Clemente de Alexandria
«Fides quaerens intellectum.»
Afirmamos que la fe no es inoperante y sin fruto , sino que ha de progresar por medio de la investigación. No afirmo, pues, que no haya que investigar en absoluto. Está dicho: «Busca y encontrarás» (cf. Mt 7, 7; Lc 12, 9)... Hay que aguzar la vista del alma en la investigación, y hay que purificarse de los obstáculos de la emulación y la envidia, y hay que arrojar totalmente el espíritu de disputa , que es la peor de las corrupciones del hombre... Es evidente que el investigar acerca de Dios, si no se hace con espíritu de disputa, sino con ánimo de encontrar, es cosa conducente a la salvación. Porque está escrito en David : «Los pobres se saciarán, y quedarán llenos, y alabarán al Señor los que le buscan: su corazón vivirá por los siglos de los siglos» (Sal 21, 27). Los que buscan, alabando al Señor con la búsqueda de la verdad, quedarán llenos con el don de Dios que es el conocimiento, y su alma vivirá. Porque lo que se dice del corazón hay que entenderlo del alma que busca la vida, pues el Padre es conocido por medio del Hijo. Sin embargo no hay que dar oídos indistintamente a todos los que hablan o escriben... «Dios es amor» (1 Jn 4, 16), y se da a conocer a los que aman. Asimismo. «Dios es fiel» (I Cor 1, 9; 10, 13), y se entrega a los fieles por medio de la enseñanza. Es necesario que nos familiaricemos con él por medio del amor divino, de suerte que habiendo semejanza entre el objeto conocido y la facultad que conoce, lleguemos a contemplarle; y así hemos de obedecer al Logos de la verdad con simplicidad y puridad, como niños obedientes... «Si no os hiciereis como esos niños, no entraréis en el reino de los cielos» (Mt 18, 3): allí aparece el templo de Dios, construido sobre tres fundamentos, que son la fe, la esperanza y la caridad... (Strom. V, 11, 1ss.)
Basílio, o Grande
PROFISSÃO DE FÉ
(P.G. 31, 675-692 - tradução Cirilo Folchs Gomes)
Quando conheci, por graça do bom Deus , a obrigação que me impunha vossa piedade , aliás bem conforme ao amor (agape ou eros) de Deus no Cristo , de vos fazer por escrito uma profissão da santa fé, inicialmente pensei em minha pequenez e fraqueza , hesitando em corresponder a vosso pedido. Mas lembrando-me das palavras do Apóstolo: "sustentai-vos mutuamente na caridade" e: "é crendo no coração que se obtém a justiça e professando em palavras que se obtém a salvação", julguei perigoso resistir-vos e calar minha profissão de fé. Pus então minha confiança em Deus, segundo a palavra: "não que sejamos capazes por nós mesmos de conceber alguma coisa como procedente de nós, mas nossa capacidade vem de Deus". Ele nos fez capazes — e per causa de vós — de sermos ministros da Nova Aliança, "não da letra , mas do espírito (pneuma )".
Ora, bem o sabeis, é próprio do ministro guardar íntegro e intato o depósito que lhe confiou o bom Mestre, em favor de seus companheiros. Por conseguinte, o que aprendi da Escritura inspirada devo igualmente comunicar-vos, procurando atender a vossas necessidades e agradar a Deus. Entretanto, se o próprio Senhor, em quem o Pai pôs seu agrade, em quem estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e da ciência, e que, após ter recebido do Pai todo poder (dynamis ) e julgamento , afirma: "Ele me prescreveu o que devo dizer e ensinar ", e também: "o Espírito não fala de si mesmo , mas diz o que ouviu", com muito mais razão devo eu pensar e agir em nome de nosso Senhor Jesus Cristo.
Durante longo tempo (aion ) em que precisei combater as heresias, à medida que brotavam — o que fazia seguindo o exemplo de meus predecessores — achei preferível adaptar-me ao desvio provocado pelo demônio e usar, para reprimir eu confundir as blasfêmias proferidas, expressões correspondentes a elas, ora umas, ora outras, segundo as necessidades dos fracos, e às vezes mesmo expressões que não eram bíblicas, embora não estranhas ao sentido correto das Escrituras .
