Deus quis ver as essências [1] de Seus Nomes muito perfeitos, que o número não saberia esgotar - e, se você quiser, pode igualmente dizer: Deus quis ver Sua própria Essência [2] - em um objeto global, que, tendo sido dotado de existência [3], resume toda a Ordem Divina [4] a fim de manifestar por aí Seu mistério para Si-mesmo [5]. Pois a visão [6] que tem o ente [7] de si-mesmo em si-mesmo não se assemelha àquela que lhe proporciona uma outra realidade da qual ele se serve como de um espelho : ele aí se manifesta a si-mesmo sob a forma que resulta do “lugar” da visão; esta não existiria sem o “plano de reflexão” e o raio que aí se reflete. Deus criou a princípio o mundo inteiro como uma coisa amorfa [8] e desprovido de graça [9], e similar a um espelho que ainda não foi polido [10]; ora, é uma regra da Atividade divina não preparar nenhum “lugar” sem que este não receba um espírito divino, isto que é expresso [no Corão] pela insuflação do Espírito divino em Adão [11]; e isto não é outra coisa [de um ponto de vista complementar ao precedente] senão a atualização da atitude que possui tal forma, anteriormente disposta, a receber a efusão [12] inesgotável da revelação [13] essencial. Há então (fora da Realidade divina) apenas um puro receptáculo [14]; mas este receptáculo provem ele-mesmo da “Efusão santíssima” (quer dizer, da manifestação principial, metacósmica, onde as “essências imutáveis” são divinamente “concebidas”, antes de sua aparente projeção na existência relativa [15]). Pois a realidade inteira, de seus primórdios até seu fim, vem de Deus unicamente, e é para Ele que ela retorna [16].” Assim, então, a Ordem divina exigiu o polimento do espelho do mundo; e Adão tornou-se a própria luz desse espelho e o espírito dessa forma [17].
Quanto aos Anjos (dos quais é questão no relato corânico da criação de Adão [18]), representam certas faculdades desta “forma” [19] do mundo, que os sufis chamam o “Grande Homem ” (al-insan al-kabir ), de modo que os Anjos são para esta aquilo que as faculdades espirituais e físicas são para o organismo humano [20]. Cada uma dessas faculdades (cósmicas) se encontra como velada por sua própria natureza; ela não concebe nada que seja superior a sua essência (relativa); porque há nela qualquer coisa que pretende ser digna de alto escalão e de toda morada elevada próxima de Deus. Isto é assim porque ela participa (de uma certa maneira) na síntese divina (al-jam’-iyat al-ilahiyah [21]) que rege aquilo que mantém-se, seja ao lado divino (al-janab al-ilahi [22]), seja ao lado da Realidade das realidades (haqiqat al-haqaiq [23]), seja ainda - por este organismo, suporte de todas as faculdades - à Natureza Universal (tabi’at al-kull [24]); esta engloba todos os receptáculos (gawabil) do mundo, de seu cimo a seu fundo [25]. Mas isto, a razão discursiva não o compreenderá, pois esta ordem de conhecimento depreende-se unicamente da Intuição divina (al-kashf al-ilahi); é por ela somente que se conhecerá a raiz das formas do mundo, enquanto são receptivas a respeito dos espíritos que o regem [26].
Assim este ser (adâmico) foi denominado Homem (insan) e Representante (khalifah ) de Deus. Quanto a sua qualidade de homem, ela designa sua natureza sintética (contendo virtualmente todas as outras naturezas criadas) e sua atitude a abarcar todas as Verdades essenciais. O homem é para Deus (al-haqq ) aquilo que é a pupila para o olho (a pupila se chama em árabe “o homem no olho”), a pupila sendo aquilo pelo qual o olhar se efetua; pois por ele (quer dizer pelo Homem Universal ) Deus contempla Sua criação e lhe dispensa Sua misericórdia. Tal é o homem ao mesmo tempo efêmero e eterno, ser criado perpétuo e imortal, Verbo discriminante (por seu conhecimento distintivo) e unificante (por sua essência divina) [27]. Por sua existência, o mundo foi finalizado. Ele é para o mundo aquilo que a arma ção é para o anel : a armação porta o selo que o rei aplica sobre os cofres de seu tesouro ; e é por causa disto que o homem (universal) é denominado o representante de Deus, do qual salvaguarda a criação, como salvaguardam-se os tesouros por um selo: enquanto o sinete do rei se encontrar pousado sobre os cofres do tesouro, ninguém ousará abri-los sem sua permissão; assim o homem se vê confiar a salvaguarda divina do mundo, e o mundo não cessará de ser salvaguardado enquanto este Homem Universal (al-insan al-kamil) habitar nele. Não vês portanto que quando ele desaparecer e que for retirado os cofres deste mundo aqui de baixo, nada daquilo que Deus aí conservava não restará, e tudo aquilo que eles continham sairá, cada parte reencontrando sua parte (correspondente); o todo se transportará no outro mundo, e (o Homem universal) será o selo sobre os cofres do outro mundo perpetuamente.
