Cristo manifesto, seja glorificado por conta de sua morte e ressurreição, será “visto” pelos que o amam, mas não só em umas aparições exteriores tal como explica a exegese manifesta, senão sempre, porque a presença do Cristo oculto é inesgotável nos que alcançam a Vida eterna que os traz a unção do Espírito, e “estão vivos como ele”.
v 20 Aquele dia compreendereis que u estou em meu Pai e vós em mim e eu em vós.
A locução "aquele dia" não é uma expressão de ordem cronológica (v. Dia), senão uma maneira de designar o acesso à luz da Glória do Pai e do Filho. Ademais da Vida eterna, ali está o conhecimento da unidade perfeita do Pai, o Filho e o espírito do homem. A unidade perfeita consiste em que o espírito do homem é perfeitamente uno no Filho, como o Filho é perfeitamente uno no Pai. O conhecimento perfeito dessa unidade está reservado aos que o Espírito ungiu. Eles, convertidos em Cristo oculto, descobriam sua unidade perfeita com o Cristo manifesto.
v 21 O que recebeu meus mandamento e os guarda, esse é o que me ama; e o que me ame será amado do Pai; e eu o amarei e me manifestarei nele.
Que o amor ao Filho consistem em receber e guardar seus mandamentos, é fácil de entender, porque seus mandamentos se fundam na unidade que nasce do amor; por isso se entende também que é o amor ao Filho o que engendra o receber o amor do Pai. Mas resulta menos comum, ainda que não menos certo, que quando o homem ama ao Cristo interior, oculto, o Filho se manifesta nele.
Isto de que Cristo oculto é um desconhecido para o que amam o mundo e se manifesta para os que o amam e guardam sua palavra, é o motivo da pergunta que depois formula o discípulo Judas — não Iscariotes —. O que sem dúvida quer dizer Jesus é que o que ama ao Filho que permanece oculto em seu si mesmo, e guarda sua Palavra que nele foi semeada, alcançará que a Glória do Pai e do Filho se manifestam nele, posto que “não há nada oculto se não é para que seja manifesto”.
Esta é a manifestação do que era oculto e logo manifesto para o que ama, ainda que se siga sendo oculto para o mundo. A ordem é esta: primeiro vem a doutrina do que pensa que não há nada oculto, senão tudo manifesto; depois vem a intuição do oculto e o buscar-lhe, e por último, por causa do amor do Filho, o que era oculto se manifesta.
Isto é o que afirma Jesus a respeito da Glória do Pai e do Filho. Sua morada é preexistente no homem, mas oculta, ignorada por muitos, como a pedra angular que foi desprezada. Logo, o que o ama e guarda sua Palavra descobre o oculto, ao final, e o que faz manifesto, e isto é reputado como “vir”, ainda que já estava.
Por isso diz Jesus:
“Meu Pai o amará
e veremos a ele,
e faremos morada nele” (v. 23).
Joaquim Carreira das Neves
O termo PARÁCLITO aparece apenas em João (na 1 Jo 2,1 refere-se ao próprio Jesus) e de mãos dadas com o ESPÍRITO SANTO.
A luz da filologia grega, Paráclito pode ter duas procedências. Pode derivar do verbo parakaleô, que significa "chamar para" o lado de alguém, isto é, alguém que esteja ao lado do inocente para provar a sua inocência. Neste sentido, é o "advogado" ou "defensor" do inocente. Mas pode derivar de paraklèsis, que significa "exortação" e "encorajamento". Neste sentido é o "consolador". O significado próprio depende do contexto e não apenas da etimologia.
O Paráclito aparece apenas nos discursos de Adeus e por seis vezes.
No primeiro texto, em 14,16-17, Jesus diz: "Eu apelarei ao Pai e ele vos dará outro Paráclito para que esteja sempre convosco, o Espírito da Verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê; vós é que o conheceis, porque permanece junto de vós, e está em vós." Neste texto, o Paráclito será dado pelo Pai, mas a pedido de Jesus. Se Jesus diz outro Paráclito significa que o primeiro Paráclito é o próprio Jesus. E trata-se de "outro" porque Jesus vai deixar os seus discípulos, mas não quer que fiquem tristes ou desprotegidos. Logo, o significado de Paráclito é o de consolação (Consolador). Este Paráclito estará "sempre com eles" e chama-se também o ESPÍRITO DA VERDADE. O genitivo "da verdade" é um genitivo objectivo, de modo que o Espírito é a mesma Verdade. Os discípulos devem saber que possuem a "verdade" que Jesus lhes pregou e que vai ser testemunhada pelo Espírito. E uma verdade que o mundo da não-fé não pode receber, mas que o mundo da fé dos discípulos bem conhece porque Jesus a revelou. Assim sendo, o Paráclito/Verdade "permanece neles e está neles". Este Paráclito/Verdade continua as funções do Jesus histórico de João após a sua morte.