Mas agora, para atingir nosso objetivo presente , o meu e o vosso, achei conveniente ficar na simplicidade da pura fé, e dizer-vos — cedendo à vossa exigência no Cristo — o que aprendi da Escritura divinamente inspirada. Evitarei, pois, termos e palavras que não estiverem literalmente na Escritura, ainda que exprimissem o mesmo pensamento dela. O que for alheio à letra e ainda contiver um sentido diverso do que se acha na pregação dos santos, afastaremos totalmente come estranho e incompatível com a sadia fé.
A fé é, pois, um assentimento dado sem reserva ao que se ouve dizer, na convicção de ser verdadeiro tudo o que foi proclamado na graça de Cristo.
Abraão a possuía, segundo está atestado: "ele não hesitou em sua fé, mas manteve-se firme nela e deu graças a Deus, persuadido de que é poderoso para cumprir o que prometeu". Se pois o Senhor é digno de fé em suas palavras, se todos os mandamentos são seguros, confirmados nos séculos dos séculos, realizados na verdade (aletheia ) e na justiça, é manifestamente uma fraqueza da fé e prova de orgulho rejeitar qualquer ponto do que está escrito, ou introduzir o que não está. Com efeito, nosso Senhor disse: "minhas ovelhas conhecem minha voz", e o disse depois de ter afirmado: "elas não seguem ao estranho, mas dele fogem pois não conhecem a voz do estranho". E o Apóstolo, estabelecendo confronto com as coisas humanas, proíbe o acréscimo às Escrituras inspiradas, dizendo: "quando um testamento está em forma boa e conveniente, ninguém deve anulá-lo ou acrescentar-lhe algo".
Resolvemos, pois, evitar sempre, e sobretudo agora, qualquer "expressão ou pensamento alheies ao ensino do Senhor, porque nosso objetivo, o vosso e o meu, difere muito dessas proposições sobre as quais fui levado a falar ora de um modo, ora de outro. O que importava então, com efeito, era refutar uma heresia ou anular os artifícios do demônio, ao passo que no momento se trata apenas de confessar a verdadeira fé e pô-la em evidência. Não podemos então, falar agora nos mesmos termos. Ninguém se utilizaria dos mesmos meios para cultivar o solo e para ir à guerra, uns sendo instrumentos de trabalho e outros armas de combate. Ninguém usaria a mesma linguagem, com a qual refuta os adversários, para a exortação na sã doutrina . Um é o modo de persuadir, outro o de exortar ; uma a simplicidade de professar em paz e piedade, outra a dificuldade de resistir a uma doutrina enganadora.
Assim, usando de discernimento, empregaremos as expressões úteis à manutenção e edificação da fé.
Mas antes de vir a minha profissão de fé, será preciso deixar bem claro não me ser possível exprimir pela palavra nem captar pela inteligência a grandeza e a glória de Deus, nem designá-la ou concebê-la numa só palavra ou num só pensamento.
É por uma multidão de palavras, adaptadas a nosso uso, que a Escritura inspirada mal a esboça, como através de um espelho , para aqueles que têm um coração puro. O conhecimento (gnosis ) face a face e perfeito será concedido, conforme a promessa, apenas no século vindouro para os que forem dignos. No tempo (aion) presente, seja Paulo ou seja Pedro , dizemos que ele vê realmente o que vê e não se engana nem se ilude, mas vê através de um espelho e confusamente. Aceitando com gratidão o conhecimento (gnosis) imperfeito, aguarda na alegria o conhecimento (gnosis) perfeito. O apóstolo Paulo atesta isso quando introduz sua afirmação por estas palavras: "quando eu era menino, (recém-instruído com os primeiros elementos dos oráculos divinos) falava como menino, pensava como menino; agora que sou homem (e me apresso a chegar à estatura da plenitude de Cristo) libertei-me das coisas de minha meninice" e tais foram meu progresso e meu avanço na ciência das coisas de Deus, que minha instrução no culto judaico corresponde à atividade (energeia) intelectual do menino, enquanto meu conhecimento (gnosis) no Evangelho convém antes ao homem adulto.
Da mesma forma, se ao conhecimento (gnosis) que será revelado no século vindouro aos dignos se compara o que agora se julga ser o conhecimento (gnosis) perfeito, este parecerá curto e indistinto e tão mais distante da caridade futura quanto é distante da visão face a face a que se tem através do espelho.
