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Lao Tzeu e o taoísmo

Max Kaltenmark: Tao

Excertos

segunda-feira 8 de agosto de 2022, por Cardoso de Castro

      

Excerto   traduzido do livro Lao tseu et le tao  ïsme

      

O sentido próprio da palavra Tao   é: caminho  , via. Verbalmente, a mesma palavra (por vezes com ligeira variante de escrita) significa: traçar um caminho, conduzir, pôr em comunicação. A pessoa   que mostra a outra a via a seguir a informa pela palavra: Tao tem também o sentido de dizer, é a palavra que informa e ensina, donde o sentido de doutrina  .

Tao evoca antes de tudo a imagem de uma via a seguir e, em um sentido derivado, a ideia de direção de conduta, de regra moral. É este último sentido que tem mais frequentemente nos textos propriamente confucionistas. Mas a palavra Tao é também e tem sido, a princípio, um termo religioso ou mágico; designa a arte de pôr em comunicação o Céu e a Terra  , os poderes sagrados e os homens, de realizar uma obra (mágica ou técnica); é ao mesmo tempo uma arte, um método e um poder. É o poder misterioso do adivinho, do mago   e também aquele do rei. Houve, na China como em outros lugares, um tempo onde os chefes políticos não se distinguiam dos magos. Nas épocas históricas, os reis e os imperadores chineses conservaram algo deste caráter. Atribuía-se a eles com efeito uma «virtude», Tao ou Tao-te, capaz de fazer reinar a ordem não somente entre os súditos, mas ainda na natureza inteira. Um velho mito   pode nos ajudar a compreender como a noção de Via e aquela de Ordem estavam ligadas no pensamento   religioso dos antigos chineses. Um dos heróis mas célebres da época legendária é Yu o Grande. Este fundador da dinastia Hia (que até prova ao contrário resta puramente fabulosa) é uma espécie de demiurgo   que pôs fim a uma grande inundação: ele aplicou contenções às águas que ameaçavam elevar-se   até o Céu, lhes abriu a via (tao) cortando as montanhas. Em seguida, o heróis «percorreu e pôs em ordem (tao)» as nove (número   místico simbolizando o total) províncias do mundo. Ele geriu a terra dos homens, a tornou habitável, a civilizou, por um lado fazendo circular as águas, por outro pondo em comunicação as diferentes partes do mundo. Em todos estes trabalhos, Yu foi ajudado por seres fantásticos que sua virtude atraía.

Vê-se como a palavra Tao pôde designar o civilização - poder civilizador dos soberanos exemplares, em seguida aquele dos reis que deviam restaurar periodicamente a ordem da natureza com a ajuda   de ritos dos quais o mais importante era sem dúvida uma circulação: o rei dava uma volta pelo império seguindo o sentido do sol; ou então circulava em tempo determinado, ao longo do ano, no interior de um templo   cuja estrutura   reproduzia a arquitetura do universo  . Mas a bem dizer toda a vida de um Filho   do Céu devia ser regrada segundo a ordem natural  , e é o que se chamava a Via ou a Ordem real (Wang Tao) imitando a Via ou a Ordem celeste (Tien Tao). Esta ordem celeste ou natural, frequentemente denominada apenas Tao, era segundo o pensamento clássico, sobretudo manifestada na alternância regular das estações do ano e naquela dos dias e das noites. Este ciclo   do quente   e do frio, da luz e da sombra, se explicava pelo jogo   alternado de dois   princípios sexuados, Yin-Yang  , cujas influências, dominantes (um momento um outro momento outro), comandavam os comportamentos de todos os seres: o Yin, princípio da sombra, do frio e da feminilidade, os convidava ao repouso, à passividade; o Yang, princípio da luz, do calor, da masculinidade, os incitava ao desdobramento das energias, à atividade  , até a agressividade.

O Tao é assim para o pensamento filosófico e religioso comum a Ordem, ou melhor o Princípio de ordem que pode assim se manifestar em diferentes domínios do real. É assim que se fala não apenas de Tao celeste, de Tao régio, mas também de Tao da Terra e de Tao do Homem  . O Tao da Terra se opõe ao Tao do Céu um pouco como o Yin ao Yang; neste caso, «Tao do Céu» toma um sentido mais restrito, não é mais a Natureza inteira, mas a ação do céu sideral que é uma atividade   puramente Yang, enquanto Tao da Terra é Yin. Imagina-se então a alternância do Yin e do Yang como sendo aquela das influências da Terra e do Céu. Assim, todos os seres, e particularmente o homem, são feitos de elementos celestes e terrestres misturados, eis porque o mundo é constituído de «três poderes»: o Céu, a Terra e o Homem (v. Grande Tríada). Este último é o intermediário religioso entre o Céu e a Terra, mas a bem dizer, só o Filho do Céu desempenha plenamente este papel, pois somente ele está habilitado a fazer os sacrifícios ao Céu onde residem seus ancestrais. O Tao do Homem é a reunião de todos os princípios de conduta que permitem ao homem, ao Rei, de desempenhar este papel de Mediador   - intermediário; é este Tao-aí que representa o ideal de Confúcio  , o qual proclamava: «Que a manhã tenha ouvido falar do Tao pode morrer   tranquila a noite». Este ideal, se abordava pelo estudo e a prática sincera das virtudes confucionistas. Quanto ao Tao celeste, era um tema que o Mestre não falava, seja por agnosticismo, seja por escrúpulo religioso. Todavia, a Escola dos Letrados não podia deixar completamente a metafísica, e os sucessores de Confúcio incorporaram à lista dos Clássicos ou livros canônicos (king) que serviam ao ensinamento e ao estudo, um coleção de tratados filosóficos, o Yi-king   (Livro das Mutações).


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