No segundo texto, em 14, 25-26, Jesus diz: "Fui-vos revelando estas coisas enquanto tenho permanecido convosco; mas o Paráclito, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, esse é que vos ensinará tudo, e há-de recordar-vos tudo o que eu vos disse." Uma vez mais, o Paráclito vai substituir a pessoa de Jesus, mas agora como revelador. O fato de ser "revelador" afasta-se da etimologia acima referenciada. Também se chama Espírito Santo, e também é enviado pelo Pai em nome de Jesus. Como revelador, ensinará tudo, que o mesmo é dizer, "recordará tudo o que Jesus disse" aos discípulos. Os verbos "revelar", "ensinar" e "recordar", neste contexto, são sinônimos.
No terceiro texto, em 15,26, o conteúdo e a relação entre o Paráclito, Jesus e o Pai, já são um pouco diferentes dos dois textos anteriores: "Quando vier o Paráclito, o Espírito da Verdade, que procede do Pai, e que eu vos hei-de enviar da parte do Pai, ele dará testemunho a meu favor." Como em 14,15, o Paráclito é apelidado "Espírito da Verdade", mas a sua procedência emana diretamente do Pai, embora, logo a seguir se afirme que é Jesus quem o "envia da parte do Pai" para "dar testemunho a seu favor". O interesse da afirmação reside no "testemunho" do Paráclito a favor de Jesus. Desta forma, o Paráclito nem é o "advogado", o "consolador" ou o "revelador", mas o "companheiro" eterno de Jesus, que o conhece, de modo a poder testemunhar sobre a verdade do mesmo Jesus. E é importante a afirmação que se segue sobre o testemunho dos discípulos no v. 27: "Por isso (kai de origem e de finalidade), também haveis de dar testemunho, porque estais comigo desde o princípio." Jesus envia aos discípulos o Paráclito que procede do Pai para que eles deem testemunho. O testemunho do Paráclito é o mesmo que o dos discípulos e vice-versa, se bem que a origem de tal testemunho não é humana mas "divina".
O quarto texto, em 16,7 apresenta uma afirmação muito concreta e concisa: "é melhor para vós que eu vá, pois, se eu não for, o Paráclito não virá a vós; mas, se eu for, eu vo-lo enviarei." Nada se diz da procedência do Paráclito, mas tão somente do seu envio aos discípulos da parte de Jesus com a missão de "dar ao mundo provas irrefutáveis de uma culpa, de uma inocência e de um julgamento " (v.8). O papel do Paráclito é ser "advogado" de Jesus no tribunal do mundo contra os judeus que julgaram à morte o inocente (v.8b), que não acreditaram nele (v.9a), nem perceberam que o "príncipe deste mundo já fora condenado" (v. 11).
O quinto texto, em 16, 12-15, é o mais extenso e tem a ver com o Paráclito como "revelador" da verdade completa da pessoa de Jesus: "Tenho ainda muitas coisas a dizer-vos, mas não sois capazes de as compreender por agora. Quando ele vier, o Espírito da Verdade, há-de guiar-vos para a verdade completa." O texto não refere o nome do Paráclito, mas apenas o do Espírito da Verdade. Também não refere a sua procedência, nem em relação ao Pai nem a Jesus, mas o que se afirma nos vv.13b-15 é extremamente revelador: v. 13b: "Ele não falará por si próprio, mas há-de dar-vos a conhecer quanto ouvir e anunciar-vos o que há-de vir. v. 14 Ele há-de manifestar a minha glória, porque receberá do que é meu e vo-lo dará a conhecer, v. 15 Tudo o que o Pai tem é meu; por isso é que eu disse:’Receberá do que é meu e vo-lo dará a conhecer’." Afirmar que o Espírito da Verdade depende em tudo de Jesus ("Ele não falará de si próprio "..."Ele há-de manifestar a minha glória, porque receberá do que é meu") é normal em relação às afirmações anteriores, mas já não é tão normal a afirmação inaudita sobre o Pai: "tudo o que o Pai tem é meu", embora tal afirmação tenha em vista corroborar a revelação do Espírito Santo relacionada com a pessoa de Jesus: "por isso é que eu disse:’Receberá do que é meu e vo-lo dará a conhecer." A fonte de toda a revelação do Espírito da Verdade, neste texto, não dimana do Pai, mas do Eu de Jesus. Até o Pai está na dependência de Jesus. Não se trata, certamente, duma afirmação de lógica de dogmática "trinitária", mas de lógica de circularidade "triádica". Só com as categorias lexicais da filosofia grega da ousia (substância) e da physis (natureza) é que podemos falar de Deus Uno e Trino.
O papel de "revelador" do Espírito de Verdade neste texto também apresenta o subtema do "profeta": "Ele não falará por si próprio, mas há-de dar-vos a conhecer quanto ouvir e anunciar-vos o que há-de vir." Este último aspecto é importante porque a ação do Espírito da Verdade deixa de se centrar no mistério da pessoa de Jesus para passar ao mistério da própria história e Igreja (comunidade dos crentes) na sua dimensão profética: "anunciar-vos o que há-de vir."