Não ser á menor a superioridade do conhecimento (gnosis) futuro em relação ao desta vida: demonstram-no os discípulos do Senhor, com Paulo e João. Quando eles pareceram dignos de ser chamados pelo Senhor para viver em sua companhia, ser por ele enviados em missão e receber os carismas espirituais, então aconteceu que depois de lhe ter dito: "a vós é dado conhecer os mistérios do reino dos céus", depois de lhes ter sido outorgado tal conhecimento (gnosis) daquilo que a outros era ocultado, ainda ao aproximar-se a paixão, ouviram do Senhor as palavras: "tenho muitas coisas a dizer-vos, mas não as podeis suportar agora".
Resulta deste e de outros semelhantes textos que não se termina jamais de perscrutar a Escritura inspirada e é impossível penetrar nos mistérios divinos, ficando sempre à frente um progresso a se fazer, de sorte que a perfeição dista de nós até o momento em que "o perfeito aparece, quando o imperfeito for abolido".
Eis porque não nos podemos contentar com uma só palavra para designar simultaneamente todas as glórias de Deus, e nenhuma palavra pode ser empregada sem risco, em seu sentido integral. Assim, se alguém diz: "Deus", não está indicando o "Pai", e se diz "Pai", ainda não está indicando: "Criador", precisando acrescentar depois: "Bondade", "Sabedoria", "Poder" e todos os demais atributos mencionados na Sagrada Escritura. Prosseguindo: a palavra "Pai", se a empregamos para Deus absolutamente no mesmo sentido que tem entre nós, estaremos faltando ao respeito, pois ela envolve a paixão, o sêmen, a ignorância (agnoia), a fraqueza e todas as outras coisas desse gênero . O mesmo se dirá da palavra "Criador": nós, para criarmos alguma coisa, precisamos de tempo (aion), de materiais, de instrumentos, de auxílios, e tudo isso é o que temos de expurgar ao máximo da idéia de Deus.
Se todas as inteligências se reunissem para compreendê-lo e todas as línguas se juntassem para proclamá-lo, ainda assim nada se conseguiria de condigno. Salomão, o sábio, expõe esse pensamento com toda clareza : "eu disse: tornar-me-ei sábio; eis que a sabedoria se retirou longe de mim, mais ainda do que já estava", não que fugisse, mas porque ela aparece mais incompreensível aos que Deus faz conhecê-la melhor. A Sagrada Escritura deve, assim, servir-se de vários termos ou expressões para nos dar uma idéia, ao menos parcial e confusa da glória de Deus.
Nós cremes, pois, e confessamos nossa fé no único Deus verdadeiro e bom, Pai todo-poderoso, criador de todas as coisas, Deus e Pai de nosso Deus e Senhor Jesus Cristo; no único Filho do Pai, nosso Deus e Senhor Jesus Cristo, único verdadeiro, por quem tudo foi feito, tanto as coisas visíveis como as invisíveis, e em quem tudo subsiste; que estava no princípio junto de Deus e era Deus, e em seguida, conforme as Escrituras, apareceu sobre a terra e habitou com os homens, que sendo de condição divina não reteve avidamente sua igualdade com Deus, mas aniquilou-se a si mesmo, assumindo, per seu nascimento da Virgem, a condição de servo e manifestando-se sob o aspecto de homem, quando então cumpria, segundo a ordem do Pai, tudo o que estava escrito dele e sobre ele, tornando-se obediente até a morte (thanatos ), e morte (thanatos) de cruz; ressuscitando dentre os mortos ao terceiro dia, conforme as Escrituras, mostrou-se aos santos apóstolos e a outros, como está escrito; subiu aos céus e está assentado à direita do Pai, de onde voltará, no fim dos tempos, para ressuscitar todos os homens e dar a cada um a retribuição de seus atos, indo os justos para a vida eterna e o Reino celeste, enquanto os pecadores serão condenados ao eterno castigo , lá onde o verme não morre e o fogo não se extingue. Creio igualmente no único Espírito Santo, o Paráclito, cujo selo recebemos para o dia da redenção; Espírito de verdade (aletheia), Espírito de adoção, no qual clamamos Abba, Pai; que distribui e opera os dons de Deus em cada um conforme convém, conforme lhe apraz; que ensina e sugere tudo o que ouviu do Filho; que é bom, guiando cada um em toda a verdade (aletheia) e fortificando os fiéis na fé segura, na confissão exata, no culto santo e na adoração em espírito (pneuma) e verdade (aletheia), de Deus Pai, de seu Filho único, nosso Deus e Senhor Jesus Cristo, e dele mesmo.