Tudo aquilo que implica a “Forma divina”, quer dizer todo o conjunto de Nomes (ou Qualidades universais ), se manifesta nesta constituição humana, que, deste fato, se distingue (das outras criaturas) pela integração (simbólica) de toda a existência. Daí o argumento divino condenando os Anjos (que não viam a razão de ser nem a superioridade intrínseca de Adão); guarde isto, pois Deus te exorta pelo exemplo de outro, e olha por onde o julgamento atinge aquele que ele atinge. Os anjos não realizaram aquilo que implica a constituição deste representante (de Deus sobre a terra ), e não realizaram também aquilo que implica a adoração essencial (dhatiyah) de Deus; pois cada um só conhece de Deus aquilo que infere de si-mesmo. Ora, os Anjos não têm a natureza integral de Adão; eles não realizam portanto os Nomes divinos cujo conhecimento é o privilégio desta natureza e pelos quais esta O “louva” (afirmando Seus aspectos de Beleza e de Bondade) e O “proclama Santo” (em atestando Sua Transcendência essencial); eles não sabem que Deus possui Nomes que escapam a seu conhecimento e pelos quais eles não saberiam portanto Lhe “louvar” nem O “proclamar Santo”.
Eles foram vítimas de sua própria limitação quando disseram, a respeito da criação (de Adão sobre a terra): “Queres tu pois aí criar alguém que semeia a corrupção?” Ora, esta corrupção, o que é ela senão a revolta , logo precisamente isto que eles manifestam eles-mesmos? Aquilo que eles diziam de Adão se aplica a sua própria atitude para com Deus. Por conseguinte, se tal possibilidade (de revolta) não estivesse na sua natureza, eles não a teriam inconscientemente afirmado a respeito de Adão; se eles tivessem tido o conhecimento deles mesmos, eles teriam sido eximidos, da parte deste conhecimento, dos limites que eles sofreram; eles não teriam insistido (na sua acusação de Adão) até tirar vaidade de sua própria “louvação” de Deus e daquilo pelo qual eles O “proclamavam Santo”, enquanto que Adão realizava os Nomes divinos que os Anjos ignoravam, de modo que nem sua “louvação” (tasbih) nem sua “proclamação da Santidade divina” (taqdis) não eram parecidas àquelas de Adão.
Isto, Deus nos descreve para que estejamos prevenidos e que aprendamos a justa atitude para com Ele - exaltado seja Ele! - livres de pretensão a respeito daquilo que tenhamos realizado ou apreendido para nossa ciência individual: por conseguinte, como poderemos pretender possuir alguma coisa que nos exceda (em sua realidade universal) e nós não conheçamos (essencialmente)? Sejais pois atentos a esta instrução divina sobre a maneira pela qual Deus castiga os mais obedientes e os mais fiéis de Seus servidores, Seus mais próximos representantes (segundo a hierarquia geral dos seres).
