Como só ocorre com muitos textos joanicos, o sentido manifesto se subordina aqui ao sentido oculto . O que Jesus se preocupa em explicar não é sua exaltação enquanto Filho do Homem (vertente manifesta), senão que aos homens é possível “soerguer” (gr. hypsos ) em si mesmos ao Filho, por meio do Espírito que neles está e crer para ter vida eterna.
Com o “recurso” do Antigo Testamento se pretende não só explicar o sentido oculto de um episódio que no Livro dos Números foi contado com maior hermetismo que agora no evangelho, senão também afirmar que o conhecimento que agora se revela vem consolidado por um saber ou experiência de traço tradicional, embora talvez muito esquecido nos tempos de Jesus.
Por outra parte, a perícope veterotestamentária afirma que com sua referência ao “soerguimento” do Filho do Homem não fala Jesus unicamente de sua Paixão e encravamento “pessoal” na cruz, senão das tribulações e crucificação que a cada homem corresponde padecer. Sem dúvida, não se constituiu o texto mosaico em antecedente e paralelo da elevação do Cristo manifesto, senão como exemplo da obra geral designada ao Cristo oculto.
O que acaba de explicar Jesus é que o Filho do homem não pertence ao mundo, senão ao céu, embora “sob o céu”, e por isso, no homem completo, ele é o Filho, que precisamente por ser do céu, é seguro que pode ser "elevado" (exaltado), ao céu.
Erguer, "soerguer o Filho", é a obra que corresponde a cada homem, embora em verdade, não é o Filho o que há que exaltar, senão que há de “mirá-lo” até vê-lo onde está, no céu, e não onde imaginamos que esteja, na terra .
Tudo isso é muito importante e há que realizá-lo interiormente. A ordem em que este processo se produz o explica o capítulo 3 de João, e podemos segui-lo. Primeiro, “há que nascer de água e Espírito”, e isto é segundo os dois batismos de que falam os sinópticos.
“Nascer de água”, já o sabemos, requer submeter-se ao batismo de purificação, para que a alma se lave de seus apegos e aderências até que não fique nela mais que sua própria essência: o espírito.
Quanto a “nascer do Espírito”, o segundo batismo, do fogo , há que entender por isso que o Espírito se une ao espírito — como o mar à gota — pois se pousa sobre ele para ungi-lo, para o dar em participação, em óleo santo, em conhecimento, a sabedoria de Deus .
Tudo isso é o conhecimento da via até Deus, pois mercê à limpeza da alma que a torna transparente e à chuva de fogo, é possível descobrir a presença do Espírito que em nós está. A partir de então, se não cessa a vigilância, se se persiste em dar-se conta da presença, a união do Espírito com o espírito se consuma.
Isso é a união, e quando esta tenha concluído, vem o nascimento do Cristo oculto, do ungido do Senhor, na consciência e se efetua uma transfiguração gradual da vida mortal na Vida eterna. Isto é a regeneração, a bem-aventurança do homem novo em Cristo. Isto é o que explica Paulo Apóstolo em (Ef 3:16-17.
Mas o que agora diz o evangelho é que o Filho tem que ser soerguido, tal como a serpente soerguida por Moisés no deserto .
A serpente que pôs Moisés em uma haste e que o evangelho explica como “figura” do Filho do homem, era de bronze. Das serpentes que mordiam o povo, se diz que eram “abrasadoras”, porque eram de fogo, e se as identifica com os serafins alados que guardavam na antessala do Santo dos Santos. Quem era o mordido por uma destas serpentes de fogo — um claro antecedente testamentário das línguas de fogo que se pousaram sobre os apóstolos em Pentecostes — não alcançava por isso a Vida, pois — se diz — a gente de Israel “morria”, não obstante. Então fez Moisés a serpente de bronze e o que era mordido por uma serpente abrasadora, se logo “olhava” à serpente içada no mastro, “ficava com vida”, isto é, alcançava a Vida ([https://www.biblegateway.com/passage/?search=num+21%3A6-9&version=ARC">Num 21, 6-9).
Saber que a serpente soerguida por Moisés era de bronze, resulta um dado aclaratório, ainda que se trate de uma “figura” de certa complexidade que nos obriga agora a dar vários rodeios explicativos.
Segundo se diz, o firmamento que Deus criou no dia segundo em meio das águas, para separá-las, era de bronze polido. No sentido oculto, o firmamento é a abóboda sólida, imperecedora (Jó 37,18), que separa, ou afasta, a consciência psíquica (figurada pela água), do reino dos céus (a luz ), ou consciência superior. Por isso se diz no Deuteronômio, no capítulo de maldições ao homem comum: “Os céus de tua cabeça serão de bronze” (Dt 28,23).
Como é sabido de bronze polido se faziam os espelhos antigos, e testemunho disso são os espelhos das mulheres, que se colocaram na pia de cobre sobre à base de cobre do Templo (Êxodo 38:8). Como “espelho ” descreve Jó a abóboda do céu de metal fundido, e “como o fulgor do bronze polido”, vê Ezequiel os seres de fogo (abrasadores) que descobre no carro de YHWH (Ez 1:4ss).