O nome dado a cada um indica claramente um atributo que lhe é próprio e, de cada um se predicam, com toda piedade, diversas propriedades particulares. O Pai existe em seu caráter próprio de Pai, o Filho em seu caráter próprio de Filho e o Espírito Santo em seu caráter pessoal, mas nem o Espírito Santo fala por si mesmo, nem o Filho faz algo per si mesmo; o Pai enviou o Filho e o Filho enviou o Espírito Santo.
Assim pensamos e assim nos batizamos na Trindade consubstanciai, segundo a ordem do Senhor Jesus Cristo: "Ide, ensinai todas as nações, batizai-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, fazendo-as observar todos os mandamentos que vos dei ". É observando esses mandamentos que lhe manifestamos nosso amor (agape ou eros)" e merecemos nele permanecer, como está escrito; se não os observamos, manifestamos o contrário, pois: "aquele que não ama, diz o Senhor, não guarda meus mandamentos" e ainda: "aquele que tem meus mandamentos e os guarda, esse me ama".
Admira-me grandemente ouvir palavras como a do Senhor: "não vos alegreis per expulsardes os demônios, mas porque vossos nomes estão escritos no céu", e ainda: "nisso reconhecerão serdes meus discípulos: se vos amardes uns aos outros". Donde, o Apóstolo, para mostrar a necessidade da caridade em tudo, acrescenta este testemunho: "ainda que eu fale todas as línguas, dos homens e dos anjos , se não tiver a caridade, serei como um bronze que soa e como um címbalo que retine; se tiver o dom da profecia e conhecer todos os mistérios e ciências, se tiver uma fé tal que transporte montanhas, se não tiver a caridade, nada serei". E pouco depois: "as profecias desaparecerão, o dom das línguas cessará, o dom da ciência se extinguira"; "atualmente três coisas permanecem: a fé, a esperança e a caridade, mas a maior das três é a caridade". Ora, admira-me ouvir tantas declarações (e ainda outras semelhantes) do Senhor e do Apóstolo, e no entanto ver os homens mostrar solicitude e inclinação pelas coisas perecíveis, não se preocupando pelas que permanecem e caracterizam o cristão; ver até cs homens oporem-se aos que as procuram, dando cumprimento à palavra: "eles não entrarão nem deixarão os outros entrarem".
Eis por que vos peço que ponhais fim a toda pretensão supérflua e a todo palavreado importuno, que vos contenteis com as palavras do Senhor e dos santos, e tenhais pensamentos dignos de vossa vocação celeste, a fim de levardes uma vida digna do Evangelho de Cristo e do reino do céu, preparado para todos os que guardam os mandamentos de Deus Pai, segundo o Evangelhos Canônicos Cristo, Deus e Senhor nosso, no Espírito de santidade (hagiasmos ) e de verdade (aletheia).
Ante a insistência de vossa piedade, temos crido necessário e oportuno repetir tudo isso e manifestar claramente nosso pensamento a vós todos e, por vós, aos nossos irmãos no Cristo, a fim de vos dar uma garantia plena no nome de nosso Senhor Jesus Cristo. Não deve ocorrer, com efeito, que o espírito (pneuma) de alguns seja levado à dúvida por causa do que poderíamos ter dito diversamente ou em outros termos, sempre na medida em que estávamos obrigados a refutar os argumentos alegados pelos adversários da verdade (aletheia); ou por causa das atribuições de erros, que nos fazem os que nos atribuem suas próprias fraquezas, no intento de seduzir os simples. Dessa gente deveis acautelar-vos, como gente estranha à fé evangélica e apostólica, e também à caridade, lembrados da palavra do Apóstolo: "se alguém, dentre nós mesmos ou até um anjo do céu, vos anunciasse um evangelho diferente do que vos temos anunciado, seja anátema". Lembrai-vos igualmente da palavra: "guardai-vos dos falsos profetas" e desta outra: "mantende-vos à distância de todo irmão que vive de modo irregular e não seguindo a tradição recebida de nós". Conformai-vos à regra dos antigos, pois estais "edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, com nosso Senhor Jesus Cristo como pedra angular, ele, em quem o edifício, perfeitamente coordenado, se eleva para formar um templo santo no Senhor.