Mas retornemos agora à Sabedoria (divina em Adão). Podemos dizer a seu respeito que as Idéias universais (al-umur al-kulliyah) [28], que não têm evidentemente existência individual como tal, não são menos presentes, inteligivelmente e distintamente, no mental ; eles permanecem sempre interiores em relação à existência individual, mas determinam tudo o que pertence a esta. Além do mais, aquilo que existe individualmente é apenas (a expressão de) estas Ideias universais, sem a qual estas últimas cessam portanto de ser nelas mesmas puramente inteligíveis. Elas são portanto exteriores enquanto determinações implicadas na existência individual e, por outro lado, interiores enquanto realidades inteligíveis. Tudo que existe individualmente eleva-se destas Ideias, que permanecem no entanto inseparavelmente unidas ao intelecto e não saberiam manifestar-se individualmente de maneira a sair de sua existência puramente inteligível, quer se trate da manifestação individual no tempo ou fora do tempo [29]; pois a relação entre o ser individual e a Ideia universal é sempre a mesma, quer este ser esteja ou não submetido à condição temporal. Somente a Ideia universal assume por sua vez certas condições próprias às existências individuais, seguindo as realidades (haqaiq) que definem estas mesmas existências. Assim é, por exemplo, da relação que une o conhecimento e o conhecedor ou a vida e o vivente: o conhecimento e a vida são realidades inteligíveis, distintas uma da outra; ora, nós afirmamos de Deus que Ele é conhecedor e vivente, e nós afirmamos igualmente do Anjo que ele é conhecedor e vivente, e dizemos isto do mesmo modo do homem; em todos estes casos, a realidade inteligível do conhecimento ou aquela da vida permanece a mesma, e sua relação ao conhecedor ou ao vivente é cada vez idêntica; e, no entanto, diz-se do conhecimento divino que ele é eterno e do conhecimento do homem que ele é efêmero; existe portanto alguma coisa nesta realidade inteligível que é efêmera por sua dependência a respeito de uma condição (limitativa). Ora, considere esta dependência recíproca das realidades ideais e das realidades individuais [30]: do mesmo modo que o conhecimento determina aquele que dele participa, - pois o chamamos conhecedor, - do mesmo modo, aquilo que é qualificado pelo conhecimento determina por sua vez o conhecimento, de modo que ele é efêmero em conexão com o eterno; e cada um dos dois lados é, em relação ao outro, ao mesmo tempo determinante e determinado. É certo que estas Ideias universais, apesar de sua inteligibilidade, não têm, como tais, existência (própria), mas somente uma existência primordial; do mesmo modo, quando elas se aplicam aos indivíduos, elas nisto aceitam a condição (hukm) sem todavia nisto assumir a distinção nem a divisibilidade; elas são integralmente presentes em cada coisa qualificada por elas, como a humanidade (a qualidade de homem), por exemplo, está presente integralmente e cada ser particular desta espécie sem sofrer a distinção nem o número que afetam os indivíduos, e sem cessar de ser nelas mesmas uma realidade puramente intelectual.
Ora, como há dependência mútua entre aquilo que tem uma existência individual (ou substancial) e aquilo que não tem e é apenas, a bem dizer, uma relação não-existente [31] como tal, é fácil conceber que os seres estão religados entre eles; pois neste caso, há sempre um termo médio, a saber a existência como tal, enquanto que no primeiro caso a relação mútua existe apesar da ausência de um termo médio.
Sem dúvida, o efêmero só é concebível como tal, quer dizer na sua natureza efêmera e relativa, em relação com um princípio do qual ele tem sua própria possibilidade, de sorte que ele não tem o ser em si-mesmo, mas o tem de um outro ao qual está ligado por sua dependência. E é certo que este princípio é em si-mesmo necessário, que ele é subsistente por si-mesmo e independente, no seu ser, de toda outra coisa. É este princípio que, por sua essência mesma, confere o ser ao efêmero que dele depende.
Mas já que (o princípio) exige da parte de si-mesmo (a existência) do (ser) efêmero, este mostra-se, sob esta relação, (não somente possível mas também) “necessário”. E já que o efêmero depende essencialmente de seu princípio, é preciso também que ele apareça sob a “forma” (qualitativa) deste último, em tudo aquilo que ele tem dele, como os “nomes” e as qualidades, a exceção todavia da autonomia principial que, ela, não é aplicável ao ser efêmero, embora este seja “necessário”; é que ele é necessário em virtude de um outro, não de si-mesmo.