Por tudo isso deve-se interpretar que a serpente que Moisés soergueu em um mastro no deserto era, “em figura”, um espelho do Deus de nome divino: “EU SOU O QUE SOU”. O espelho oferece um modo imperfeito de conhecer, mas quem olha e é capaz de transpassá-lo alcança a ver “cara a cara” e com isso a crer e ter vida eterna, pois equivale a conhecer “tal como um é conhecido”.
Quando o evangelho diz que o Filho do Homem tem que ser soerguido não diz somente que Jesus será soerguido na cruz, como assim foi, senão que o Filho, oculto em todos, tem que ser soerguido no interior; primeiro deve ser descoberta sua presença em Espírito, confusa, imperfeita, e logo deve ser exaltado para que o olhar o conheça e nele creia.
Soerguimento
O que explica Jesus é que o soerguimento do filho de anthropos em nós, que consiste em que o oculto se transforma em manifesto, supõe para todos e cada um o cumprimento intransferível da obra particular para a qual temos sido chamados e também a confirmação de que dita obra, o soerguimento, não somente é possível senão necessária. Por isto diz Jesus: “Assim tem que ser soerguido o Filho do Homem” (Jo 3,14).
O soerguimento ou elevação até a ressurreição na consciência da luz do Filho do Homem interior que somos, tem como última trama a contemplação pura da face que está diante da nossa. Pois é o Filho do Homem, ressuscitado pelo conhecimento (gnosis ), quem alcança essa contemplação e e não o homem de baixo no qual se acha sumida, por identificação errônea, nossa consciência terrena. Em uma passagem memorável do Êxodo, se põe na boca de YHWH esta sentença: "Minha face não poderás vê-la, porque não pode ver-me o homem e seguir vivendo" (Ex 33,20). Se entende por estas palavras que com a locução "minha face" se significa o Ser puro "sem si mesmo ", isento de qualquer agregado de "vestimentas", as quais se expressam muito especificamente no contexto como "minha glória " (doxa). (Evangelho de Tomé - Logion 5)
Ressurreição
Há duas classes de ressurreição como duas classes de mortos segundo o evangelho: a ressurreição conhecida pelo povo judeu e que afeta somente aos mortos, e a ressurreição do mortos, ou de “entre os mortos”, designada outras vezes como a ressurreição dos justos, enquanto se mantêm mortos vivos, proclamada por Jesus.
Esta é a grande obra que a Boa Nova propôs para o Filho do Homem, segundo o plano da criação: que antes de “saborear a morte” fosse “visível” e “uno” o Filho do Homem, como nascido do alto (Nascer do Alto), na consciência psíquica (Mt 16,28). Assim diz o evangelista Lucas que ocorreu — ainda que o conte no chave “oculta” — com o justo de Simeão, o qual o havia sido revelado pelo Espírito Santo “que não saborearia a morte antes de ter visto ao Cristo do Senhor” (Lc 2,16).
- “O Cristo”, se diz aqui em seu pleno sentido de “ungido” de Deus.
Há vários lugares no evangelho onde se mencionam as duas classes distintas de ressurreição. No curso daquela discussão suscitada pelos saduceus, os quais não aceitavam a ressurreição por não existir dela, segundo pensavam, nenhuma tradição escrita no Pentateuco , encontram ocasião nos sinópticos para distinguir tal ressurreição da que Jesus denomina “a ressurreição dos mortos”. No primeiro evangelho é muito notório este propósito diferenciador, pois além de se estender em uma casuística acerca da ressurreição que tem como referência o que poderá ocorrer com os filhos deste mundo uma vez falecidos, o redator termina dizendo: “E quanto a ressurreição dos mortos...” (Mt 22,31).
Jesus se interessa especialmente por esta ressurreição dos mortos que concerne unicamente aos justos, isto é, aos filhos da luz e ao “resto” justificado de cada filho do mundo. Deles diz: “não podem já morrer, porque são como anjos e são filhos de Deus ao ser filhos da ressurreição” (Lc 20,36). Como demonstração do que diz, nomeia Jesus a três justos: Abraão, Isaac e Jacó, os quais, por ser justos, não ressuscitarão depois de morrer, senão que ressuscitarão em sua própria carne , como corresponde a mortos vivos, antes de morrer ao mundo, ademais de “ser”, ou “estar” ainda vivos enquanto filhos da ressurreição e de Deus.
Que a doutrina a respeito da ressurreição dos mortos constituía um ensinamento próprio de Jesus se comprova por quanto quando diz Jesus a seus discípulos que o Filho do Homem ia a suscitar dentre os mortos, os discípulos, dos quais não se pode duvidar que souberam que coisa era a ressurreição conhecida pelos judeus, perguntam, no entanto, “que era isso de ressuscitar dentre os mortos” (Mc 9,10). (Evangelho de Tomé - Logion 51)
Vida eterna
Somente por conta da humildade completa está a luz do Cristo “oculto”, não visível, cuja presença ou vinda interior cresce e se faz mais perceptível a medida que o peso da alma decresce por negação de si mesma. Desse Cristo falava em especial Jesus a seus discípulos quando os disse: “Dentro de pouco não me vereis e pouco depois voltareis a me ver” (Jo 16, 16-19).