"Que o Deus de paz vos santifique totalmente. Que todo o vosso ser: espírito (pneuma), alma e corpo sejam conservados irrepreensíveis para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo. Deus, que vos chama, é fiel e tudo aperfeiçoará".
Julgando ter-vos exposto com suficiente clareza o que diz respeito à verdadeira fé, vamos, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, apressar-nos a cumprir a promessa no tocante à moral. Tudo o que, até agora, encontramos proibido eu aprovado no correr do Novo Testamento, esforçar-nos-emos por condensar em regras sumárias para o fácil entendimento de todos, notando para cada regra o número dos capitules correspondentes da Escritura, seja do Evangelho, seja do Apóstolo, seja dos Atos, a fim de que o leitor de cada regra, percebendo per acaso o número inscrito ao lado, procure pessoalmente a Escritura e encontre o texto sobre o qual está baseada a regra escrita.
Na verdade (aletheia), teria gostado de colocar também ao lado as referências correspondentes ao Antigo Testamento, mas premido pela necessidade — pois os irmãos me urgem o cumprimento de uma velha promessa — lembrei-me do que foi dite: "Dai ocasião ao sábio e ele será mais sábio". Assim, cada qual terá uma boa ocasião de ir ao Antigo Testamento e certificar-se por si mesmo da concordância dos textos da Escritura inspirada, mesmo se, para aqueles que têm pistis - fé e estão convencidos da verdade (aletheia) das palavras do Senhor, uma só dentre elas já bastasse. Eis por que também pensamos não ser necessário, mesmo para o Novo Testamento, citar todos os textos, mas apenas alguns.
Roberto Pla
A pequenez de fé, referida por Jesus em Cura do Lunático, é tão diminuta, um quase nada, mas algo ainda assim capaz de adesão, "não pobre ", ignorante, sem reconhecimento da posição do "ser" humano (Filho do Homem , no ponto central da cruz do Eixo do Mundo com o plano de existência da individualidade humana, onde se faz efetiva a Atividade do Céu. Mas com a fé mínima, como este ponto central, este grão de mostarda, assim simbolizada pela mais diminuta semente , tem-se de onde pode florescer a exuberante árvore do Eu Sou, em que os pássaros do céu vem pousar. Os discípulos, nossos eus que atendem de perto e intimamente ao apelo de nosso Cristo interior, guardam em seu coração esta fé, esta lembrança deste eixo , e assim se deixam-ser desde este ponto central para assim fazer não-fazer (wou-wei) "milagres", figurado no versículo como « mover montes », deslocar qualquer eixo de vida, por mais ordinário e menor que seja, segundo à determinação da Atividade do Céu em vigor no Eixo do Mundo.
No caso da Figueira Infrutífera, aquela amaldiçoada por Jesus, se evidencia, como explicado acima, o poder de fazer não-fazer, neste caso secando ou minguando qualquer escola incapaz de produzir frutos, ou seja sem o devido alinhamento com o Eixo do Mundo e sob os influxos da Atividade do Céu.
Arcângelo Buzzi
Haverá acaso um outro sítio, uma outra estação onde a existência humana possa morar num espaço de verdade mais originária e irredutível ao senso estético da sensação e ao conhecimento e apelo ético da liberdade? Conhecemos essa outra estação através das Sagradas Escrituras:
"Antes de suas obras mais antigas, o Senhor fez da sabedoria da Fé a primícia da criação" (Pr 9,22).
A sabedoria da Fé! Nessa estação a existência humana penetra não só nos arcanos de todas as obras, mas na primícia da criação. E qual seria a primícia da criação, aquela obra-prima de amor do Senhor Deus, contemplada e amada no límpido espelho de sua eterna identidade e geradora de todas as outras? Não é outra senão seu próprio Filho, a Palavra com a qual e na qual foram feitas todas as coisas:
"No princípio era a Palavra e a Palavra estava com Deus, e a Palavra era Deus. Todas as coisas foram feitas por ela e sem ela nada se fez de tudo que foi feito" (Jo 1,1-3).