Dado que o ser efêmero manifesta a “forma” do eterno, é pela contemplação do efêmero que Deus nos comunica o conhecimento Dele-mesmo; Ele nos diz (no Corão) que Ele nos mostra Seus “signos” no efêmero (”Nós lhes mostraremos Nossos signos nos horizontes e neles mesmos... Corão XLI, 53). É a partir de nós mesmos que concluímos com Ele; nós não Lhe atribuímos nenhuma qualidade sem ser nós mesmos esta qualidade, a exceção da autonomia principial. Desde o momento que nós O conhecemos por nós e a partir de nós, nós Lhe atribuímos tudo aquilo que nós atribuímos a nós mesmos e é por isto, por outro lado, que a revelação nos foi dada pela boca dos intérpretes (quer dizer dos profetas) e que Deus Se descreve para nós por meio de nós. Em contemplando-O, nós nos contemplamos, e em nos contemplando, Ele Se contempla, embora sejamos evidentemente numerosos quanto aos indivíduos e aos gêneros; nós estamos unidos, é verdade, em uma só e mesma realidade essencial, mas não menos existe disto uma distinção dos indivíduos, sem o que, por conseguinte, não existiria multiplicidade na unidade .
Do mesmo modo, embora sejamos qualificados, sob todos os aspectos, pelas qualidades que pertencem a Deus mesmo, há (entre Ele e nós) uma diferença certa, a saber nossa dependência a Seu respeito, para aquilo que é do Ser, e nossa conformidade a Ele, em razão de nossa possibilidade mesma; mas Ele é independente de tudo aquilo que faz nossa indigência. É neste sentido que se deve entender a eternidade sem começo (al-azal) e a ancianidade (al-qidam) de Deus, que abolem portanto a primazia (al-awwaliyah) divina significando a passagem da não-existência à existência embora Deus seja o Primeiro (al-awwal) e o Último (al-akhir), Ele não pode ser chamado o Primeiro no sentido temporal, pois Ele seria então o Último segundo o mesmo sentido; ora as possibilidades de manifestação não têm fim: elas são inesgotáveis. Se Deus é chamado o Último, é que toda realidade pertence finalmente a Ele, depois de ter sido rendida a nós: Sua qualidade de Último é essencialmente Sua qualidade de Primeiro, e inversamente.
Nós sabemos também que Deus Se descreveu Ele-mesmo como o “Exterior” (al-zahir ) e como o “Interior” (al-batin), e que Ele manifestou o mundo ao mesmo tempo como interior e como exterior, a fim que nós conheçamos o aspecto “interior” (de Deus) por nosso próprio interior, e o “exterior” por nosso exterior. Do mesmo modo, Ele se descreveu pelas qualidades da clemência e da cólera, e Ele manifestou o mundo como um lugar de medo e de esperança, para que nós temamos Sua cólera e esperemos Sua clemência. Ele Se descreveu pela beleza e a majestade e nos dotou de temor reverencial (al-haybah) e de intimidade (al-uns). Assim vai de tudo aquilo que se refere a Ele e pelo que Ele se designou. Ele simbolizou estes pares de qualidades (complementares) pelas duas mãos que Ele tende em direção à criação do Homem universal; este reúne nele todas as realidades essenciais (haqaiq) do mundo, em seu conjunto como em cada um dos indivíduos. O mundo é o aparente, e o representante (de Deus nele) é o escondido. É a exemplo disto que o sultão permanece invisível, e é neste sentido que Deus diz Dele mesmo que Ele se esconde sob véus de trevas — que são os corpos naturais — e véus de luz — que são os espíritos sutis [32]; pois o mundo é feito de substância grosseira (kathif ) e de substância sutil (latif).
(O mundo) é para si-mesmo seu próprio véu, de maneira que ele não pode ver Deus do fato mesmo que ele se vê; ele não pode jamais se desfazer por si-mesmo de seu véu, mesmo sabendo que a ele se fixa, por sua dependência, a seu Criador. É que o mundo não participa da autonomia do Ser essencial, de tal modo que não O concebe jamais. Sob este aspecto, Deus permanece sempre desconhecido , pois o efêmero não tem apreensão sobre isto (quer dizer o eterno).
