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Homem e Absoluto segundo a Cabala

Schaya (Cabala:51-55) – Tiphereth

A Hierarquia Sefirótica

segunda-feira 7 de novembro de 2022, por Cardoso de Castro

      

Tiphereth   é a Sephirah   mediadora por excelência, o «Coração» de Deus   ou Sua «Misericórdia» (Rahamim) que abarca e fusiona tudo o que, no Mundo da Emanação, se encontra «no alto» e «em baixo», «à direita» e «à esquerda».

      

Tiphereth  , a «Beleza» de Deus  , é Sua Unidade   infinita, enquanto Ela Se revela como Plenitude   e Harmonia   beatíficas de todas Suas Possibilidades. Ao passo que estas residem em Kether   em sua Identidade   suprema, em Tiphereth elas aparecem como tantos Arquétipos particulares, dos quais cada reúne-se aos outros por fusão essencial e interpenetração qualitativa. Eis porque a Cabala   diz: «Quando as Cores (ou Qualidades do Princípio) são entremeadas, Ele Se chama Tiphereth. »

Os Arquétipos são então Luzes puras e indistintas, que não recebem suas «cores» ou qualidades diferentes senão em Scholem   Din  , o «Juízo» supremo; e é em Tiphereth, a Beleza que emana do Juízo, que estas cores se entremeiam em uma perfeita Harmonia. Pois Tiphereth é a Sephirah   mediadora por excelência, o «Coração  » de Deus ou Sua «Misericórdia» (Rahamim) que abarca e fusiona tudo o que, no Mundo da Emanação  , se encontra «no alto» e «em baixo», «à direita» e «à esquerda». Ela é chamada o «Sol» ou a «Roda» suprema, porque seus raios   ilimitados religam todas as Sephiroth em sintetizando suas antinomias em seu único «centro  » ou «eixo  ». A Beleza de Deus parece, neste aspecto unitivo, a Sua Graça, Hesed Din, e também a Sua Tri-Unidade suprema, Kether-Hokhmah  -Binah  . Mas Ela disto difere na medida que suas possibilidades indistintas aparecem nEla como «Medidas» determinadas e rigorosas de todas as coisas. É em Tiphereth que os Arquétipos — saindo das «trevas» do Juízo — se revelam em suas «formas» ou «cores» principiais; e é Ela somente que realiza — eternamente e sem qualquer movimentos — a interpenetração destas «formas» supraformais: sua fusão em uma só «Forma» infinita, plena de um oceano de luz divinamente colorido.

Em outros termos: na Beleza de Deus, todas Suas Possibilidades causais aparecem como os «Modelos» acabados das coisas criadas, e isso sob os aspectos mais opostos  ; nEla, Deus «talhas Suas esculturas» eternas com a maior precisão, e com uma arte perfeita, que reúne todos os contrastes em uma suprema concordância. Na Beleza de Deus, todos Seus Aspectos são o que são, sob todas suas relações e em todas suas reciprocidades; cada Sephirah se abre nEla, e através dEla, em toda sua Plenitude e Magnificência, e em sua interpenetração com as outras Sephiroth. Também Tiphereth é chamada Daath, o «Saber» divino, a Omnisciência ou Consciência total de Deus, da qual está escritos (Prov XXIV,4): «E por Daath, as câmaras (ou «receptividades» espirituais) são preenchidas de todos os bens (sefiróticos) preciosos (em seu aspecto cognitivo) e agradáveis (em seu aspecto harmonioso). »

A Beleza divina é, ao mesmo tempo, Trevas mais que luminosa; Plenitude transbordante do Ser; Vazio   sem limite, pura Receptividade; Graça incomensurável; Medida rigorosa de todas as coisas; Amor e Paz  , que unem tudo a tudo; Vida, Alegria   e Liberdade; Extinção dos limites no infinito  ; Ato redentor; Majestade. Todos estes Aspectos, que não descrevem outra coisa que as dez   Sephiroth, se penetram, um no outro, e formam as expressões ilimitadas da «Pequena Face  », que revela os Mistérios e as Luzes da «Faces Grande Pequena», guardada nEla. Pois Tiphereth, Ela unicamente, é toda a «Pequena Face  »; Ela é o «Rei» ou o «Filho  », que constitui a Síntese de todas as Emanações divinas, assim como daquelas das quais de onde decorre como daquelas que o seguem: todas aparecem como seus próprios Aspectos. «O Filho toma posse de tudo (o que emana de Kether), herda de tudo (Arquétipo particular) e se expande (por sua irradiação central e universal  ) por toda parte. »

