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PLATÃO

Gaston Maire – Biografia de Platão

Platon

sábado 17 de setembro de 2022, por Cardoso de Castro

      

Excertos do livro de Gaston Maire, "Platon  ", trad. para português de Rui Pacheco.

      

A biografia de Platão   defronta-se com dificuldades insuperáveis. É certo que numerosos pormenores, por vezes aparentemente muito precisos, foram transmitidos pelos primeiros discípulos, nomeadamente pelo próprio sobrinho Espeusipo e por Xenócrates, e recolhidos por Diógenes Laércio (Vida, doutrina   e sentenças dos filósofos ilustres, livro III); além disso, a Carta VII  , escrita por Platão na sua velhice e cuja autenticidade já não é seriamente contestada, pode ser considerada como o balanço de uma vida e susceptível, portanto, de fornecer informações preciosas... É certo que alguns dados são já bastante conhecidos; mas seria perigoso aceitar   tudo sem reservas e é muitas vezes impossível de separar o que se deve considerar como verdadeiro do que depende da idealização e da lenda: sem citar já a tradição que faz do próprio Apolo   o pai   de Platão, que crédito se pode outorgar a essa outra tradição que fornece como data de nascimento o 7 do mês de Targélion da 88a Olimpíada, dia do aniversário de nascimento desse mesmo Apolo no calendário religioso de Atenas? Não se pode deixar de observar   que, se por vezes o fazem viver   até à idade de 81 anos, este número  , na aritmética mística do Pitagorismo, com que o Platonismo nascente se penetrou, é um número privilegiado, pois representa o quadrado do quadrado do primeiro ímpar, o que torna a informação singularmente suspeita. Seria pois inútil exigir-se demasiada precisão e parece preferível restringir-nos aos elementos   essenciais, cuja verossimilhança parece suficiente, à falta de certeza  .

Platão nasceu quer em Atenas quer em Égina, pequena ilha grega do mar Egeu, situada frente ao Pireu (antiga capital comercial do Peloponeso) e tornada possessão de Atenas, onde o pai estava então instalado como colono. Este nascimento está fixado tanto em 428 como em 427, quer dizer, no momento da morte de Péricles e no início da guerra   do Peloponeso que iria, durante perto de 30 anos, opor Atenas a Esparta e assegurar a hegemonia desta última. A família pertencia à alta aristocracia ateniense: o pai Aríston, amigo de Péricles, descendia, segundo alguns, do último rei de Atenas, Codro, o que faz recuar as suas raízes lendárias até Posídon; a mãe, Perictíone, descendia de um irmão ou amigo íntimo de Sólon, prima de Crítias — um dos trinta magistrados que, durante o Verão do ano 404 a. C., assumiram o poder em Atenas, sob a pressão dos Espartanos —, e irmã de Cármides, um dos dez comissários estabelecidos no Pireu pelos oligarcas. O seu nome foi porventura o mesmo que o do avô, Arístocles, sendo Platão uma alcunha que lhe foi dada — jogando com o sentido próprio e os possíveis sentidos figurados do adjectivo platus — quer para designar o extraordinário volume   da sua testa ou a largura excepcional dos ombros, que teriam impressionado o seu mestre de ginástica, o lutador argonense Aríston, quer para render homenagem à amplitude do seu estilo oratório...

A infância e a adolescência foram evidentemente as dos homens do seu nível social naquela época. Uma passagem das Leis (X, 887 d-e) evoca com delicadeza a lembrança de uma infância piedosa, de orações e sacrifícios em família, de uma firme   crença religiosa legada pelos pais  , que o seu espírito místico, de bom grado fiel aos relatos lendários e à tradição dos mistérios, conservará sempre na memória... Muito cedo começou a receber a educação para as crianças das famílias nobres de Atenas, chamadas mais tarde a participar nos assuntos públicos. Sem qualquer dúvida, teve por mestres os mais reputados sofistas de então, que lhe ensinaram a retórica, quer dizer, a arte da argumentação e da eloquência, capaz de assegurar o triunfo nas disputas oratórias das assembleias; praticou a ginástica (um dos três estádios da educação ateniense) com o lutador Aríston, tal como o indicamos mais acima, e talvez mesmo tenha participado nos combates de luta nos jogos ístmicos. De qualquer forma, a sua intenção profunda, tal como sucedia com os seus próximos, era acceder ao exercício do poder; a Carta VII testemunha-o: «Ao tempo da minha juventude  , tive a mesma ambição que muitos jovens. Prometi a mim   mesmo que, desde o dia em que seria senhor dos meus atos, entraria de imediato na carreira política» (324 b). Enquanto espera, abandona-se às suas inclinações naturais: inicia-se na pintura, escreve poemas líricos, ditirâmbicos e trágicos (cf. República, livro X, 608 a). Mas afasta-se delas rapidamente, parece que para se dedicar à filosofia. Aliás, é difícil determinar a progressão e o teor da sua formação filosófica. A tradição habitualmente recebida, que se apoia numa indicação, por vezes contestada, da Metafísica de Aristóteles   e nos ditos de Diógenes Laércio, faz dele, em primeiro lugar, aluno   de Crátilo (enquanto outros reportarão este encontro para mais tarde). Crátilo, discípulo de Heráclito  , sustenta que no Universo  , estando tudo em movimento   perpétuo, em mudança incessante, não existe estabilidade alguma, permanência alguma, portanto não existe saber possível relativo aos seres e às relações fixas; esta tese, recusa-la-á Platão energicamente, mas conserva-la-á mesmo assim no seu horizonte   de referências. De resto, se Crátilo foi o seu mestre, se, além disso, o identificam com o personagem principal do diálogo   que leva o seu nome como título, não podemos deixar de pensar   que — pelo retrato que dele faz, insistindo no estreiteza de espírito e no desprezo orgulhoso face aos outros interlocutores — guardara dele uma má lembrança.


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