Quando Deus disse a Iblis : “O que te impede de te prosternar diante daquele que Eu criei com Minhas duas Mãos?” (Corão, XXXVIII, 75), a menção das duas Mãos indica uma distinção para Adão; Deus fez assim alusão à união em Adão das duas formas, a saber da forma do mundo (análoga às Qualidades divinas passivas) e da “forma” divina (análoga às Qualidades divinas ativas), que são as duas Mãos de Deus [33]. Quanto a Iblis, ele é apenas um fragmento do mundo; ele não recebe a natureza sintética em virtude da qual Adão é o representante de Deus. Se Adão não estivesse manifestado na “Forma” d’Aquele que lhe confia Sua representação em relação aos outros, ele não seria Seu representante; e se ele não contivesse tudo aquilo que tem necessidade o rebanho que deve guardar - é dele que este rebanho depende, e ele deve satisfazer a todas as suas necessidades, - ele não representaria Deus para os os outros (criaturas).
A representação de Deus só pertence ao Homem universal, cuja forma exterior é criada das realidades (haqaiq) e das formas do mundo, e cuja forma interior corresponde à “Forma de” Deus (quer dizer à “soma” das Normas e das Qualidades divinas). Por causa disto Deus disse dele: “Eu sou sua audição e sua vista”; Ele não disse: “seu olho e sua orelha”, mas distinguiu as duas “formas” uma da outra [34].
Sucede da mesma maneira para todo ser deste mundo sob a relação de sua própria realidade (transcendental); no entanto, nenhum ser guarda uma síntese similar àquela que distingue o Representante; e este apenas por esta síntese excede os outros.
Se Deus não penetrasse de Sua “Forma” [35] a existência, o mundo não seria; assim mesmo que os indivíduos não seriam determinados se não houvessem as Ideias universais. Segundo esta verdade, a existência do mundo reside na sua dependência a respeito de Deus. Na realidade cada um depende (do outro: a “Forma divina” daquela do mundo, e inversamente); nenhum é independente (da outra); é a pura verdade; nós não nos expressamos em metáforas. Por outro lado, quando eu falo daquilo que é absolutamente independente, tu saberás aquilo que entendo por isto aí (quer dizer, a Essência infinita e incondicionada). Cada um (a “Forma divina” como o mundo) é portanto ligado ao outro, e cada um não pode ser separado do outro; apreendeis bem aquilo que vos digo.
Ora, agora tu conheces o sentido espiritual da criação do corpo de Adão, quer dizer de sua forma aparente, e da “criação” de seu espírito, que é sua “forma” interior. Logo Adão é ao mesmo tempo Deus e criatura. E tu compreendestes qual é sua colocação (cósmica), a saber aquela da síntese (de todas as qualidades cósmicas), síntese em virtude da qual ele é o representante de Deus.
Adão é a “Alma única” (an-nafs al wahidah) da qual foi criado o gênero humano, segundo a palavra divina (no Corão): “Ó vós, homens, temais vosso Senhor quem vos criou de uma alma única, e quem criou dela sua esposa, e quem desdobrou deste casal muitos homens e mulheres.” (Corão IV, 1). As palavras “temais vosso Senhor” significam: façais de vossa forma aparente uma salvaguarda de vosso Senhor, e façais de vosso interior — quer dizer de vosso Senhor — uma salvaguarda de vós mesmos; todo ato (ou toda ordem divina) consiste em reprovação e em louvor (em negação e em afirmação); sejais portanto Sua salvaguarda na reprovação (quer dizer enquanto criaturas limitadas) e tomai-o para salvaguarda na louvação [36], para que vós tenhais, entre todos os seres, a atitude a mais justa (em direção à Deus).
Após tê-lo criado, Deus fez ver a Adão tudo aquilo que havia posto nele; e Ele manteve o todo nas Suas duas Mãos: uma continha o mundo, a outra Adão e seus descendentes, pois Ele mostrou a estes as colocações que ocupam no interior de Adão [37].
Como Deus me fez ver aquilo que pôs no gerador primordial, eu disto transcrevi neste livro a porção que me tinha sido designada, e não tudo aquilo que realizei; pois aquilo, nenhum livro nem o mundo atual não saberiam conter. Ora, entre as coisas que contemplei e que puderam ser transcritas neste livro, na medida que me designou o “Enviado de Deus — sobre ele a benção e a paz ! — estava a Sabedoria divina no Verbo adâmico; é dela que trata este capítulo.