O Princípio essencial da Beleza divina é a identidade do Absoluto (Ain) — que exclui tudo que não é Ele — e do infinito (En-Soph) — que inclui tudo o que é real; é a Unidade das Trevas mais que luminosas do Não-Ser e da Plenitude transbordante do Ser puro, Unidade suprema e a mais misteriosa, que Se revela — no Cântico dos Cânticos (I,5) — em dizendo: «Eu sou   negra, mas bela...» Este princípio essencial da Beleza divina, que irradia e a Verdade pura do único Real, eclipsando tudo o que não é Ela mesma, e Sua Beatitude   ilimitada, na qual toda coisa nada como em um oceano sem margem, não é outro senão Kether que guarda, eternamente e indistintamente, todos os Aspectos polares de Deus. Quando Kether Se revela, Seu Aspecto infinito e unitivo se exprime por Hokhmah e por Hesed Din, e Seu Caráter absoluto ou exclusivo se manifesta por Binah e por Scholem Din. Estas duas espécies de Emanações antinômicas são indispensáveis com vistas à criação: vimos como, para criar, é preciso ao mesmo tempo a Verdade rigorosa e a Beatitude generosa, ou de um lado, a Medida de todas as coisas, o Juízo de sus qualidades, a Lei universal, e por outro lado, a ilimitação da Graça, da qual brota toda vida, toda alegria e toda liberdade. E para que estes dois   opostos, nos quais se concentram, de uma maneira ou de outra, todos os Aspectos divinos, possam produzir o Cosmo, é preciso não somente sua Identidade absoluta, «no alto», mas também sua interpenetração e fusão existencial, «em baixo». Esta fusão ou síntese de todas as Antinomias reveladas de Deus, que se resume nos dois termos gerais de «Graça» e de «Rigor  », se realiza em Tiphereth, a «Beleza». NEla, a Verdade rigorosa que Deus só é, não difere de Sua Clemência que une tudo a Ele. No «Coração» de Deus, a Medida eterna das coisas se encontra como dissolvida na incomensurabilidade de Sua Graça redentora. Quando a Beleza divina se manifesta, esta Graça se cristaliza misteriosamente nas «medidas» ou formas criadas e irradia, através delas, dando à obra da criação a marca   direta de seu Autor.

O Amor de Deus que, em sua operação universal, é ao mesmo tempo a irradiação e a atração de Sua Beleza, cria o mundo segundo o princípio da Harmonia de Suas Possibilidades causais. Esta Harmonia, Tiphereth, determina a Forma principial ou ideal do Cosmo. É uma Forma puramente espiritual e supraformal: o «Mundo da Criação» prototípico (Olam   ha-Beriyah), que se pode chamar a «Esfera cujo Centro está por toda parte e cuja circunferência não está em nenhuma parte» [1], posto que é habitado pela Shekinah, a Omnipresença infinita, única. Quanto à forma esférica, esta exprime a Plenitude e a Harmonia, que caracterizam a Bondade; mas é preciso adicionar que se trata aí mais do que uma simples esfera que, ela, não tem senão um único centro, conforme à ordem   espacial, enquanto no seio da Forma principial, cada «ponto» que é agrupado ao redor do Centro, é simultaneamente e misteriosamente este Centro mesmo: aí também não há senão um centro único, mas cada «ponto» aí é um Arquétipo espiritual, um Aspecto imanente de Deus que não faz senão um com Sua Omnipresença; e em cada «centro», idêntico ao Centro divino, todos os «centros» se refletem em suas «cores» particulares: há interpenetração, fusão sem confusão, e omnipresença de todos os Arquétipos. Desta Plenitude ou Beleza imanente de Uno procedem todas as formas criadas, em sua beleza e sua perfeição primeiras.

Uma coisa é bela e perfeita quando manifesta, sob tal ou tal modo harmonioso, a plenitude das possibilidades de sua espécie, e quando esta espécie revela, de uma maneira ou de outra, um Arquétipo espiritual ou Aspecto divino em sua pureza  . Ora, posto que todo Aspecto do Uno contém e exprime, a sua maneira, todos Seus Aspectos, cada manifestação perfeita de uma espécie «deiforme» revela, à luz de sua qualidade   própria, a Plenitude das Possibilidades causais: a Beleza universal e divina. Uma coisa é feia, se ela não participa senão imperfeitamente a seu Arquétipo puro, ou se sua espécie não é conforme à Perfeição divina. Sobre o plano do homem   — criatura mais complexa, em sua constituição e suas transformações — esta verdade deve ser compreendida sob sua aplicação particular, quanto aos aspectos respectivos da beleza «interior» e «exterior». Nas espécies humanas, o aspecto exterior revela a qualidade interior do ser ou da coisa, e isto em razão de seu caráter passivo que não permite dualismo existencial. Na espécie humana, dotada de razão, de vontade livre e de uma relação consciente com o Espírito divino, o aspecto exterior ou corporal de um ser pode exprimir tal resultado estático de seu desenvolvimento pessoal, realizado no curso de «vidas anteriores», enquanto o aspecto interior — psíquico ou espiritual — pode se transformar, em um sentido ou outro, no curso desta vida, seja pelas virtudes e o conhecimento, seja ao contrário pela ausência. Com efeito, um homem pode nascer feio  , do ponto de vista físico, enquanto sua alma   pode desdobrar, durante esta vida, uma beleza ética e espiritual; e neste caso, é possível que sua beleza interior eclipse, em grande parte, sua feiura corporal. Ao contrário, há homens de beleza exterior — resultante de «méritos anteriores» — e cuja alma se corrompe nesta vida; então é a feiura interior que se expressa finalmente e torna a beleza corporal mais ou menos ilusória.

O ser   humano é verdadeiramente belo, quando nele a generosidade da Graça se exprime pela medida harmoniosa das formas; quando a obscuridade de seus limites é apagado pela Luz do infinito que jorra de seu profundo; quando o Espírito penetra sua substância e revela, de uma maneira ou de outra, a Plenitude beatífica do Uno.


Ver online : Leo Schaya


[1Em outros termos, é o Mundo espiritual que representa o verdadeiro objeto desta fórmula empregada por Pascal, fórmula antiga — atribuída ao Hermetismo — e que se encontra, em sua interpretação puramente espiritual, entre outras nos Místicos renanos da Idade Média.