"E a Palavra se fez carne e armou tenda entre nós; vimos a sua glória, a glória de Unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade" (Jo 1,14).
Esse derrame da Palavra no íntimo da criação e no íntimo mais íntimo da encarnação, cuja presença silenciosa podemos auscultar nos mínimos movimentos das sensações, dos sentimentos, das paixões, dos desejos, e no espelho das imagens, dos conceitos e das ideias da realidade, que se grava em nós, na vivência do aqui e agora, somos sequestrados do mundo para o remado da Fé, para o gozo das primícias do Filho Unigênito do Pai. Esse testemunho da Fé no medium de nossas vivências não é um feito episódico e externo, é feito que especializa a existência humana, que dá o sabor ou a sabedoria de sua substância mais íntima.
"O objetivo primeiro de Deus é de fazer nascer. Ele não fica satisfeito enquanto não gera seu Filho em nós. E a alma também não ficará satisfeita enquanto o Filho não nascer nela" (Mestre Eckhart , sermão 68).
O espaço, pois, em que nos é dado contemplar a Fé, o derrame do Filho Unigênito do Pai na criação e na encarnação, se desenha ali mesmo no interior mais íntimo de nossas sensações, no senso estético e no sentimento ético de liberdade em que as vivenciamos. Aqui nesse sensório, antes de qualquer perícia e ajuizamento de nossa parte, faísca e brilha sua inefável presença e, consequentemente, sua eterna jovialidade. Esta não é outra senão a sabedoria da Fé, irrompendo na inferioridade de nossas sensações, sem prévio aviso, sem qualquer controle por parte do saber, sem qualquer compromisso com as prescrições de uma doutrina e com os padrões de uma moral.
Christophe Andruzac
Segundo Christophe Andruzac, para um olhar filosófico, a fé é um véu que a inteligência pode aproximar e descrever mas não penetrar. Para certas formas de inteligência, a fé, se existe, será mesmo uma prova — por vezes um muro. Se respeita o fecundidade - mistério da fecundidade divina, o filósofo não terá de se surpreender do aspecto talvez desconcertante de que este mistério foi progressivamente revelado à humanidade — se jamais o foi; da formulação talvez obscura, ou rígida, ou marcada de suas estruturas específicas; disto que esta fecundidade engendra no homem uma contemplação do divino de um tipo talvez novo e segundo modalidades talvez mais especiais e muito diferentes da contemplação metafísica, do «tigein» do Nous que viveu Aristóteles , etc. Insistamos enfim bastante sobre um último ponto: o crente não deverá jamais confundir a busca que conduz enquanto filósofo (quer dizer enquanto homem inteligente e capaz de amor espiritual) e aquela que pode conduzir enquanto tem a fé: não que seja preciso «separar» em um indivíduo concreto o que procede de uma e o que procede de outra (isto seria bem impossível!); o que se deve sempre bem esclarecer, são os princípios comandando uma busca dada — e mais um assunto é complexo , mais esta circunspecção a respeito dos princípios é necessária e vital.
Schumacher
Quando lidando com algo representando um grau de significância ou Schumacher Nível de Ser mais elevado que a matéria inanimada, o observador depende não somente da adequação de suas próprias qualidades superiores, talvez «desenvolvidas» através do ensino e do aprendizado; depende também da adequação de sua «fé» ou colocando mais convencionalmente, de suas pressuposições fundamentais e suposições básicas. Neste respeito tende a ser um filho de seu tempo e da civilização na qual passou seus anos de formação; pois a mente humana, geralmente, não apenas pensa: pensa com ideias, a maioria das quais simplesmente adota e toma da sociedade que a cerca.
Nada há mais difícil do que se tornar criticamente ciente das pressuposições de seu pensamento. Tudo pode ser visto diretamente exceto o olho através do qual vemos. Todo pensamento pode ser escrutinado diretamente exceto o pensamento pelo qual escrutinamos. Um esforço especial, um esforço de auto-ciência, é necessário: essa façanha quase impossível do pensamento recolhendo-se sobre si mesmo — quase impossível mas não tanto. De fato, este é o poder que faz o homem humano e também capaz de transcender sua humanidade. Jaz no que a Bíblia denomina as «partes interiores» do homem. Onde «interior» corresponde a «superior» e «exterior» corresponde a «inferior ». Os sentidos são os instrumentos mais exteriores; quando é o caso, «eles, vendo, não veem; e ouvindo, não ouvem», a falha não se encontra nos sentidos mas nas partes interiores — «pois o coração das pessoas está encoberto »; falham em «compreender com seu coração». Somente através do «coração» pode contato ser feito com os graus de significância e Níveis de Ser.