Os exegetas sempre se têm interrogado sobre a origem deste Paráclito. Tendo em vista o contexto, é fácil percebermos porque é que João cria o designativo "divino" "Paráclito". Uma vez que Jesus anuncia aos discípulos que os vai deixar, e não quer que fiquem tristes, promete-lhes um "outro Paráclito" (14,16:"E eu apelarei ao Pai e ele vos dará outro Paráclito para que esteja sempre convosco."). Assim sendo, o Paráclito é o "alter-ego" do mesmo Jesus, ressuscitado e exaltado, ou, por outras palavras, a nova presença do Jesus ressuscitado. E também este o sentido da 1Jo 2,1, e, indiretamente, de Rm 8, 33-34 ("Quem irá acusar os eleitos de Deus? Deus é quem nos justifica! Quem irá condená-los? Jesus Cristo, aquele que morreu, mais, que ressuscitou, que está à direita de Deus e que intercede (verbo entugchanô) por nós; cf. Hb 7, 25 e 9, 24). Este tema vai depois recebendo novos desenvolvimentos "teológicos" consoante os diversos textos: Jesus, como Paráclito ressuscitado, é o emissário do Pai e pede ao Pai que envie um seu substituto (14, 26) que continue a sua ação no grupo dos crentes. Como Paráclito e Espírito Verdadeiro é, ao mesmo tempo, o Intercessor, o Auxiliador e o Revelador (14, 26: "esse é que vos ensinará tudo, e há-de recordar-vos tudo o que Eu vos disse...15, 26: dará testemunho a meu favor...16, 14: ...receberá do que é meu e vo-lo dará a conhecer").
Por trás desta doutrina está uma praxis cristã — sentido etiológico (justificativo) — das comunidades joanicas que sabiam que estavam a viver os tempos escatológicos do Espírito Santo prometido pelos profetas. Tratava-se de comunidades "pneumáticas", diferentes das comunidades "carismáticas" da 1Cor 12 e 14. Não se trata de experimentar sensivelmente os carismas, mas de viver do mundo novo do Espírito a nível de "essencialidade" e não de "sensibilidade" (cf. 3, 6-8; 4, 23-24; 6, 63). Os cristãos joanicos são mais "místicos" do que os cristãos da tradição sinóptica. E o mundo novo da salvação que acaba de aparecer e apresentar uma escatologia realizada. E é sempre o Pai que envia este Paráclito/Espírito Santo/Verdadeiro Espírito (Espírito da Verdade). A esta corrente teológica sobrepõe-se depois ou simultaneamente a outra corrente: é o próprio Jesus ressuscitado/exaltado que dá ou envia o Paráclito/Espírito (15, 26; 16, 7). [Excertos de "Escritos de São João"]
Testemunho
26 Mas o Ajudador, o Espírito Santo a quem o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas, e vos fará lembrar de tudo quanto eu vos tenho dito. (Jo 14:26)26 Quando vier o Ajudador, que eu vos enviarei da parte do Pai, o Espírito da verdade, que do Pai procede, esse dará testemunho de mim; 27 e também vós dareis testemunho, porque estais comigo desde o princípio. (Jo 15:26-27)
Roberto Pla: Evangelho de Tomé - Logion 92
v 26 Quando venha o Paracleto, o Espírito da verdade, que procede do Pai e que eu os enviarei de junto ao Pai, dará testemunho de mim.
Este versículo é paralelo, ou complementário de 14, 26: “ Mas o Ajudador, o Espírito Santo a quem o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas, e vos fará lembrar de tudo quanto eu vos tenho dito”.
O Paracleto é o Espírito santo e não uma pessoa ou instituição que deve custodiar e consumar a atribuição mediadora, quer dizer, como “auxiliar do auxiliador”, a revelação de Jesus. Se também é denominado o Espírito da verdade é por sua função própria, intransferível, de guiar ao homem até a verdade completa (16,13), pois como disse o apóstolo João em sua epístola: “O Espírito é a verdade”.
Que o Paracleto seja enviado pelo Pai em nome do Filho, ou enviado pelo Filho desde o Pai, é uma irrelevante diferencia de linguagem.
No entanto, é importante entender em que sentido se diz que o Paracleto dará testemunho de Cristo. Enquanto permaneceu Jesus na terra , ele foi o auxiliador manifesto, o paracleto, posto que foi ungido pelo Espírito Santo. Depois da glorificação de Jesus e de sua subida ao Pai, é o Filho do Homem — a Palavra oculta — quem mediante a unção do Espírito Santo — denominada o “outro” Paracleto — proporciona ao homem, a cada homem, o testemunho de si mesmo (do Filho), e recorda e ensina desde o interior do homem, toda a doutrina de Jesus, o Cristo manifesto .
Por, “dará testemunho de mim”, há que entender que mercê ao Espírito da verdade é possível consumar a revelação e que o Cristo oculto se manifeste.
Corbin
A ideia do Paracleto em filosofia iraniana
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