C.S. Lewis (1960), professor de inglês medieval e renascentista na Universidade de Cambridge, percorre em um de seus livros menos conhecido, o labirinto de sentidos e usos de algumas palavras inglesas, reencontrando suas genealogias e seus ancestrais — vocábulos gregos, latinos e ingleses em seus sentidos originais.
Dentre essas palavras, o termo natureza (ing. nature) é dos mais analisados, tendo como origem de seus significados os vocábulos: natura (latim), kind (inglês) e physis (grego) [1]. Por sua vez, natura e kind guardam uma raiz comum, que se reflete no termo natureza com o significado de: espécie, qualidade e característica. Já, do vocábulo grego physis, descende um outro conjunto de significados para o termo natureza, dividido em dois ramos principais: um, na linha de habitar , viver , morar, estar em um lugar ou em uma condição; outro, na de crescer, tornar-se, devir, “vir-a-ser”.
A natureza, neste sentido de geração (que guarda o próprio verbo physein), representa em conjunto com os demais significados, uma conexão íntima entre as noções de totalidade, essencialidade e nascimento. Deste modo, o termo natureza, “na sua acepção mais geral indica o conjunto das coisas que existem, referindo-se particularmente, mais do que a uma configuração determinada, objetiva (neste caso a designação mais exata é a de mundo), aos seus princípios constitutivos essenciais; todas as coisas quando nascem, realizam-se sempre segundo uma característica própria e imanente.” [Micheli, 1990].
Os filósofos gregos, anteriores a Sócrates, considerados como os primeiros a romper, por meio da própria Razão, com o domínio dos mitos sobre o pensamento , instituindo uma filosofia natural ou da natureza, empregavam este termo em uma acepção associada à ideia de totalidade conhecida ou acreditada; tornando esta coleção heterogênea e amorfa, constituída por todas as coisas, em um objeto ou pseudo-objeto, referenciado no próprio título de algumas de suas obras, por exemplo: Sobre a Natureza de Parmênides e A Natureza das coisas que são de Empédocles.
Este sentido, que C.S. Lewis considera perigoso, por se referir a tudo e portanto a nada em particular, sofreu após uma ou duas gerações de filósofos gregos, uma primeira redução importante, ao se afirmar a existência de algo mais, além da natureza. Este movimento determinou e delimitou doravante o domínio e o campo de ideias e significados do termo natureza, com base em duas linhas de pensamento, gêmeas em sua origem: a platônica e a aristotélica.
Na platônica, a natureza enquanto aparência, é um produto, uma cópia das Ideias, por intermediação dos Números, das matemáticas. Esta visão integrada guardava as ideias de totalidade, essencialidade e nascimento (geração), dentro de um único corpo filosófico; delimitando, sem, no entanto, compartimentalizar na teoria , o domínio a que se refere o termo natureza.
Na linha de pensamento aristotélica, a natureza é definida como aquilo que contém em si mesmo o princípio do movimento: “o estudo da natureza se refere ao movimento” (De Caelo IV) [apud Granger, 1976]. A filosofia é dividida segundo seu objeto teórico, em metafísica, matemática e física: “Porque a física trata de objetos concretos mas não imóveis; pelas matemáticas são tratados os objetos imóveis, e sem dúvida, não concretos, mas existentes na matéria; a filosofia primeira (a metafísica) trata de objetos ao mesmo tempo concretos e imóveis.” (Metaphysica, livro E) [apud Granger, 1976].
Em retrospectiva, constatamos que os pré-socráticos, enquanto filósofos da natureza, a tomaram como base original para o nascimento da Razão ocidental, dando o primeiro passo decisivo na passagem da visão mítica à concepção racional do mundo, e elaborando o conceito de natureza (physis) como princípio intrínseco do ser e do devir de todas as coisas não só animadas como inanimadas. Na evolução deste conceito até Aristóteles, a natureza concebida como força (dynamis ), uma capacidade operativa (energeia ), tem seu domínio delimitado pela manifestação, união da matéria (hyle ) e da forma (eidos ) [Selvaggi, 1988].