A fé não está em conflito com a razão, nem é um substituto para a razão. A fé escolhe o grau de significância ou Nível de Ser que a busca por conhecimento e compreensão deve ter como meta. Há uma fé racional e há uma fé irracional. Buscar sentido e propósito ao nível da matéria inanimada seria um ato de fé tão irracional como uma tentativa de «explicar» as obras magnas do gênio humano como nada mais que o resultado de interesses econômicos ou frustrações sexuais. A fé do agnóstico é talvez a mais irracional de todas, porque, a menos que seja mera camuflagem, é uma decisão por tratar a questão da significância como insignificante, como dizendo: «Não quero decidir se um livro é meramente uma forma colorida, uma série de marcas sobre papel, uma série de letras ordenadas de acordo com certas regras, ou uma expressão de significado». Não é de surpreender, que a sabedoria tradicional sempre tratou o agnóstico com desprezo.
Dificilmente pode ser tomado como um ato de fé irracional aceitar o testemunho de profetas, sábios e santos que, em diferentes linguagens mas com virtualmente uma voz, declaram que o livro deste mundo não é meramente uma forma colorida mas uma expressão de significado; que há Níveis de Ser acima da humanidade; e que o homem pode alcançar estes níveis mais elevados desde que permita a sua razão ser guiada pela fé. Ninguém mais claramente descreveu a possível jornada do homem para a verdade do que Agostinho de Hipona :
O primeiro passo adiante... será ver que a atenção é atada à verdade. Certamente a fé não vê a verdade claramente, mas tem um olho para ela, assim por dizer, que a capacita a ver que uma coisa é verdadeira mesmo quando não vê a razão para tal. Não vê ainda a coisa que crê, mas pelo menos conhece por certo que não a vê e que é verdade apesar de tudo. Esta posse através da fé de uma verdade oculta porém certa é a própria coisa que impele a mente a penetrar seu conteúdo, e dar a fórmula, «Crede para poder compreender» (Crede ut intelligas), seu pleno significado. (apud Etienne Gilson)
Com a luz do intelecto podemos ver coisas que são invisíveis a nossos sentidos corporais. Ninguém nega que verdades geométricas e matemáticas são «vistas» desta maneira. Provar uma proposição significa dar a ela uma forma, pela análise, simplificação, transformação, ou dissecação, através da qual a verdade pode ser vista; além deste ver não há nem possibilidade nem necessidade de qualquer outra prova.
Podemos ver com a luz do intelecto coisas que estão além da matemática e da geometria ? De novo, ninguém nega que podemos ver o que outra pessoa significa, algumas vezes mesmo quando não se expressa acuradamente. Nossa linguagem do dia a dia é uma testemunha constante deste poder de ver, de apreender ideias, que é bastante diferente dos processos de pensar e formar opiniões. Produz instantâneos de compreensão:
Até onde Agostinho se refere, a fé é o coração da questão. A fé nos diz o que há para compreender; purifica o coração, e assim permite a razão beneficiar da discussão; capacita a razão para alcançar uma compreensão da revelação de Deus. Em resumo, quando Agostinho fala de compreensão, tem sempre em mente o produto de uma atividade racional para a qual a fé prepara o caminho. (Etienne GIlson)
Como os budistas dizem, a fé abre o «olho da verdade», também chamado o «Olho do Coração» ou o «Olho da Alma». Agostinho insistia que «todo nosso afazer nesta vida é restaurar a saúde do olho do coração através do qual Deus pode ser visto». O grande sufi persa Rumi diz do «olho do coração, que é setenta vezes e do qual estes dois olhos sensíveis são apenas os coletores»; enquanto John Smith o Platonista aconselha: «Devemos fechar os olhos dos sentidos, e abrir este brilhante olho de nossa compreensão, esse outro olho da alma, como o filósofo chama nossa faculdade intelectual , que de fato todos têm, mas poucos usam». O teólogo escocês Ricardo de São-Victor diz: Pois o sentido exterior apenas percebe coisas visíveis e só o olho do coração vê o invisível». [A GUIDE FOR THE PERPLEXED]
Luc Brisson
Entre os dois gêneros de objetos opostos (o ser e o não-ser), Platão evoca gêneros intermediários, segundo um esquema linear que oferece uma representação dos quatro modos de conhecimento que correspondem aos quatro gêneros de objetos suscetíveis de afetar a alma que os conhece. O gênero de objetos de corpos naturais ou técnicos são conhecidos pela crença ou convicção (pistis).