Jesus falava de sua ressurreição segura e além do mais, do outro mistério cristão não fundado na morte e nova vida de Cristo manifesto, senão na Vida eterna, sem morte, do Cristo oculto, pronto a “ressuscitar” de seu cativeiro temporal, resplandecente como coroa da Vida, para quem suporta e vence a prova do sofrimento pela fé. Esta foi a promessa feita aos que o amam.
Segundo se diz no evangelho, em um sopro de Cristo é enviado o Espírito da Verdade, ao qual o conhecemos sem sabê-lo como espírito ou essência de nossa consciência, do “nós mesmos”, pois dele se disse: “Mora convosco e em vós está”. Com efeito, por conta das línguas de fogo do conhecimento que se expandem desde o espírito, é possível ver, embora “o mundo” não veja em toda ocasião, a luz resplandecente do Cristo oculto, e nesse dia de contemplação, tal como disse Jesus, sabereis que “eu vivo, e vós vivereis” (Jo 14, 17.19)
Jesus descreve em parábola a primeira presença (a primeira intuição dessa presença eterna), ou vinda interior do Cristo “oculto” no homem, com a imagem da tristeza de uma mãe quando chegou a hora do parto, eu gozo que o sobrevém depois, quando vê que nasceu um homem novo no mundo (Jo 16, 21-25). Do que fala Jesus verdadeiramente é do nascimento na alma do Filho do Homem, o vindo do alto, o ressuscitado “dentre os mortos”. É assim como Jesus fala em parábola do Cristo eterno, “soerguido” na consciência.
Tanto a consolação que vem do Espírito da Verdade, com a vida eterna, consistem em ser a coroa de plenitude reservada para o bem-aventurado que supera os sofrimento da prova da fé. O primeiro passo para a redenção, árduo e prolongado às vezes, se funda, não há que esquecê-lo, na fé do que crê com firmeza que o Cristo, o Cristo “oculto” está sempre presente nele, tal como se disse ao promulgar a Boa Nova: “O Reino está próximo”. Em verdade, o Reino, e com ele o Cristo, está próximo, muito próximo, do que crê, embora pareça muito distante, muito afastado, para o que ainda não crê.
Jesus explica tudo isso: “Naquele dia compreendereis que eu estou em meu Pai, e vós em mim e eu em vós” (Jo 14,20). (Evangelho de Tomé - Logion 58)
Ressurreição dos corpos
Acerca da ressurreição dos corpos, não neste mundo terreno no qual Jesus fez, segundo ficaram consignadas, várias ressurreições “temporais”, senão “naquele mundo”, no Reino (eterno) dos Céus, muito pouco se diz nos evangelhos. Se se exclui deles a ressurreição de Jesus e suas aparições corporais (incorpóreas ou não), que pertencem a um âmbito de exceção não só pelo duplo sentido oculto e manifesto, senão pela extrema dignidade da pessoa de Jesus, não há outro testemunho do reviver de um morto vivente corporal.
- Se dizemos “temporais”, é porque aqueles “bem-aventurados” que foram ressuscitados, tiveram breve ventura pois continuaram sendo mortais. Em verdade, a filha de Jairo, o filho da viúva de Naim e Lázaro, morreram duas vezes, e não se sabe se isto deve ser qualificado de ventura, ou de desgraça.
Só Mateus transmite uma notícia de caráter escatológico, mas dado que não pôde ter conhecimento direto do dado que consigna, nem explica o testemunho indireto ao qual teve acesso, não pode ser tomada sem reservas, quer dizer, segundo a vertente manifesta, o que pode ser uma interpretação de signo oculto: “Se abriram os sepulcros e muitos corpos (incorpóreos ou corpóreos? ) de santos defuntos ressuscitaram” Calvário.
No entanto, frente à escassez de informação a respeito do acesso dos corpos à glorificação, há abundância de passagens evangélicas onde se menciona e confirma a condição intrinsecamente corporal do corpo, sem nenhum outro horizonte de ressurreição: “Não temais aos que matam o corpo, mas não podem matar à alma; temei mais àquele que pode levar à perdição alma e corpo na geena ”. O não temor à morte somente do corpo nesta passagem, parece confirmar a nula implicação do corpo com a consciência, com o “sujeito” pessoal, e sua simples valoração como vestimenta privilegiada da alma. Como ao dizer: “(Não é) o corpo mais que a vestimenta?”
Quanto à ressurreição, na única perícope em que fala Jesus diretamente da ressurreição, no diálogo que sustenta com os saduceus sobre a ressurreição dos mortos, explica Jesus bem claro que os que alcancem a ser dignos de ter parte “naquele mundo” (o Reino de Deus ), e na ressurreição dentre os mortos, não podem já morrer, “porque são como anjos”, quer dizer, “puros espíritos sem corpo”, que veem continuamente o rosto do Pai. (Evangelho de Tomé - Logion 87)