Ullmann
Indaguemos, agora, acerca do grau de certeza que a sensação oferece, conforme Plotino . Primeiramente, nada mais do que a dóxa, a opinião, da qual ninguém deve fiar-se demais. À dóxa segue-se a pistis, a qual já representa um degrau superior mais seguro, no conhecimento, devido à intervenção da razão. O que é a pístis? É uma consequência da opinião; mais claramente: é uma persuasão, que ainda não se equipara a certeza total. Por outra, a pistis, sinonimizando com persuasão, não representa a firmeza da evidência (enárgeia). A pistis não dispensa a demonstração (apódeixis), pois esta é alcançada com a ajuda da razão (paidagogoüntos lógou pístin perichoménou) (Enéada V, 9, 4, 31-32). Assim, há um matiz nos diversos graus de conhecimento ministrados pelos sentidos: a dóxa e a pístis, cuja tradução para "convicção" seria demasiado forte e para "crença" demasiado fraca. Verter para "certeza" seria exagero, porque a pístis não chega à evidência.
Bem diverso é o conhecimento do Uno (= primeira hipóstase = pensamento de pensamento) e do Noûs (Inteligência = segunda hipóstase) [1]. A persuasão (pístis) não tem lugar na contemplação extática do Uno, porque "não há mais dualidade, mas (a alma) tornada outra que antes era (...), pertence a ele (Uno) e é uma com ele, tendo feito coincidir, pelo assim dizer, centro com centro" (Enéada VI, 9, 10, 15-18). A esse respeito, diremos mais, ao tratarmos do conhecimento místico. Da mesma forma, não há persuasão no Noûs (Inteligência). Sendo ele hèn pollá, "não necessita, nem de demonstração (apódeixis), nem de pístis (persuasão), porque ele é evidente (enargês) a si mesmo" (Enéada V, 5, 2, 14). O Noûs ou Inteligência é, portanto, uma contemplação pura e viva, "(...) não de um objeto contemplado como se (este objeto) estivesse em outro" (Enéada III, 8, 11-12). Por que isso? Por ele ter em si as verdadeiras realidades, que são as essências. Por conseguinte, não conhece por imagem, mas a coisa em si: "(...) ele mesmo é aquilo que conhece" [2]. Não há intermediário. Nem o engano , nem o erro podem ali insinuar-se. "O Noûs vê uma luz com outra luz, não por um meio estranho" (Enéada V, 3, 8, 22-23). O Noûs é a verdade. Ele conhece verdadeiramente, nada esquece e não precisa andar à procura da verdade. Por quê? Pelo fato de "ser ele próprio os seus inteligíveis, visto as ideias deles não terem sido adquiridas" (Enéada V, 4, 2, 46). Plotino argumenta com este pressuposto: "Deve existir, existe algo permanente e eterno. Não fora assim, onde procurar o que é digno de estima ? Não existiria" (ei mê tautòn, ouk alêtheia éstai) (Enéada V, 3,4, 24). Mas, a verdade no Noûs tem sua origem, em última instância, no Uno. Por isso, o Noûs não é o objetivo final da aspiração humana.
Boehme
Uma crença histórica é meramente uma opinião baseada sobre alguma explicação adotada da letra da palavra escrita, tendo sido aprendida em escolas, escutadas pelos ouvidos externos, e que produzem dogmatistas, sofistas e opiniáticos serventes da letra. Mas Fé é o resultado da percepção direta da verdade, ouvida e compreeendida pelo sentido interior, ensinada pelo Espírito Santo e produtiva de teosofistas e servos do divino Espírito.